RE - 1219 - Sessão: 24/07/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso do PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS) de PORTO ALEGRE contra a sentença que desaprovou as contas, determinou a suspensão de repasse de valores do Fundo Partidário pelo prazo de 8 (oito) meses e o recolhimento de R$ 66.474,15, oriundos de recursos de fonte vedada e da desobediência ao art. 6º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.432/14 (fls. 451-466), relativamente à prestação de contas do exercício financeiro de 2015.

Nas razões de apelo (fls. 469-470v.), a agremiação alega que a sentença merece reforma, por terem sido constatadas apenas duas irregularidades: ausência de trâmite de verba do Fundo Partidário e percebimento de valores oriundos de fonte vedada. Sustenta que há legalidade nas doações de ocupantes de cargos em comissão, a partir do mês de outubro de 2017. Entende que não houve comprometimento à integralidade das contas. Requer o provimento do recurso para aprovar, ainda que com ressalvas, as contas e reduzir o prazo de suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 479-485v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. Houve intimação da decisão em 18.4.2018 (fl. 467) e, em 20.4.2018, interposto o recurso, conforme fl. 469.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

As razões de recurso sustentam-se em três alegações principais:

a) foram constatadas apenas duas irregularidades;

b) há legalidade nas doações de ocupantes de cargos em comissão, a partir do mês de outubro de 2017;

c) não houve comprometimento à integralidade das contas.

E, como já referido, um dos motivos da desaprovação, pela sentença, foi a desobediência ao art. 6º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.432/14.

De início, transcrevo o ditame regulamentar:

Art. 6º Os Partidos Políticos, em cada esfera de direção, deverão abrir contas bancárias para a movimentação financeira das receitas de acordo com a sua origem, destinando contas bancárias específicas para movimentação dos recursos provenientes:

[...]

III – dos “Outros Recursos”, previstos nos incisos II, III e V do art. 5º desta Resolução.

Em resumo: no caso dos autos, o que fez a agremiação?

Não utilizou a conta “outros recursos”, quando deveria fazê-lo, pois fez transitar valores de transferências interpartidárias na conta específica do Fundo Partidário – cuja previsão consta no inc. I do mesmo art. 6º, supra.

Dito de outro modo, misturou rubricas que a resolução determina que não sejam confundidas, o que inegavelmente tira transparência das contas e prejudica o exame de confiabilidade das mesmas.

Impecável a sentença, no ponto, motivo pelo qual há de ser mantida pelos próprios fundamentos.

Além, e relativamente ao exercício financeiro em questão, ano 2015, o art. 12, inc. XII, da Resolução TSE n. 23.464/15 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, nos seguintes termos:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

§ 2º As vedações previstas neste artigo atingem todos os órgãos partidários, inclusive suas fundações, observado o disposto no § 2º do art. 20 desta resolução.

§ 3º Entende-se por doação indireta, a que se refere o caput deste artigo, aquela efetuada por pessoa interposta que se inclua nas hipóteses previstas nos incisos deste artigo.

Contudo, e levando em conta as alegações do recorrente, necessários dois esclarecimentos.

1. Este Tribunal, no julgamento do RE n. 14-97.2016.6.21.0076, debateu acerca da incidência imediata da alteração introduzida no art. 31 da Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.488/17, que admitiu as doações advindas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados a partido político, e fixou entendimento pela aplicação da legislação vigente à época da prestação de contas.

Por elucidativo, transcrevo a ementa do referido julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

[...]

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. (Grifei).

6. Provimento parcial.

(TRE-RS – RE: 1497 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: DR. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 04.12.2017, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 225, Data 15.12.2017, Página 6.)

Sob a mesma ótica, o TSE tem entendimento no sentido de que a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, no caso, o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 é aplicado com a redação que vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à filiação do doador:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Desnecessária, portanto, a análise da situação de filiados (ou não filiados) dos doadores, como vindicado pelo recorrente em suas razões.

2. Segundo a jurisprudência do TSE, o recebimento de recursos de fonte vedada é irregularidade capaz de ensejar, por si só, a desaprovação das contas (TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 14022, Acórdão de 11.11.2014, Relator Min. GILMAR MENDES, DJE de 05.12.2014):

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO. DOAÇÕES. OCUPANTES CARGO DE DIREÇÃO OU CHEFIA. AUTORIDADE. VEDAÇÃO. ART. 31, II, DA LEI Nº 9.096/95.

1. Para fins da vedação prevista no art. 31, II, da Lei nº 9.096/95, o conceito de autoridade pública deve abranger aqueles que, filiados ou não a partidos políticos, exerçam cargo de direção ou chefia na Administração Pública direta ou indireta, não sendo admissível, por outro lado, que a contribuição seja cobrada mediante desconto automático na folha de pagamento. Precedentes.

2. Constatado o recebimento de valores provenientes de fonte vedada, a agremiação deve proceder à devolução da quantia recebida aos cofres públicos, consoante previsto no art. 28 da Resolução TSE nº 21.841/2004.

Recurso especial desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 4930, Acórdão de 11.11.2014, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 219, Data 20.11.2014, Página 27.)

Daí, a falha identificada compromete o controle e a confiabilidade das receitas e despesas, impedindo a aprovação das contas em virtude da transgressão ao princípio da transparência.

Dessarte, à luz das disposições constantes no art. 12, inc. XII, da Resolução TSE n. 23.432/14, deve ser mantida a decisão que considerou como proveniente de fonte vedada a quantia recebida, no montante de R$ 66.474,15 (sessenta e seis mil quatrocentos e setenta e quatro reais com quinze centavos), e determinou o seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

Além, em que pese a irresignação quanto ao período de suspensão do percebimento de quotas oriundas do Fundo Partidário, saliento que os valores das irregularidades alcançam o percentual de 61% (sessenta e um por cento) do arrecadado pela agremiação no exercício de 2015 – R$ 108.919,20, de maneira que a ponderação conforme os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade já foi devidamente realizada pelo juízo de origem, como bem destacado pelo parecer do d. Procurador Regional Eleitoral.

A sentença não merece reforma, portanto.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.