RE - 2328 - Sessão: 06/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO TRABALHISTA CRISTÃO (PTC) de NOVO HAMBURGO contra a sentença (fls. 192-194) que aprovou com ressalvas suas contas relativas ao exercício financeiro de 2016 e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 450,00, acrescido da multa de 20%, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada.

Em suas razões, sustenta ter apresentado esclarecimentos e informações complementares sobre o depósito apontado como irregular, mas que as justificativas não foram consideradas pelo magistrado sentenciante. Argumenta que o erro na indicação do depositante decorreu da conduta do caixa do estabelecimento bancário, não havendo dolo do partido. Aduz a ausência de prejuízo para a Justiça Eleitoral devido à notoriedade do fato de que o depósito foi realizado pelo presidente do partido para quitar despesas da legenda. Aponta que a irregularidade é de valor ínfimo. Postula a reforma da decisão (fls. 209-211).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela retificação da autuação do recurso e arguiu a preliminar de nulidade da sentença por ausência de condenação do partido à suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, na forma dos arts. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95 e 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15. No mérito, opinou pelo desprovimento do recurso e pela determinação, de ofício, de suspensão de repasses de recursos do Fundo Partidário (fls. 231-235).

A autuação do processo foi retificada, conforme apontado no parecer.

Atento aos princípios da não surpresa e do contraditório substancial, determinei a intimação do recorrente para manifestação acerca da arguição de nulidade (fl. 237), tendo transcorrido in albis o prazo concedido (fl.241).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

A Procuradoria Regional Eleitoral arguiu, preliminarmente, a nulidade da sentença em razão da ausência de aplicação do disposto nos arts. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95 e 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Referidos dispositivos legais estabelecem que o recebimento de recursos de origem não identificada sujeita o partido à suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário até que seja esclarecida a origem das receitas à Justiça Eleitoral:

Lei n. 9.096/95

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

Resolução TSE n. 23.464/15

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

(...)

II – no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13 desta resolução, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral (Lei n. 9.096/95, art. 36, inc. I).

A preliminar, no entanto, deve ser afastada.

Este Tribunal, na sessão de 14.12.2017, quando do julgamento do RE n. 636-62, da relatoria do ilustre Desembargador Luciano André Losekann, posicionou-se no sentido de que, quando a interposição do recurso tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, ou seja, aprovar integralmente as contas, não se deve acolher manifestação do órgão ministerial atuante no segundo grau de jurisdição em prejuízo do recorrente.

Atento ao precedente, relatei acórdão no mesmo sentido, ressaltando que a hipótese reclama a observância dos princípios tantum devolutum quantum appellatum e non reformatio in pejus. Vejamos:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. NULIDADE DA SENTENÇA NÃO CARACTERIZADA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO ‘TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM’ E ‘NON REFORMATIO IN PEJUS’. MÉRITO. DOAÇÕES. ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IDENTIFICAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, por força dos princípios tantum devolutum quantum appellatum e non reformatio in pejus. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. Discrepância no confronto entre o registro de doações recebidas pelo recorrente e as informações prestadas pelo doador. A falha é de valor absoluto inexpressivo diante da totalidade da movimentação financeira, incapaz de macular a transparência das contas. Somados os esclarecimentos do apontamento e evidenciada a boa-fé dos prestadores, cabível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Aprovação das contas com ressalvas.

Parcial provimento.

(TRE-RS, RE 237-36, julgado em 09.3.2017, publicado no DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 40, Data 12.3.2018, Página 7.) – (Grifei.)

Por ocasião dos referidos julgamentos, consignei que, após muito refletir sobre a questão posta em debate, fui convencido da impossibilidade de agravar a situação de recorrentes por provocação da Procuradoria Regional Eleitoral em parecer, visto que o art. 1.013 do CPC, ao consagrar o princípio tantum devolutum quantum appellatum, é expresso ao prever que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, e seu § 1º autoriza que sejam objeto de apreciação e julgamento do tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão – in casu, pelo Parquet eleitoral com atribuição na zona de origem – conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do recurso dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas.

Por isso, não há nulidade alguma, sendo defeso à Procuradoria Regional Eleitoral invocar a matéria, à guisa de nulidade, na instância ad quem, dado que a determinação de suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo.

