RE - 8075 - Sessão: 16/08/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por SÉRGIO LEANDRO FERRARI contra decisão do juízo da 33ª Zona Eleitoral que julgou procedente a representação por doação acima do limite legal e condenou o recorrente ao pagamento de multa eleitoral no valor equivalente a 5 vezes o excesso (5 x R$ 2.745,69), totalizando 13.728,45, corrigida monetariamente pelo IGP-M, desde a data do efetivo desembolso (fls. 49-54).

Em suas razões, sustenta preliminarmente a ocorrência de decadência para ajuizamento da representação. No mérito, aduz que o valor doado à campanha é proporcional ao patrimônio do doador, e que este foi constituído ao longo dos anos. Argumenta que não houve ato de má-fé ou intuito de burla à legislação, que os valores que teriam superado o limite não são expressivos, de modo a comportar a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Defende que, caso não afastada a imposição da multa, o valor desta deve observar as disposições vigentes na data da sentença, ou ter seu valor reduzido ao patamar máximo de R$ 1.500,00. Postula, ao final, a improcedência da representação (fls. 58-63).

Em contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 67-68v.).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 77-81).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Tempestividade

A procuradora do recorrente foi intimada da sentença em 17.4.2018 (fl. 56), tendo sido interposto o recurso no dia 18.4.2018 (fls. 58), dentro do tríduo legal.

Por conseguinte, interposto o recurso no prazo legal, dele conheço.

2. Preliminar de decadência da ação

O recorrente sustenta a decadência do direito de representação, pois o Ministério Público Eleitoral teria oferecido a representação após o prazo de 180 dias previsto no art. 32 da Lei n. 9.504/97, a seguir transcrito:

Art. 32. Até cento e oitenta dias após a diplomação, os candidatos ou partidos conservarão a documentação concernente a suas contas.

Contudo, a preliminar carece de fundamento.

O procedimento referente à apuração de irregularidades relativas a doações de campanha acima dos limites trazidos pela lei eleitoral, para o pleito de 2016, foi contemplado na Resolução TSE n. 23.463/15. Vejamos:

Art. 21. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição. (Lei n° 9.504/1997, art. 23, §1°)

(...)

§ 3º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso, sem prejuízo de responder o candidato por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(...)

III - a Secretaria da Receita Federal do Brasil fará o cruzamento dos valores doados com os rendimentos da pessoa física e, apurando indício de excesso, comunicará o fato, até 30 de julho de 2017, ao Ministério Público Eleitoral, que poderá, até 31 de dezembro de 2017, apresentar representação com vistas à aplicação da penalidade prevista no § 2º e de outras sanções que julgar cabíveis (Lei n. 9.504/97, art. 24-C, § 3º)(Grifei.)

Como se percebe, o inc. III do § 4º do art. 21 da resolução acima transcrita estabeleceu que o Ministério Público Eleitoral poderá apresentar representação com vistas a apurar a ocorrência de doação acima do limite legal até 31 de dezembro de 2017.

Na hipótese, considerando que a doação foi efetuada em favor de candidato nas Eleições 2016 e que a presente ação foi distribuída em 24.11.2017 (fl. 02), não há como acatar a tese de decadência do direito de ação, de forma que a preliminar deve ser afastada.

3. Mérito

Cumpre, de início, tecer outras considerações acerca das alterações legislativas pertinentes às doações realizadas em valor acima do permitido.

O art. 23, caput, da Lei n. 9.504/97, permite doações em dinheiro e estimáveis em dinheiro por pessoas físicas para campanhas eleitorais. Já o seu § 1º estabelece que as doações e contribuições ficam limitadas a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

A redação original do § 3º do citado art. 23, em vigor à época dos fatos e reproduzida na Resolução TSE n. 23.463/15, dispunha que, em caso de doação acima do limite fixado, sujeitar-se-ia o infrator à multa de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

Entrementes, em 6 de outubro de 2017, foi publicada a Lei n. 13.488, que modificou a redação do § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/97, estabelecendo que o doador que realizar doação acima do limite fica sujeito ao pagamento de multa no valor de até cem por cento da quantia em excesso.

Verifica-se, assim, que, ao passo que a lei anterior previa punição consistente em multa de cinco a dez vezes o valor excedente, a lei nova passou a punir a mesma infração com sanção mais branda, de até uma vez o valor em excesso.

Nessa ordem, surge questão de direito intertemporal, no sentido de se verificar se a nova lei teria aplicação retroativa para alcançar as doações realizadas sob a vigência da lei anterior.

No plano doutrinário, Carlos Maximiliano (Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis, 2ª ed. 1955. p. 28) refere que "Os preceitos sob cujo império se concretizou um ato ou fato estendem o seu domínio sobre as consequências respectivas; a lei nova não atinge consequências que, segundo a anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, ou melhor, que se unem à sua causa como um corolário necessário e direto".

Portanto, em virtude de a doação ter se dado ao tempo em que a relação jurídica estava sob o império não da lei modificadora, mas da lei modificada, deve esta ser aplicada ao caso vertente, em face dos princípios da segurança jurídica e do tempus regit actum.

Não aplicável, nesse passo, a redação dada pela Lei n. 13.488/17, que entrou em vigor após a realização da doação irregular, e sim a redação original do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, vigente no momento da prática do ato conspurcado.

Registro que tal entendimento restou albergado por esta Corte, no julgamento – por maioria, vencido em parte o relator – do Processo RE n. 2115, cuja ementa transcrevo:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ELEIÇÕES 2014. PRELIMINAR AFASTADA. NÃO CARACTERIZADA A INÉPCIA DA INICIAL. MÉRITO. CONFIGURADO O EXCESSO NO VALOR DOADO. CONTROVÉRSIA SOBRE A SANÇÃO APLICÁVEL. ALTERAÇÃO DA PENALIDADE PELA LEI N. 13.488/17. IRRETROATIVIDADE. PRINCÍPIO "TEMPUS REGIT ACTUM". ADEQUADA A MULTA APLICADA NA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. Inicial em regular condição de ser analisada. Dados supostamente omitidos estão referenciados nos documentos que instruem a peça. A falta da precisa descrição do valor excedido apenas pode ser suprida durante a instrução probatória, não havendo mácula na inicial. Inépcia da petição não caracterizada.

2. Mérito. A doação realizada por pessoa física restringe-se a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, nos termos do art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Caracterizada a infringência ao parâmetro legal.

3. Penalidade. Controvérsia sobre a sanção adequada. Inaplicabilidade da Lei n. 13.488/17 aos processos de exercícios anteriores a sua vigência, em prestígio à lei vigente à época dos fatos e ao princípio da segurança jurídica. Irretroatividade. Aplicação do princípio "tempus regit actum". Mantida a condenação imposta na sentença, de acordo com a penalidade prevista na época dos fatos.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE n. 2115, Relator: Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 18.12.2017, publicado no DEJERS - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do RS, n. 8, de 22.01.2018, p. 10.) (Grifei.)

 

No mesmo rumo, decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, em recente julgado:

 

ELEIÇÕES 2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. MULTA. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. OBSCURIDADE. ERRO MATERIAL. INEXISTÊNCIA. NOVA REDAÇÃO DO ART. 23, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SANÇÃO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. ATO JURÍDICO PERFEITO. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. APLICAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO.

1. Segundo a novel redação do art. 275 do Código Eleitoral (CE), dada pelo art. 1.067 da Lei nº 13.105, de 2015, são admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil (CPC), o qual, por sua vez, no art. 1.022, prevê o cabimento do recurso para: I esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III corrigir erro material.

2. Na linha da jurisprudência desta Corte, é "inadmissível, em embargos de declaração, a inovação na tese recursal" (ED-REspe nº 2351-86/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 18.8.2016).

3. Em caso análogo, esta Corte decidiu que "é impróprio afirmar a incidência do princípio da retroatividade da lei benéfica em favor da doadora, seja por não se tratar na espécie de sanção penal, seja porque a retroatividade da norma não penal pressupõe a existência de regra expressa que a determina" (AgR-REspe nº 32-80/SP, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 17.11.2016).

4. A Lei nº 13.488/2017, que alterou o montante da multa devida pela pessoa física que efetua doação à campanha de valor superior ao limite legal (art. 23, § 3º, da Lei nº 9.504/97), não retroage para alcançar o momento em que a irregularidade foi praticada, posto tratar-se de ato jurídico perfeito que, como tal, é regido pela norma vigente ao seu tempo (tempus regit actum).

