RE - 24513 - Sessão: 20/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MARGARETE ALAIDE DAPPER, candidata não eleita ao cargo de vereadora, contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016 em razão da ausência de comprovação da origem de doações estimadas, de indícios de omissão de receitas e de divergências entre a movimentação financeira registrada nas contas e a verificada nos extratos bancários eletrônicos.

Nas razões recursais, a candidata alega que as irregularidades constatadas no parecer técnico foram sanadas e que procedeu à retificação das contas em outubro de 2017. Afirma que todas as divergências foram revistas e corrigidas e que o débito, de 29.9.2016, relativo ao cheque no valor de R$ 230,00, refere-se ao pagamento de fornecedor devidamente identificado. Requer o provimento do recurso para que as contas sejam aprovadas (fls. 58-61).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença e pelo retorno dos autos à origem para imposição de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante recebido e utilizado de origem não identificada. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso e pela determinação, de ofício, de recolhimento de valores ao Erário (fls. 65-70v.).

Intimada para manifestação sobre a preliminar de nulidade arguida pelo órgão ministerial (fl. 72), a recorrente não se pronunciou (fl. 76).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Passo à análise da preliminar de nulidade da sentença.

A Procuradoria Regional Eleitoral sustenta a nulidade da decisão de primeiro grau por negativa de vigência aos arts. 18, inc. I, e 26, ambos, da Resolução TSE n. 23.463/15, argumentando que as irregularidades constatadas nas contas caracterizam recursos de origem não identificada, e que deveria ter sido determinado o recolhimento dos recursos ao Tesouro Nacional.

Entretanto, não se verifica na sentença recorrida a referida omissão, uma vez que a decisão sequer tangencia a questão da existência de valores de origem não identificada, donde incabível determinar sanção que daí adviria.

Ao contrário, a sentença desaprovou as contas em razão da falta de confiabilidade das informações prestadas, porquanto constatada a ausência de comprovação das doações escrituradas, a identificação de divergências entre os registros realizados pela candidata e as declarações prestadas na contabilidade de Maurício Alexandre Dziedricki, e a existência de incongruências entre as despesas contabilizadas e a movimentação bancária verificada no extrato bancário.

Assim, para se determinar o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, seria preciso alterar o fundamento da desaprovação das contas, o que somente seria possível por meio de interposição de recurso pelo órgão ministerial.

Ocorre que a falta de interposição de recurso por parte do Ministério Público de primeiro grau torna preclusa a pretensão de recolhimento do valor irregular.

A determinação de recolhimento nesta instância, a qual chegou a matéria por exclusivo recurso da prestadora levaria à reformatio in pejus, efeito vedado pelo sistema processual.

Neste sentido posicionou-se este Tribunal, em acórdão do qual se extrai a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS". MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância "ad quem", dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a "reformatio in pejus", nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento.

(TRE/RS, RE 636-62, Rel. Des. Eleitoral Luciano André Losekann, redator para acórdão Des. Eleitoral Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 14.12.2017.) (Grifei.)

Nesse caso, como já referido, é preciso destacar que a decisão não se manifestou acerca da existência de valores de origem não identificada, questão essa que, por não ter sido objeto de recurso na origem, restou preclusa. 

Em que pese a tais diretrizes, adianto que a decisão combatida merece reforma, conforme será exposto no exame das irregularidades identificadas, restando prejudicada, igualmente por esse motivo, a preliminar de nulidade da sentença.

No mérito, o juízo a quo reprovou a contabilidade em razão da falta de comprovação das doações estimadas escrituradas, da identificação de divergências entre os registros realizados pela candidata e as declarações prestadas nas contas de Maurício Alexandre Dziedricki, e das incongruências entre as despesas contabilizadas e a movimentação bancária verificada no extrato bancário da conta de campanha.

Passo a análise individualizada de cada uma das irregularidades.

Inicialmente, no que se refere à ausência de comprovação da origem de doações estimadas, observa-se que a candidata deixou de apresentar documentação comprobatória da propriedade do veículo utilizado na campanha, contabilizado por meio de doação no importe de R$ 1.000,00.

Em que pese à omissão da prestadora em demonstrar a regularidade da receita, há que se ressaltar que o art. 55, § 3º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15 dispensa a comprovação da cessão de bens móveis limitada ao valor de R$ 4.000,00 por pessoa cedente, situação aplicável ao caso dos autos.

Reproduzo o dispositivo:

Art. 55. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

[...]

§ 3º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

I - a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por pessoa cedente;

Em razão de expressa permissão normativa, afasto a falha apontada.

Na sequência, a respeito das divergências identificadas entre os registros realizados pela candidata e as declarações prestadas nas contas de Maurício Alexandre Dziedricki, a recorrente alega que as diferenças foram corrigidas na escrituração do doador, estando superada qualquer dessemelhança entre os valores registrados.

De fato, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral http://divulgacandcontas.tse.jus.br/, que concentra, para acesso público, as prestações de contas dos candidatos e partidos, observa-se a correspondência entre os valores declarados como recebidos pela prestadora dos constantes no balanço contábil do doador respectivo, o candidato a prefeito Maurício Alexandre Dziedricki.

Nesse sentido, cabe salientar que, tratando-se de recursos estimáveis, e não financeiros, a existência de incongruências deve ser relevada quando for possível o seu perfeito esclarecimento, inclusive mediante a retificação das contas, devendo prevalecer o interesse público subjacente à transparência da contabilidade.

Por isso, conclui-se que, malgrado a divergência inicial, as irregularidades indicadas no parecer técnico restaram suplantadas.

Por fim, a sentença assinalou a existência de incongruências entre as despesas contabilizadas e a movimentação bancária verificada no extrato bancário da conta de campanha.

A partir da análise dos extratos juntados às fls. 6-7, observa-se que a indicação das datas dos gastos eleitorais nos lançamentos contábeis não é perfeitamente equivalente à movimentação das cártulas respectivas na conta bancária, o que torna mais complexa a análise da movimentação financeira.

Demais disso, verifica-se que as despesas registradas com a fornecedora ADRIANA RODRIGUES ARAUJO MACHADO – ME, na data 26.8.2016, foram adimplidas com um único cheque, não obstante tenham recebido detalhamento fragmentado nas contas da campanha.

Ocorre que, embora o registro contábil não tenha sido efetuado com a precisão esperada, a partir da revisão acurada dos lançamentos, foi possível realizar a fiscalização da movimentação financeira e concluir pela regularidade das contas.

Logo, superadas as falhas identificadas, a sentença deve ser reformada para aprovar as contas da candidata.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar e pelo provimento do recurso interposto, a fim de aprovar as contas de MARGARETE ALAIDE DAPPER relativas às eleições municipais de 2016.