RE - 1304 - Sessão: 09/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos pelo Diretório Municipal do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de PORTO ALEGRE e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes ao exercício financeiro de 2015, por infração aos arts. 12, inc. XI, 13, 14, 17, 18 e 22 da Resolução TSE n. 23.432/14, e determinou a devolução do valor de R$ 186.000,00 ao Tesouro Nacional, a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário durante 9 meses e a adição de 2,5% sobre o percentual legal de destinação de receitas para promover e difundir a participação política das mulheres (fls. 308-317).

Nas razões recursais, o Diretório Municipal sustenta que todos os doadores são filiados ao PDT, consoante listagem anexa ao recurso, não incidindo a caracterização de fontes vedadas, a teor do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação conferida pela Lei n. 13.488/17. Outrossim, o estatuto da agremiação dispõe sobre a contribuição de filiados tal como realizada. Afirma que a sentença não está baseada na lei, mas em interpretação dada pelo TSE, e que nova regra legal veio dispor expressamente em sentido contrário, devendo retroagir a fim de que sejam consideradas lícitas as fontes dos recursos. Ressalta que a manutenção do entendimento conflita com a lei e pode levar vários partidos à extinção, porquanto sobrevivem de contribuições de filiados. Alega que todas as inconsistências das contas foram devidamente explicadas. Ao final, requer a aprovação plena das contas ou, subsidiariamente, com ressalvas (fls. 320-339).

O Ministério Público Eleitoral interpõe recurso contra o posicionamento exposto na sentença de que os detentores de mandato eletivo não figuram no rol de fontes vedadas de recursos financeiros. Assevera que o entendimento está em conflito com a jurisprudência do TSE e com a orientação do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Por fim, requer que as quantias recebidas de ocupantes de cargos eletivos sejam acrescidas à condenação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (fls. 430-435).

Sem contrarrazões, o magistrado a quo determinou a remessa dos autos à instância superior (fl. 438).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do apelo da agremiação e pelo provimento do recurso do Ministério Público Eleitoral (fls. 441-449v.).

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são tempestivos e comportam conhecimento.

Ausentes preliminares, passo ao exame individualizado dos apelos.

Do recurso interposto pelo Diretório Municipal do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Porto Alegre

Inicialmente, registro que, para o exame das presentes contas, deve ser considerado o texto do art. 31 da Lei n. 9.096/95 e seus incisos, vigente ao tempo do exercício financeiro em questão – 2015 – sem as posteriores alterações legislativas.

Isso porque o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Na esteira desse entendimento, este Tribunal, por ocasião do julgamento do RE 14-97.2016.6.21.0076, debateu a respeito da incidência imediata da alteração introduzida no art. 31 da Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.488/17, que considera lícitas as doações advindas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados a partido político, entendendo, mediante juízo de ponderação de valores, pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Colaciono a ementa do referido julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. (Grifei.)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS – RE: 1497 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: Des. Eleitoral LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 04.12.2017, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 225, Data 15.12.2017, Página 6.) (Grifei.)

Quanto à abrangência do termo “autoridade”, importa referir que, em 2007, no julgamento da Consulta n. 1428 (Resolução TSE n. 22.585/07), o TSE assentou não ser permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum de chefia ou direção da administração direta ou indireta.

Após a consolidação da interpretação dada pelo TSE ao art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95, os tribunais eleitorais de todo o país, inclusive este TRE, passaram a julgar as contas partidárias com observância à vedação de contribuições de titulares de cargos em comissão de chefia ou direção na Administração Pública:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridade, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia.

Redução, de ofício, do período de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário, conforme os parâmetros da razoabilidade. Manutenção da sanção de recolhimento de quantia idêntica ao valor recebido irregularmente ao Fundo Partidário.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2346, Acórdão de 12.03.2015, Relator Des. Eleitoral INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.03.2015, Página 02.)

 

Recurso Eleitoral. Prestação de Contas Anual. Exercício 2012. Partido Democrático Trabalhista – PDT de Taquara. Contas desaprovadas. Preliminar de impugnação de documentos como prova válida. Exame remetido à análise da questão de fundo. Preliminar de cerceamento de defesa afastada, em face de haver, nos autos, comprovação de que o partido teve oportunidade de se manifestar sobre documentos acostados. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. Configuradas doações de fonte vedada. Servidores ocupantes de cargos demissíveis ad nutum.