5. Sobressai, in casu, o intuito manifestamente protelatório dos embargos, porquanto as alegações veiculadas pelo embargante consistem na mera inovação de teses recursais, pretensão claramente incabível nesta via recursal. Nesse cenário, impõe-se a aplicação da multa prevista no art. 275, § 6º, do CE, medida que, longe de restringir o exercício regular do direito de ação garantido pela Constituição Federal, visa preservar o postulado da duração razoável do processo, que tem especial relevo na esfera eleitoral (art. 5º, LXXVIII, da CF e art. 97-A da Lei nº 9.504/97), bem como conduzir à observância do disposto no art. 6º do CPC, que impõe a todos os sujeitos do processo o dever de cooperação para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

6. Embargos de declaração não conhecidos e declarados manifestamente protelatórios, com imposição de multa fixada em valor equivalente a 1 (um) salário-mínimo.

(TSE – ED-AgR-Al n. 32-03.2015.6.1 9.0079/RJ, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 27.3.2018, publicado no DJE, tomo 71, de 11.4.2018, p. 38.) (Grifei.)

 

Por isso, na situação dos autos, tendo em vista que ao tempo da doação estava vigente a redação originária do § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/97, a qual estabelecia a sanção pecuniária de cinco a dez vezes o valor doado em excesso, deve essa ser aplicada.

No mesmo trilhar, a norma é de aplicação objetiva, de forma que a incidência da sanção se dá quando ultrapassado o limite para a doação, independentemente se realizada ou não de boa-fé.

Ressalte-se que o parâmetro para verificação do excesso é o percentual incidente sobre os rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição, de forma que a argumentação tecida sobre a acumulação de patrimônio por parte do doador ao longo dos anos não é apta a afastar a incidência da norma.

No sentido da aplicação impositiva da multa, destaco o julgamento realizado pelo TSE nos autos do Recurso Especial Eleitoral n. 24826 (Relator Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 24.02.2012, Página 42).

Aquela Corte também fixou que a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade deve ser levada em consideração para determinar a multa entre os limites mínimo e máximo estabelecidos em lei, nunca para afastar a sanção ou fixá-la fora de tais parâmetros, o que impossibilita a redução de valores postulada no recurso (Agravo de Instrumento n. 173726, Relator Min. José Antônio Dias Toffoli, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 108, Data 11.06.2013, Página 66-67).

Consequentemente, correta a decisão de primeiro grau que fixou multa em seu grau mínimo ao representado, ou seja, cinco vezes a quantia doada em excesso.

Por fim, em relação à penalidade de multa aplicada em face de doação acima do limite legal, a atualização monetária deve incidir apenas se não quitada no prazo de 30 dias do trânsito em julgado da decisão que a instituiu, a teor do disposto no art. 367 do Código Eleitoral. Colaciono precedente:

 

Recurso. Doação acima do limite legal. Pessoa Física. Procedência da representação no juízo originário, com aplicação de sanção pecuniária. Preliminares de inépcia da inicial e de nulidades do processo e da sentença afastadas. Ajuizamento tempestivo da ação, haja vista incidir a regra do art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil para determinação do lapso temporal aplicável ao caso concreto. Ausente a declaração relativamente ao ano anterior, considera-se como rendimento o limite de isenção do imposto de renda para o respectivo ano-calendário. Inviável o reconhecimento do princípio da insignificância quanto ao valor impugnado. O comando disposto na norma do art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97 é de aplicação objetiva, sendo irrelevante o exame da potencialidade da conduta em afetar a igualdade dos concorrentes ao pleito ou a eventual boa-fé do doador. Ultrapassado o limite estabelecido, há incidência da sanção correspondente. Afastada, outrossim, a determinação de atualização monetária e juros moratórios, haja vista a existência de previsão legal específica para sua incidência. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 2025 RS, Relator: DR. HAMILTON LANGARO DIPP, Data de Julgamento: 09/10/2012) (Grifei.)

 

Conforme inc. III do referido dispositivo legal, a multa eleitoral não quitada será considerada dívida líquida e certa para efeito de cobrança mediante executivo fiscal, de forma que a correção monetária e os juros incidirão sobre o valor não quitado de acordo com a legislação pertinente à cobrança de dívida ativa da União.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, mantendo a condenação de multa no valor de R$ 13.728,45 e afastando a fixação de correção monetária determinada na sentença.

É como voto, senhor Presidente.