RE - 1486 - Sessão: 09/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença que aprovou as contas do PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE DE PORTO ALEGRE (PSOL), exercício de 2015 (fls. 160-173).

Nas razões de apelo (fls. 177-180), o Parquet alega que os ocupantes de cargos eletivos devem figurar no rol de fontes vedadas, por efeito da abrangência do termo “autoridade”, constante no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Indica que o Tribunal Superior Eleitoral enfrentou a questão, concluindo que mandatários não podem doar valores a agremiações partidárias. Requer o provimento do recurso, para que sejam desaprovadas as contas, bem como determinado o recolhimento de R$ 17.400,00 ao Tesouro Nacional, e demais consectários legais.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso (fls. 187-191).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Houve intimação da sentença em 24.4.2018 (fl. 175) e, em 25.4.2018, interposto o recurso, conforme fl. 177.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Ao mérito, pois ausentes prefaciais.

O Ministério Público Eleitoral recorre da sentença que aprovou as contas de exercício, ano 2015, do PSOL de Porto Alegre. Em resumo, entende irregulares, pois oriundas de Fonte Vedada doações realizadas por ocupantes de cargo eletivo, no valor de R$ 17.400,00 (notadamente, uma vereadora e um vereador).

Aduz que a viragem jurisprudencial, trazida à baila pelo TRE/RS no RE n. 13-93, não se alinha ao entendimento pacificado do Tribunal Superior Eleitoral, de forma que os detentores de cargo eletivo devem ser compreendidos como “autoridades”, com vistas à aplicação do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

A tais razões, alinha-se o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

À análise.

Antecipo: impecável a sentença, motivo pelo qual há de ser mantida pelos próprios fundamentos.

Com efeito, as alegações recursais estão em consonância com a posição adotada por este Tribunal durante razoável período, cerca de dois anos, mormente a partir da Consulta n. 109-98, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, julgada no dia 23.9.2015, na qual se entendeu que a proibição prevista no art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos alcançava também os detentores de mandatos eletivos.

Todavia, e como bem apontado na sentença, em recente julgado (6.12.2017) de relatoria do Des. Eleitoral João Batista Pinto Silveira, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul reviu seu entendimento, para se posicionar no sentido de que o agente político, gênero do qual o detentor de mandato eletivo é espécie, não está incluído no conceito de autoridade para os fins do dispositivo legal em comento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de prefeito. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo prefeito. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.

Provimento.

(TRE/RS, RE 14-78, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 06.12.2017.) (Grifei.)

O âmago do raciocínio é claro: o Tribunal entendeu que o fundamento para vedar a doação de detentores de cargos de direção e chefia, qual seja, a necessidade de evitar a distribuição de funções públicas com o intento de alimentar os cofres partidários, não está presente quando a doação advém de ocupantes de mandatos eletivos.

E o motivo, muito bem identificado pelo relator, tem caráter constitucional: os mandatários são levados ao cargo pela vontade popular, sendo impossível, portanto, argumentar-se que interesses unicamente partidários os fizeram ocupar tal posição.

Ao contrário: princípios democráticos e republicanos, sob o manto das eleições, são os vetores principais da condução ao munus inegavelmente público.

Nessa linha de raciocínio, considerar tais doadores como autoridade pública significaria atribuir interpretação demasiado ampliativa a uma norma restritiva de direitos, o que não se coaduna com a ordem constitucional posta. Há, aliás, passagem no parecer do d. PRE, uma citação do então Ministro do TSE Cezar Peluso, que se amolda perfeitamente a tal entendimento: a vedação objetiva "desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham ligações com partido político e que dele sejam contribuintes" (fl. 188v.).

Ora, o mandatário de cargo eletivo não é “nomeado”; ele é eleito com suporte na soberania popular (art. 1º, parágrafo único, c/c art. 14, caput, da CF), e a respectiva ligação com partido político é condição de elegibilidade constitucionalmente plasmada (art. 14, § 3º, inc. V, da CF), de modo que a modificação de entendimento se trata de legítima evolução.

Ademais, note-se que os Tribunais Superiores não têm posição consolidada sobre a matéria. Inclusive, está pendente de julgamento, no Supremo Tribunal Federal, a ADin n. 5.494-DF, ajuizada pelo Partido da República (PR), tendo por objeto da constitucionalidade do art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos, em sua redação original. Desse modo, não há de se falar em legítima expectativa de continuidade das decisões em um ou outro sentido.

Finalmente, friso que a modulação dos efeitos da decisão que acarreta modificação da jurisprudência é possibilidade que o art. 927, § 3º, do CPC confere apenas aos Tribunais Superiores (ou ao STF), nos casos de jurisprudência dominante ou julgamento de casos repetitivos.

A sentença não merece reforma, portanto.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.