Afastadas do cálculo do valor a ser recolhido ao Fundo Partidário as doações de assessores e procuradores jurídicos, os quais não são considerados autoridades. Deram parcial provimento ao recurso, apenas ao efeito de reduzir o valor recolhido ao Fundo Partidário.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 8303, Acórdão de 12.11.2014, Relator Des. Eleitoral LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 207, Data 14.11.2014, Página 02.)

 

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Exercício de 2010.

Desaprovação pelo julgador originário. Aplicação da pena de suspensão das cotas do Fundo Partidário pelo período de doze meses, bem como o recolhimento de valores, ao mesmo fundo, relativos a recursos recebidos de fonte vedada e de fonte não identificada.

A documentação acostada em grau recursal milita em prejuízo do recorrente, uma vez que comprova o recebimento de valores de autoridade pública e de detentores de cargos em comissão junto ao Executivo Municipal. A maior parte da receita do partido provém de doações de pessoas físicas em condição de autoridade, prática vedada nos termos do artigo 31, incisos II e III, da Lei n. 9.096/95.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral nº 4550, Acórdão de 19.11.2013, Relator Des. Eleitoral JORGE ALBERTO ZUGNO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 216, Data 22.11.2013, Página 2.)

 

A mesma vedação é reproduzida pelo art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, cujas normas disciplinam o aspecto material de análise das contas do exercício financeiro de 2015, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

XII – autoridades públicas;

[…]

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

 

É de se frisar que a regra foi criada com intuito moralizador, na expectativa de que os partidos políticos não vislumbrassem uma contrapartida financeira pela manipulação na ocupação de cargos em comissão da Administração Pública por pretensões de cunho financeiro e a partir de critérios meramente políticos.

Na hipótese concreta, o rol de doadores ocupantes de cargos de chefia ou de direção, de livre nomeação e exoneração, na Administração Pública (Anexo 1), foi obtido a partir da comparação da relação de contribuintes, declarada pela agremiação, com as informações constantes no Sistema Prestcon, alimentado com dados oriundos do Estado do Rio Grande do Sul e dos Municípios, por requisição do Tribunal, e, especificamente, da resposta dada pelo Município de Porto Alegre ao Ofício-Circular n. 01/2016-112ZE/RS, emitido pelo Juízo a quo (fls. 190-191).

Diante disso, na ausência de impugnação da agremiação quanto à natureza dos cargos, acertada a conclusão da magistrada na origem de que os contribuintes discriminados enquadram-se na vedação a que se refere o art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, sendo propícia a transcrição do seguinte excerto da sentença, que adoto como razões de decidir:

Em havendo informação dos órgãos públicos dando pela natureza de autoridade do doador, e ausente impugnação por parte da agremiação, é de ser acolhida a natureza informada pela administração.

Há de se ressaltar que no caso de haver impugnação da natureza de autoridade por parte da agremiação partidária quanto a doador seu, é de se verificar se as provas trazidas aos autos infirmam a informação da administração pública que serviu de base para alimentar o sistema PRESTCOM, ressaltando-se que nos termos do art. 37, V da CF/88, os cargos comissionados e as funções de confiança existentes na administração pública nacional são permitidos apenas para desempenho de três funções, direção, chefia ou assessoramento.

Conforme já definido pelo TRE/RS, função de chefia e direção são autoridades públicas e no rol de fontes vedadas se enquadram, e apenas as eventuais indicações de funções de assessoramento informadas pela administração pública (e efetivamente contestadas pela agremiação com provas aptas a infirmar a presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos),  é que devem ser retiradas do rol de autoridades para fins de verificação do valor recebido de autoridades públicas nestes autos.

No caso em tela, a agremiação não juntou aos autos comprovação da natureza dos cargos apontados como autoridades pela administração pública, requerendo na matéria a aplicação retroativa da Lei 13.035/2017, já afastada preliminarmente, e interpretação jurídica sobre a natureza do conceito de autoridade, supra enfrentado. Razão pela qual descabe analisar-se a alegação defensiva de que as contribuições decorrentes de filiados não se enquadrarem como fonte vedada, por aplicação retroativa da Lei n. 13.035/2017).

 

Dessarte, reconhecida a captação e o uso de recursos oriundos de fonte vedada, no montante de R$ 186.000,00, cerca de 60,64% das receitas auferidas no exercício, escorreito o juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento dos correspondentes valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Cumpre, ainda, afastar a alegação do prestador de contas no sentido de que as contribuições são lícitas porque autorizadas pelo Estatuto do Partido.

O fato de haver imposição estatutária no sentido da doação de ocupantes de cargos em comissão não torna a arrecadação de recursos regular, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Ademais, a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, tendo relevo, no caso concreto, o rol constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.432/14. Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido ou inviabiliza o seu funcionamento, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos por outros meios não proibidos pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

No tocante às demais irregularidades, a agremiação alegou, genericamente, que as falhas foram explicadas e comprovadas.

De fato, a despesa com a locação de espaço do CTG Maurício Sirotski Sobrinho, de R$ 160,00, ainda que ausente nota fiscal, está demonstrada pelo débito com beneficiário identificado no extrato bancário da fl. 187 e pelo recibo da fl. 245, consoante autoriza o art. 18, § 1º, incs. I e III, da Resolução TSE 23.432/14, pelo qual a comprovação do gasto pode ser realizada por qualquer meio idôneo de prova.

No entanto, observa-se que as despesas adimplidas com recursos do Fundo Partidário, de R$ 3.449,76, em combustíveis, óleos e lubrificantes, e de R$ 800,00, com a produção e montagem de feiras, não foram devidamente corroboradas por prova documental, havendo descumprimento dos arts. 17 e 18 da resolução aludida.

Outrossim, constatado o recebimento de R$ 58.000,00 em recursos do Fundo Partidário, não foi possível aferir a aplicação do percentual mínimo de 5% desse total, ou seja, R$ 2.900,00, na criação ou manutenção de programas para promover e difundir a participação política das mulheres, na forma exigida pelo art. 22 da Resolução TSE n. 23.432/14 e art. 44, inc. V, da Lei n. 9.096/95.

Em sua defesa, o prestador argumenta que efetuou despesas com essa destinação específica. Entretanto, não há nos autos nenhum elemento de prova a demonstrar que o órgão partidário tenha adimplido com essa obrigação, em flagrante descompasso com o disposto no art. 22, § 3º, da Resolução TSE n. 23.432/14, pelo qual essa aplicação deve ser comprovada mediante a apresentação de documentos fiscais em que conste expressamente a finalidade legal.

Isso posto, igualmente correta a condenação do partido a destinar, no exercício subsequente ao trânsito em julgado dessa decisão, o percentual de 5% referente ao exercício de 2015, acrescido do percentual de 2,5%, nos termos do art. 44, inc. V e § 5º, da Lei n. 9.096/95, com redação vigente à época dos fatos, além do percentual previsto para o próprio exercício em que cumprida a determinação.

Do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral

O apelo ministerial visa à caracterização dos valores doados por pessoas físicas ocupantes de mandatos eletivos como receitas de fonte vedada.

Todavia, a partir dos julgamentos dos recursos RE n. 14-78 e RE n. 13-93, sessão de 06.12.2017, da relatoria do ilustre Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, este Regional decidiu pela possibilidade de detentores de mandato eletivo efetuarem contribuição a partido político, revendo o antigo posicionamento exarado na Consulta n. 109-98:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de vereador. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo vereador. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.

Provimento.

(TRE/RS, RE 13-93, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 06.12.2017.) (Grifei.)

Com efeito, não há risco de apropriação partidária dos referidos cargos públicos. O exercente de mandato eletivo não é titular de posição pública de livre nomeação e exoneração, uma vez que sua posse ocorre mediante sufrágio popular, por prazo definido, consagrando os princípios democrático e republicano.

A Procuradoria Regional Eleitoral interpôs recurso especial contra o acórdão acima referido e o Tribunal Superior Eleitoral negou seguimento ao apelo sob o fundamento de que o § 1º do inc. IV do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15 “não incluiu os detentores de mandato eletivo na vedação legal à doação para as agremiações partidárias” (RESPE n. 1393, Decisão monocrática de 30.8.2018, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 03.09.2018).

Portanto, seguindo o atual entendimento desta Corte e do TSE, tenho que deve ser mantida a decisão recorrida também quanto à exclusão dos detentores de mandato eletivo do elenco de fontes vedadas.

Da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário

Por sua vez, a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se no sentido de que a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, em razão do manejo de recursos originários de fontes vedadas, deve ocorrer pelo prazo certo de um ano, conforme a dicção literal do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e do art. 46 da Resolução TSE n. 23.432/14.

Em relação à matéria, este Tribunal tem firmado seu entendimento pela incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na dosimetria da sanção, na esteira da jurisprudência consolidada do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 4879, Acórdão de 29.08.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.09.2013, Página 71). (Grifei.)

Na hipótese em tela, verifica-se que o valor total das irregularidades detectadas alcança a soma de R$ 193.149,76 (R$ 186.000,00 + R$ 3.449,76 + R$ 800,00 + R$ 2.900,00), ou 62,9% das receitas obtidas pelo partido. Assim, entendo comportar adequação a pena de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário para 7 meses, prazo que se afigura razoável e proporcional, tendo em conta ainda o porte da agremiação e a natureza das máculas, na esteira dos seguintes precedentes:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO HUMANISTA DA SOLIDARIEDADE (PHS). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. RECEBIMENTO DE RECURSOS SEM IDENTIFICAÇÃO DOS DOADORES ORIGINÁRIOS. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA PERMITINDO A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL E SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO.

1. Ingresso de recursos na conta bancária da agremiação sem a identificação do doador originário, contrariando a Resolução TSE n. 23.432/14, aplicável à espécie por força do art. 65, § 3º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17, a qual exige, em seu art. 7º, que todos os créditos bancários contenham a informação do CPF/CNPJ do contribuinte ou doador, de forma a permitir o reconhecimento da origem das receitas. Omissão que compromete a análise da prestação e não permite identificar o recebimento de eventuais recursos de origem vedada.

2. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos que considerava como recursos de fontes vedadas as contribuições advindas de detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração pública direta ou indireta investidos em função de direção ou chefia, ainda que filiados à grei partidária.

4. Constatadas falhas de natureza grave, atingindo 52,92% do total arrecadado pelo partido, impõe-se a desaprovação das contas e a necessidade de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores indevidamente recebidos, a teor do disposto no art. 14, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

5. Incidência do art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95. Suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário por cinco meses, em atenção aos parâmetros fixados no art. 37, § 3º, da Lei dos Partidos Políticos.

6. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 6375, ACÓRDÃO de 08.05.2018, Relator JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 80, Data 11.05.2018, Página 2.) Grifei.

 

RECURSOS. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. MÉRITO. DOAÇÕES ORIUNDAS DE FONTE VEDADA. ART. 31, INC. V, DA LEI N. 9.096/95. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. INAPLICABILIDADE. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar de nulidade da sentença. Atuação da magistrada dentro dos limites da lide, com a devida adequação dos fatos à norma, não caracterizando a ocorrência de sentença extra petita.

2. Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. A agremiação partidária recebeu valores de autoridades públicas, ocupantes dos cargos de Chefe de Gabinete do Prefeito, Chefe de Departamento, Diretor e Chefe de Administração Distrital, caracterizando o ingresso de recurso de origem proibida por lei. A recente alteração legislativa ocasionada pela publicação da Lei n. 13.488/17, que alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, não é aplicável ao caso concreto. Precedente.

3. Expressividade do montante arrecadado irregularmente, representando 34,22% da totalidade de recursos movimentados pelo partido, ensejando a manutenção do juízo de desaprovação das contas e do comando de recolhimento ao Tesouro Nacional. Reduzido, entretanto, o período de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário para quatro meses.

4. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 21625, ACÓRDÃO de 21.02.2018, Relator DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 23.02.2018, Página 3.) (Grifei.)

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e pelo parcial provimento do apelo do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de PORTO ALEGRE, apenas para reduzir o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 07 meses, nos termos da fundamentação.