E.Dcl. - 3804 - Sessão: 20/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL opôs embargos declaratórios (fls. 115-130) em face do acórdão (fls. 104-110v.) que, nos autos de Prestação de Contas Anual, relativas ao exercício financeiro de 2016, deu parcial provimento ao recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) do Município de Bento Gonçalves, CARLOS JOSÉ PERIZZOLO e ENIO DE PARIS, para reduzir o período de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário de 01 (um) ano para 03 (três) meses – mantendo a sentença de desaprovação e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Em suas razões, o órgão ministerial alegou a existência de omissões e contradições no julgado. Requereu o acolhimento dos embargos, com efeitos infringentes, para que seja anulada a sentença e, subsidiariamente, seja aplicada de ofício a multa de até 20% (vinte por cento) da importância apontada como irregular e mantida a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de 01 (um) ano.

É o relatório.

 

VOTO

Os embargos declaratórios são tempestivos (fls. 112 e 115) e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deles conheço.

Inicialmente, consigno que os aclaratórios servem para afastar obscuridade, contradição ou omissão, assim como sanar erro material que emerge do acórdão, nos termos do art. 275, caput, do Código Eleitoral c/c o art. 1.022 do Código de Processo Civil (CPC).

Em suas razões, o embargante aduziu contradição e omissão em virtude (a) da ausência de análise dos fundamentos suscitados na preliminar de nulidade da sentença deduzida, (b) da inobservância dos princípios da igualdade e da segurança jurídica, bem como (c) da infringência ao disposto no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e no art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Afirmou que a fundamentação desta Corte encontra-se dissociada do efetivamente requerido na preliminar de nulidade da sentença e que não teriam sido enfrentados os argumentos arguidos (fls. 116v.-122). Alegou que os princípios da igualdade e da segurança jurídica não foram observados, em razão deste Tribunal ter reconhecido a nulidade da sentença em casos análogos, a fim de ser aplicada a sanção correspondente nas hipóteses em que a decisão recorrida restou omissa (fls. 122-127v.).

Asseverou, por fim, que não foram observados o art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e o art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15, os quais dispõem sobre a penalidade de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 01 (um) ano (fls. 127v.-129).

Como se infere da argumentação recursal, a pretensão do embargante traduz, em verdade, divergência quanto ao entendimento adotado pelos julgadores e ao resultado do julgamento.

O acórdão combatido apresentou fundamentação com as razões suficientes da formação do convencimento do Pleno deste Tribunal, em franco detrimento dos pontos ora indicados como omissos e contraditórios e em conformidade com a normativa do art. 371 do CPC, consoante se infere da passagem abaixo transcrita (fls. 104-110):

(...)

Da nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, a fim de que os autos retornem à origem, para que seja aplicada a multa de até 20%, prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95 (redação dada pela Lei n. 13.165/15) c/c art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Tal penalidade, introduzida pela reforma eleitoral de 2015, deve ser aplicada nas prestações de contas referentes ao exercício financeiro de 2016, conforme definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

"SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2009. DESAPROVADA PARCIALMENTE. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS.

1. QUESTÃO DE ORDEM. As alterações promovidas no caput do art. 37 da Lei nº 9096/1995, reproduzidas no art. 49 da Res.-TSE nº 23.464/2015, são regras de direito material e, portanto, aplicam-se às prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e seguintes. Entendimento contrário permitiria que contas das agremiações partidárias relativas a um mesmo exercício financeiro fossem analisadas com base em regras materiais diversas, o que não se pode admitir. É preciso conferir tratamento isonômico a todos os partidos políticos, sem alterar as regras aplicáveis a exercícios financeiros já encerrados, em razão do princípio da segurança jurídica. O Plenário do TSE, analisando a questão relativa à alteração legislativa promovida pela mesma lei ora em análise na Lei das Eleições quanto ao registro do doador originário nas doações, assentou que "a regra constante da parte final do § 12 do art. 28 da Lei nº 9.504/97, com a redação conferida pela Lei nº 13.165/2015, não pode ser aplicada, [...] seja porque a lei, em regra, tem eficácia prospectiva, não alcançando fatos já consumados e praticados sob a égide da lei pretérita" (ED-REspe nº 2481-87/GO, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 1º.12.2015). A modalidade de sanção em decorrência da desaprovação de contas prevista na nova redação do caput do art. 37 da Lei nº 9.096/1995, conferida pela Lei nº 13.165/2015, somente deve ser aplicada às prestações de contas relativas ao exercício de 2016 e seguintes.

[...]

5. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, PC n. 96183, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 54, Data 18.3.2016.)"

É o caso dos autos, em que se examina a prestação de contas partidárias do exercício financeiro de 2016. Contudo, o pedido do Parquet não pode ser acolhido, vez que a magistrada consignou expressamente, na sentença, a aplicabilidade da Resolução TSE n. 23.464/15, diploma normativo editado sob a égide das alterações legais veiculadas pela Lei n. 13.165/15.

Destarte, não é cabível a concepção de que houve equívoco quanto ao regime jurídico aplicável no julgamento do caso concreto. O que ocorreu foi uma omissão no tocante à aplicação do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15, o qual reproduz o teor do contido no art. 37 da Lei n. 9.096/95, com a redação conferida pela Lei n. 13.165/15, relativo à multa de até 20% da importância apontada como irregular.

Este colegiado já teve oportunidade de manifestar-se sobre a matéria, em caso análogo de lavra do Dr. Luciano André Losekann, no qual foi afastada a preliminar de nulidade em razão de ter sido aplicado o regime jurídico adequado (RE n. 16-66, julgado na sessão de 14.3.2018):

"RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. REJEITADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. MÉRITO. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SEM O TRÂNSITO PELA CONTA BANCÁRIA. FALHA GRAVE. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Consignada expressamente na decisão a aplicação da Resolução TSE n. 23.464/15, diploma normativo editado sob a égide das alterações legais veiculadas pela Lei n. 13.165/15. Inexistência de equívoco quanto ao regime jurídico aplicável no julgamento do caso concreto. Verificada, no entanto, omissão no tocante à aplicação do art. 49 da citada resolução, com referência à multa de 20% da importância assumida como irregular. Tratando-se de recurso interposto unicamente pelo prestador, incabível a análise do ponto sem o aviamento de apelo do Ministério Público. Preclusão.

2. Mérito. Recebimento de receitas em dinheiro e realização de despesas sem o trânsito dos valores pela conta bancária. Falha grave que inviabiliza o controle e a atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral, comprometendo a transparência e a confiabilidade das contas.

3. Provimento negado."

(Grifei.)

Por essas circunstâncias, afasto a preliminar de nulidade da sentença suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral.

(…)

Mérito

Desse modo, como, no caso concreto, as doações foram todas realizadas em período anterior à edição da Lei n. 13.488/17, restou caracterizado o recebimento de recursos de fontes vedadas pela agremiação. Outrossim, o montante envolvido e o percentual expressivo da irregularidade, correspondente a 46% do total arrecadado de R$ 18.469,26 (fls. 73-74), ensejam a reprovação das contas, bem como, inequivocamente, o dever de transferência da quantia envolvida ao Tesouro Nacional (art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15).

A irregularidade apontada suscitou, ainda, a aplicação na sentença da penalidade de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano, ante a previsão do art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15 c/c art. 36, II, da Lei n. 9.096/95.

Este Tribunal já se pronunciou sobre a matéria, nesse mesmo sentido, ao julgar o RE n. 46-42 da relatoria do Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, em 18.12.2017, assim: “a penalidade de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário por um ano está de acordo com a expressa determinação prevista no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, considerando tratar-se de irregularidade insanável que compromete de forma grave as contas do exercício”.

TODAVIA, considerando o reiterado entendimento do TSE em casos tais (v.g.: AI n. 6176, Rel. Min. ADMAR GONZAGA, DJE de 01.12.2017 - REspe n. 26298, Rel. Min. ADMAR GONZAGA, DJE de 22.9.2017), com a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, proponho nova reflexão por esta Corte no sentido de concluir pela possibilidade de dosimetria desta sanção entre 01 e 12 meses.

Assim, em face das circunstâncias dos autos, da gravidade e das falhas detectadas, bem como a inexistência de indícios de má-fé pelo prestador e a repercussão dos valores irregulares sobre a totalidade das contas, entendo proporcional suspender o repasse de quotas do Fundo Partidário por 03 (três) meses.

Por fim, afasto o requerimento da Procuradoria Regional Eleitoral de aplicação ex officio da penalidade de multa sobre a importância considerada irregular, não fixada pelo juízo de origem, tendo em vista, como decorrência lógica, as razões por mim expendidas no exame da prefacial lançada pelo agente ministerial.

Logo, por essas circunstâncias, impõe-se a manutenção da desaprovação das contas do partido recorrente e da determinação de recolhimento de R$ 8.496,91 ao Tesouro Nacional, com a redução da suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário para três meses.

(…)

De ver, portanto, que há a evidente tentativa de rediscussão da matéria fático-jurídica debatida nos autos, hipótese não abrigada por essa espécie recursal.

Nesse sentido, a jurisprudência paradigmática deste Regional:

Embargos de declaração. Ação de investigação judicial eleitoral. Improcedência. Omissão e contradição. Art. 275, inc. II, do Código Eleitoral. Ausentes os vícios para o manejo dos aclaratórios. Inexistente omissão ou contradição a ser sanada. Decisão devidamente fundamentada, na qual debatidos os pontos trazidos pelo embargante.

Tentativa de rediscussão da matéria já apreciada, o que descabido em sede de embargos. Rejeição.

(TRE-RS – E.Dcl. n. 301-12.2016.6.21.0092 – Rel. DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI – Julgado em 11.5.2017.)

Embargos de declaração. Acórdão que negou provimento a recurso contra sentença de procedência em representação por doação para campanha acima do limite legal.

Alegada ocorrência de contradição e obscuridade no exame de matéria essencial ao deslinde da controvérsia. Descabimento da tese invocada e impossibilidade de inovação temática em sede de embargos.

Enfrentamento de todas as questões necessárias ao deslinde da questão.

Desacolhimento.

(TRE/RS – RE n. 6210 – Rel. Desa. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA – Julgado em 10.7.2012.)

É desnecessário, enfim, que o julgador justifique, explicitamente, as razões de não ter utilizado legislação ou entendimento diversos para a solução do caso. Basta, para tanto, abordar os elementos essenciais da causa, com observância ao preconizado pela Constituição Federal, em seu art. 93, inc. IX:

Art. 93. […]

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

[…].

(Grifei.)

Por essas razões, dentro desse contexto, a decisão embargada deve ser mantida nos seus exatos termos.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos declaratórios opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.