RE - 1741 - Sessão: 17/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de dois recursos contra a sentença (fls. 294-303v.) que desaprovou as contas do PARTIDO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (PMDB) de PORTO ALEGRE, relativas ao exercício do ano de 2015. A decisão identificou impropriedades e irregularidades e entendeu pela desaprovação, principalmente, (1) em decorrência de manejo de valores fora da conta bancária específica e (2) em virtude do percebimento de recursos oriundos de fontes vedadas. Foi determinado o recolhimento do valor de R$ 351.503,21, além da suspensão do repasse de valores do Fundo Partidário pelo prazo de 10 (dez) meses, bem como a determinação de gasto adicional de 2,5% (dois vírgula cinco por cento), por desobediência à aplicação de recursos em programas de participação política das mulheres.

O primeiro recurso juntado aos autos é o da agremiação (fls. 306-323). O PMDB de PORTO ALEGRE suscita preliminar de suspensão do processo e, no mérito, realiza digressão histórica e doutrinária acerca dos conceitos de verdade formal e verdade material. Na sequência, sustenta que algumas ocorrências são impropriedades, e não irregularidades. Aduz ter-se equivocado a sentença, ao entender como autoridades os doadores, pois a melhor conceituação seria a de “agentes públicos”, na medida em que “os mesmos têm apenas a responsabilidade de executar as ordens de Autoridades Públicas”. Ainda, indica que, “por mais que se pretenda criminalizar a atividade político partidária, não se pode deixar de aplicar a tese da norma mais benéfica”, qual seja, o emprego da Lei n. 13.488/17 à demanda. Assinala a inexistência de má-fé na prestação das contas, não havendo que se falar em gravidade da conduta. Requer o provimento do recurso, para a aprovação com ressalvas das contas, e a exclusão de um dos procuradores da lide.

Por seu turno, o Parquet (fls. 327-330) alega que inclusive os ocupantes de cargos eletivos devem figurar no rol de fontes vedadas, por efeito da abrangência do termo “autoridade”, constante no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Indica que o TSE enfrentou a questão, concluindo que mandatários não podem doar valores a agremiações partidárias. Requer o provimento do apelo, reformando-se a sentença para agregar o valor de R$ 9.884,42, para recolhimento ao Tesouro Nacional, àquela quantia já determinada na sentença.

Vieram contrarrazões do PMDB de PORTO ALEGRE (fls. 336-338).

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso do partido e pelo provimento do apelo do Ministério Público Eleitoral (fls. 343-358v.).

É o relatório.

VOTO

Ambos os recursos são tempestivos.

Houve a publicação da decisão no DEJERS em 05.4.2018, quinta-feira, fl. 304, e, em 9.4.2018, segunda-feira, foi interposto o recurso do PMDB de PORTO ALEGRE, conforme fl. 306.

Por seu turno, o Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 11.4.2018, fl. 325, e apresentou o recurso em 13.4.2018, fl. 327.

Presentes os demais pressupostos, ambos merecem conhecimento.

Ainda, esclareço que os recursos não coincidem sobre os pontos de irresignação, motivo pelo qual serão analisados em separado.

1. Recurso do PMDB DE PORTO ALEGRE

Preliminar. Suspensão do processo. ADI n. 5.494

O PMDB de PORTO ALEGRE suscita preliminar. Entende que a pendência de julgamento da ADI n. 5.494, perante o Supremo Tribunal Federal, traz a necessidade de suspensão de julgamento desta demanda, ao argumento central de que “a indicação da análise de mérito desta ação será desproporcional, ilógica e carente de razoabilidade, eis que estar-se-ia cometendo uma análise jurídica equivocada em sentido estrito, se mantido o decisum de primeiro grau”.(fl. 307).

A análise da prefacial está prejudicada.

Em 13.6.2018, o Ministro Relator da ADI n. 5.494, Luiz Fux, declarou extinta a ação sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, VI, do CPC e art. 21, IX, do RISTF. A decisão foi publicada no DJE de 15.6.2018 e tem a seguinte ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ELEITORAL. ARTIGO 31, II, DA LEI FEDERAL 9.096/1995. VEDAÇÃO AOS PARTIDOS POLÍTICOS DE RECEBEREM CONTRIBUIÇÃO OU AUXÍLIO PECUNIÁRIO DE “AUTORIDADES”. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 5º, CAPUT E II; 17, § 1º; 19, III; E 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALTERAÇÃO DA NORMA IMPUGNADA PELA LEI FEDERAL 13.488/2017. EXCLUSÃO DE EXPRESSÃO “AUTORIDADES”. PERDA DO OBJETO DA AÇÃO E CONSECTÁRIA PREJUDICIALIDADE. PROCESSO EXTINTO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.

Julgo, portanto, prejudicada a análise da preliminar.

Ao mérito.

De início, há a questão da aplicabilidade do novel inciso V ao art. 31 da Lei n. 9.096/95, na redação trazida pela Lei n. 13.488/17, a qual passou a admitir doações de ocupantes de cargos públicos filiados a partido político. A controvérsia que surge é a seguinte: seria possível aplicar essa disposição a doações ocorridas antes da vigência da lei?

Penso que não, sob pena de malferimento do ato jurídico perfeito, da segurança jurídica e da isonomia processual.

Aliás, esta Corte e o TSE já se posicionaram no sentido de que o tempo rege o ato e, tratando-se de norma benéfica, a retroatividade é ínsita aos feitos de natureza criminal. Também foi assim quando o TSE examinou a questão das doações realizadas por pessoas jurídicas, após a revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97.

Dessarte, a orientação consentânea com os princípios processuais constitucionais e com o ato jurídico perfeito é aquela que aplica a nova disposição do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 apenas às doações realizadas a partir da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017, independentemente do caráter benéfico da posterior legislação:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses.

6. Provimento parcial.

(RE 14-97, Rel. Dr. Luciano Losekann, julgado em 4.12.2017.)

A partir do paradigma, seguiram outros julgados, a exemplo do RE 42-39:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos.

Na espécie, evidenciado o recebimento de recursos provenientes de Secretário de Planejamento e de Secretário de Finanças da Prefeitura. Cargos que, por deterem a condição de liderança, de chefia e direção, se enquadram no conceito de autoridade, sendo ilegítimas as contribuições. Irregularidade que atinge 53,48% das receitas do partido. Mantida, assim, a desaprovação das contas e o recolhimento do valor indevido ao Tesouro Nacional. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para cinco meses.

Provimento parcial.

(RE 42-39, Rel. Des. Jorge Luís Dall'Agnol, julgado em 19.12.2017.)

No que concerne às falhas caracterizarem-se como impropriedades, e não irregularidades, fixo que os denominados “recebimentos equivocados” na conta outros recursos - R$ 23.000,00 e R$ 10.000,00, respectivamente, consubstanciam irregularidades.

Não podem ser entendidas por meras impropriedades por um motivo simples: ambos os equívocos dificultam, e muito, a clareza e a transparência da prestação das contas. A aposição de valores em rubrica diferente daquela em que, na realidade, ocorreu, atenta contra a “verdade real”, aliás tantas vezes vindicada pelo próprio recorrente. Dito de outro modo, os registros não condizentes com a realidade “mascararam” os dados contábeis, não se tratando de mero erro formal, e alcançaram o total de R$ 33.000,00 em um valor total de gastos de R$ 437,486,52 – ou seja, cerca de 7,5% (sete vírgula cinco por cento) apenas nesta irregularidade.

Nessa linha, pagamento a uma advogada, R$ 23.000,00, e gastos com pessoal, R$ 10.000,00, receberam o mesmo tratamento errôneo, não sendo possível acolher o argumento de que se trata de meras impropriedades.

Impecável a sentença, no ponto, sendo mantida pelos próprios fundamentos.

No que diz respeito às doações provenientes de detentor de cargo em comissão que desempenha função de chefia ou de direção, saliento que tais verbas são consideradas fonte vedada por força do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme a disciplina legal vigente ao tempo das doações.

Aqui, chega-se à análise da natureza dos cargos compreendidos como “autoridades”, cujo rol se encontra no volume “Anexo I” dos autos. A alegação do PMDB de PORTO ALEGRE centra-se na tese de que a melhor denominação àqueles cargos seria “agentes públicos”.

Não procede.

O cerne da discussão é, em termos gerais, o alcance do termo “autoridade”, elemento semântico presente na norma de regência, o art. 31, caput e inc. II, da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Vale esboçar uma breve linha histórica.

A partir da redação legal, houve debates acerca do alcance do termo, e diversos métodos foram defendidos para que fosse apontado do que se trata a “autoridade” referida na lei – por exemplo, defendeu-se a vinculação estrita à denominação do cargo ou, ainda, houve quem indicasse a necessidade de análise de existência de poder de decisão inerente às atribuições daquela posição na máquina burocrática estatal.

Em 2007, no julgamento da Consulta n. 1428 (Resolução TSE n. 22.585/07), a Corte Superior assentou a interpretação ao art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95. A consulta era a seguinte: “É permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, dos Estados e Municípios?”

E o TSE entendeu inviável a doação:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22.585 de 6.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CEZAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, p. 172.)

A partir daí, tribunais eleitorais de todo o país, inclusive este TRE gaúcho, passaram a julgar as contas partidárias com observância à vedação de contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração, com poder de autoridade:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Exercício de 2010.

Desaprovação pelo julgador originário. Aplicação da pena de suspensão das quotas do Fundo Partidário pelo período de doze meses, bem como o recolhimento de valores, ao mesmo fundo, relativos a recursos recebidos de fonte vedada e de fonte não identificada.

A documentação acostada em grau recursal milita em prejuízo do recorrente, uma vez que comprova o recebimento de valores de autoridade pública e de detentores de cargos em comissão junto ao Executivo Municipal. A maior parte da receita do partido provém de doações de pessoas físicas em condição de autoridade, prática vedada nos termos do art. 31, inc. II e III, da Lei n. 9.096/95. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 4550, Acórdão de 19.11.2013, Relator DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 216, Data 22.11.2013, p. 2.)

Ora, a vedação visa impedir a influência econômica nos órgãos públicos e, ainda, evitar possíveis manipulações da máquina pública em benefício de campanhas, conforme a doutrina (AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de Direito Eleitoral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 317).

Nesta Corte, resta assentado que configuram recursos de fonte vedada “as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia”, como decidido, por exemplo, no RE n. 60-88.2015.6.21.0022, Relatora a Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, julgado em 30.8.2016, por unanimidade.

A tese do “agente público”, trazida pelo recorrente, não procede, portanto, exatamente porque remeteria a condição de autoridade à outra discussão, qual seja, afinal de contas, "do que se trata 'executar ordens'”, quando tal execução envolve algum poder de mando, por exemplo.

Aqui, percebe-se, as contas foram desaprovadas em razão da arrecadação de recursos no total de R$ 351.503,21 oriundos de fonte vedada, pois provenientes de detentores de cargos demissíveis ad nutum com atribuição de chefia e direção, no alto percentual de 80,4% (oitenta vírgula quatro por cento).

Na linha da jurisprudência deste Tribunal Regional, colaciono:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012.

Exclusão dos dirigentes partidários do feito ao entendimento de que os responsáveis pelas contas do partido devem atuar como partes apenas nos processos relativos ao exercício financeiro de 2015 e posteriores, em conformidade com o disposto no “caput” do art. 67 da Resolução TSE n. 23.432/14.

Caracterizado o ingresso de recurso de fonte vedada, em face do recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis "ad nutum", da administração direta e indireta, que detém a condição de autoridade, em contrariedade ao art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Determinação de transferência do montante recebido de fonte vedada ao Fundo partidário.

Recebimento de recursos do Fundo Partidário durante o período em que a distribuição de quotas se encontrava suspensa por decisão judicial transitada em julgado. Determinação de restituição do valor ao Erário.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que deram nova redação ao art. 37 da Lei 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas contas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes de sua vigência. Incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para o cálculo do período de suspensão, estabelecido em quatro meses. Desaprovação.

(RE n. 74-12.2013.6.21.0000, Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz. Unânime, julgado em 17.12.2015.)

O recorrente, repito, limitou-se a sustentar que os cargos estariam melhor denominados como “agentes públicos”, pois os mesmos “tem apenas a responsabilidade de executar as ordens de Autoridades Públicas” (sic).

Ora, a lista de cargos de direção e chefia foi extraída do sistema PRESTCON e alimentada a partir de resposta da Prefeitura e da Câmara de Vereadores de Porto Alegre a ofícios encaminhados pelo juízo de primeiro grau, nos quais solicita lista de pessoas “que exerçam cargos de chefia ou direção” durante o ano de 2015.

Desse modo, as fontes são órgãos públicos, de maneira que se presume a veracidade das informações que subsidiariam a análise técnica, cabendo ao recorrente demonstrar o equívoco na composição da lista, ônus do qual não se desincumbiu.

O recurso, portanto, igualmente não merece guarida neste ponto.

Finalmente, saliento que elementos como “gravidade” ou “má-fé” não compõem a estrutura das irregularidades detectadas, de modo que sequer foram analisadas para que se chegasse à conclusão de desaprovação das contas.

O recurso do PMDB de PORTO ALEGRE não merece provimento.

2 – Do recurso do Ministério Público Eleitoral

O Ministério Público Eleitoral recorre da sentença que desaprovou as contas de exercício, ano 2015, do PMDB de Porto Alegre. Em resumo, entende irregulares, pois oriundas de fontes vedadas, doações realizadas por ocupantes de cargo eletivo, no valor de R$ 9.884,42.

Aduz que a viragem jurisprudencial, trazida pelo RE n. 13-93, não se alinha ao entendimento pacificado do TSE, de forma que os detentores de cargo eletivo devem ser compreendidos como “autoridades”, com vistas à aplicação do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

A tais razões, alinha-se o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

Com efeito, as alegações do Parquet estão em consonância com a posição adotada por este Tribunal durante cerca de dois anos, mormente a partir da Consulta n. 109-98, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, julgada no dia 23.9.2015, na qual se entendeu que a proibição prevista no art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos alcançava também os detentores de mandatos eletivos.

Todavia, e como bem apontado na sentença, em recente julgado (6.12.2017) de relatoria do Des. João Batista Pinto Silveira, o TRE-RS reviu o entendimento, para se posicionar no sentido de que o agente político, gênero do qual o detentor de mandato eletivo é espécie, não está incluído no conceito de autoridade para a questão sob comento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de prefeito. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo prefeito. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.

Provimento.

(TRE/RS, RE 14-78, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 06.12.2017.) (Grifei.)

O âmago do raciocínio é claro: o Tribunal entendeu que o fundamento para vedar a doação de detentores de cargos de direção e chefia, qual seja, a necessidade de evitar o loteamento de funções públicas para alimentar os cofres partidários, não está presente quando se trata de ocupantes de mandatos eletivos.

E o motivo, muito bem identificado pelo relator, tem caráter constitucional: os mandatários são levados ao cargo pela vontade popular, sendo impossível, portanto, argumentar-se que interesses unicamente partidários os fizeram ocupar a posição. Ao contrário: princípios democráticos e republicanos, sob o manto das eleições, são os vetores principais da condução ao munus, inegavelmente público.

Nessa linha de raciocínio, considerar tais doadores como autoridade pública significaria atribuir interpretação demasiado ampliativa a uma norma restritiva de direitos, o que não se coaduna com a ordem constitucional posta.

Ora, o mandatário de cargo eletivo não é “nomeado”; ele é eleito com suporte na soberania popular (art. 1º, parágrafo único, c/c art. 14, caput, da CF), e a respectiva ligação com partido político é condição de elegibilidade constitucionalmente plasmada (art. 14, § 3º, inc. V, da CF), de molde que a modificação de entendimento se trata de legítima evolução.

Ademais, e considerando os argumentos do d. Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, note-se que a própria extinção, sem resolução de mérito, da ADI n. 5.494, já citada, demonstra que inexiste posição consolidada sobre a matéria. Desse modo, não há de se falar em expectativa de continuidade das decisões em um ou outro sentido, mormente em um sistema jurídico que não valora precedentes judiciais e atos normativos da mesma forma.

Lembro, ainda, que a modulação dos efeitos da alteração da jurisprudência é possibilidade que o art. 927, § 3º, do CPC confere ao Supremo Tribunal Federal e aos tribunais superiores, nos casos de jurisprudência dominante ou julgamento de casos repetitivos.

Note-se, em tais espécies de precedentes – jurisprudência dominante e casos repetitivos – a modulação é uma faculdade. Portanto, a providência não é exigível em decisões de tribunais regionais que representem viragens jurisprudenciais sobre temas não pacificados nas instâncias especiais. Mesmo o STF, ao analisar o RE 637.485, Relator o Min. GILMAR MENDES, quando recomendou a aplicação do princípio da anterioridade eleitoral em relação às mudanças jurisprudenciais, o fez em relação às decisões do TSE incidentes sobre determinada eleição, e não de forma irrestrita.

O recurso do Ministério Público Eleitoral não merece provimento.

A sentença não merece reforma, portanto.

Finalmente, exclua-se o advogado Milton Cava Corrêa da posição de procurador do PMDB de PORTO ALEGRE na demanda, restando o advogado Mateus Viegas Schönhofen como patrono da agremiação, conforme requerido à fl. 323.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento de ambos os recursos, para manter a sentença por seus próprios fundamentos.