Não é outro o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, conforme se verifica no julgado cuja ementa abaixo transcrevo:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. IMÓVEL. SUBLOCAÇÃO. FATOS E PROVAS. REEXAME. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Desnecessária a intimação de candidato para se manifestar sobre parecer técnico que se refere às mesmas falhas já apontadas e conhecidas do candidato.

2. Constitui reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

3. Alterar a conclusão do Tribunal Regional, que assentou a constatação de despesas com sublocação de imóvel sem os correspondentes recibos eleitorais, demandaria o vedado reexame de fatos e provas nesta via excepcional.

4. A tese suscitada não teve o devido dissídio evidenciado, porquanto não realizado o cotejo analítico para verificação da similitude fática entre a decisão atacada e os paradigmas colacionados, conforme exigência da Súmula nº

28/TSE.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 32860, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 70.) (Grifei.)

Dessa forma, meu voto é pelo afastamento da preliminar arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral, por força dos princípios tantum devolutum quantum appellatum e non reformatio in pejus.

Afasto, portanto, a preliminar de nulidade.

No mérito, a sentença recorrida consignou que:

a análise final das contas entendeu por supridas as irregularidades e impropriedades, à exceção de um depósito no valor de R$450,00, feito em 10.02.2016, cuja origem informada pelo Partido (contribuição de pessoa física, Sr. Paulo Ademir Machado, que também é Presidente do PTC), não encontrou correspondência nas informações constantes do extrato bancário de fl. 92. Daí ser lícito afirmar que o Partido Trabalhista Cristão recebeu indevidamente recurso de origem não identificada, na exata formulação do art. 13, da Resolução n. 23.464/2015, do TSE.

Também é necessário pontuar que não houve juízo de condenação das contas do partido, tal qual afirmado no recurso, mas apenas aposição de ressalva diante da verificação de falha que não comprometeu a regularidade da contabilidade.

O recorrente argumentou que seus esclarecimentos complementares sobre o depósito apontado como irregular não foram considerados e que a falha na indicação do depositante – admitida pela agremiação - decorreu da conduta do caixa do estabelecimento bancário, não havendo dolo do partido.

Porém, é incontroverso que foram depositados R$ 450,00 na conta bancária da agremiação, com a utilização do CNPJ do partido como depositante, e não com a identificação - CPF da pessoa física que teria, supostamente, realizado a transação, conforme alega o recorrente.

Considerando que a agremiação pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos, sendo que recursos financeiros somente poderão ingressar na conta bancária por meio de depósitos em espécie devidamente identificados (art. 39, caput e § 3º, inc. II, da Lei n. 9.096/95), a argumentação do recorrente não é apta a sanar a falha apontada.

Acerca da identificação do depósito, a Resolução TSE n. 23.464/15 estabelece que será utilizado o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos (art. 7º).

Tendo sido declarado o CNPJ da própria legenda no momento da operação bancária, é irretocável a decisão que concluiu que os recursos não estariam devidamente identificados. Anoto que, embora o recorrente afirme que se tratava de doação do presidente do partido, nenhuma prova nesse sentido foi produzida.

Da mesma forma, alinhando-se aos precedentes da Corte, o juiz eleitoral aprovou as contas com ressalvas, o que é compatível com o baixo valor nominal da falha e prestigia os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

No caso concreto, não há qualquer consideração a ser tecida acerca da existência de prejuízo para a Justiça Eleitoral, visto que a inobservância da identificação dos dados do depositante, não obstante sem gravidade, configura falha que atrai a aposição da ressalva.

Relativamente às penalidades fixadas pelo juízo a quo, consigno que a aprovação das contas com ressalvas afasta, por sua vez, as penalidades de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário e da multa prevista no art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Destaco que a Lei n. 9.096/95 dispõe expressamente, em seu art. 37, que apenas a desaprovação das contas do partido acarreta a aplicação da sanção de multa de até 20%.

Dessa forma, mantida a aprovação da contabilidade com ressalvas, deve ser dado parcial provimento ao recurso, apenas para afastar a sanção de multa, devendo, no entanto, permanecer a determinação de recolhimento do montante de R$ 450,00 ao Tesouro Nacional.

 

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e voto pelo provimento parcial do recurso, apenas para afastar a sanção de multa, mantendo a aprovação das contas com ressalvas e a determinação de recolhimento do montante de R$ 450,00 (quatrocentos e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional.