RE - 2957 - Sessão: 16/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença (fls. 111-115) que aprovou as contas apresentadas pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de GAURAMA, relativas ao exercício financeiro de 2016.

Em suas razões, sustenta que o magistrado sentenciante reconheceu a origem vedada de recursos declarados na contabilidade e julgou aprovadas as contas, aplicando retroativamente as disposições da Lei n. 13.488/17. Assevera que o entendimento adotado não se coaduna ao interesse público e que estendeu posicionamento aplicado à seara penal para afastar punição afeta a interesses patrimoniais, endossando a irregularidade sem justificativa. Alega que a decisão causou desequilíbrio e comprometeu a regularidade do pleito ao favorecer o partido recorrido. Requer o conhecimento e o provimento do recurso para o fim de serem desaprovadas as contas, condenando-se a agremiação ao recolhimento de valores ao Erário e à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário no patamar máximo (fls. 121-126).

Transcorrido in albis o prazo para apresentação de contrarrazões (fl. 132), com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso, a fim de que sejam desaprovadas as contas, determinando-se a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano e o recolhimento do montante de R$ 300,00 (trezentos reais) ao Tesouro Nacional (fls. 135-143).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença combatida reconheceu que “o Diretório Municipal do Partido Progressista do Município de Gaurama recebeu, no exercício em análise, conforme parecer conclusivo da unidade técnica, recursos de fonte vedada em pecúnia procedente de detentor de cargo em comissão de Secretário Executivo da Câmara de Vereadores de Gaurama”.

Tais recursos alcançam o patamar de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), conforme o parecer conclusivo das fls. 62-64.

Ficou também consignado na decisão que:

Em que pese os entendimentos anteriores, fato é que a norma anterior foi revogada e, ainda que não sendo uma lei penal, possui característica sancionatória, permitindo, ao meu ver, a retroatividade da lei mais benéfica, sob pena de haver violação do princípio da legalidade assegurado pela Constituição Federal (art. 5º, incisos II e XXXIX, CF/88).

Neste sentido, cito o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:

"APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. MULTA. ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 1996. § 1º DO ARTIGO 64 DA LEI 9.100/95. REVOGAÇÃO EXPRESSA PELO ARTIGO 107 DA LEI 9.504/97. EFEITO: ABOLITIO CRIMINIS.

I - Conforme entendimento consolidado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a revogação expressa do § 1º do artigo 64 da Lei 9.100/95 pelo artigo 107 da Lei nº 9.504/97 possui efeito equiparável à criminis.

II - Merece, pois, reforma a decisão de primeiro grau que rejeitou os embargos à execução, ao fundamento de que tal revogação não teria efeito anistiador das penalidades impostas.

III - Os executivos fiscais regem-se também pelo princípio da sucumbência, razão pela qual, sendo vencida, a Fazenda Pública arcará com os valores das despesas cometidas à parte contrária.

IV - Apelação conhecida e provida.(RE 1207/GO - Rel. Roldão O. de Carvalho - j. 16/01/2002)” .

O Estado, ao retirar do ordenamento jurídico determinada punição, quer dizer que abriu mão de seu direito de punir e, por conseguinte, a extinção dos fatos ocorridos antes da vigência da nova lei, ainda que se trate de matéria administrativa.

Deste modo, entendo inaplicável às doações recebidas pelo partido como fonte vedada, pois todo o valor recebido é proveniente de doador filiado ao partido, conforme verificado nos sistemas da Justiça Eleitoral, o que torna totalmente legal a referida doação.

Por fim, em face do disposto 46, inciso I, da Resolução TSE n. 23.464/15, as contas devem ser aprovadas quando estiverem regulares.

Dessa forma, a controvérsia recursal restringe-se à possibilidade de aplicação retroativa das disposições da Lei n. 13.488/17.

Sobre o ponto, esse colegiado tem posicionamento firme no sentido da irretroatividade das inovações e da aplicação da legislação vigente ao tempo do exercício financeiro.

O inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95 foi incluído pela Lei n. 13.488/17, com vigência a partir de 06.10.2017, facultando as contribuições de filiados a partido político, ainda que ocupantes de cargos públicos de livre nomeação e exoneração.

Entretanto, o exame das contas relativas ao ano de 2016 deve considerar o texto do art. 31 da Lei n. 9.096/95, vigente ao tempo do exercício financeiro em questão, sem as posteriores alterações legislativas.

Isso porque o Tribunal Superior Eleitoral tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Nessa esteira, este Tribunal pacificou o posicionamento de que, por primazia dos princípios da segurança jurídica e da paridade de armas entre os entes partidários, a licitude ou não das doações é regida pela lei vigente ao tempo do exercício financeiro, independentemente do caráter mais benéfico da posterior legislação, como se verifica pelo seguinte precedente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses.

6. Provimento parcial.

(TRE-RS, RE 14-97, Rel. Des. Eleitoral Luciano André Losekann, Sessão de 4.12.2017.) (Grifei.)

Destarte, sendo incontroverso o recebimento de doações de fonte vedada, conforme a disciplina legal vigente à época, impõe-se, como consequência, o recolhimento do respectivo valor ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e do art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Não obstante a gravidade do recebimento de recursos de fonte vedada e a obrigatoriedade do recolhimento das quantias ao Erário, observo que o valor absoluto apontado como de fonte vedada é inexpressivo – R$ 250,00 -, inferior àquele que a Lei das Eleições dispensa de contabilização (art. 27).

Essa constatação, associada à ausência de má-fé do partido e à colaboração na instrução do feito, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, para conduzir à aprovação das contas com ressalvas, e não à sua desaprovação, afastando-se, por conseguinte, as penalidades de suspensão de quotas do Fundo Partidário e de multa prevista no art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em especial, destaco precedente desse Colegiado, julgado em 22.11.2017, da lavra do Des. Eleitoral João Batista Pinto Silveira, no qual se entendeu que a mácula em valor absoluto inferior ao considerado como de pequena monta (R$ 1.064,10) comportaria a aprovação com ressalvas. Vejamos:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. PARTIDO POLÍTICO. ELEIÇÕES 2016. MATÉRIA PRELIMINAR. NÃO ACOLHIDO PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO. INVIABILIDADE DE ACRÉSCIMO AO POLO RECURSAL DA PARTE QUE NÃO RECORREU. MÉRITO. FALTA DE REGISTRO DE DOAÇÃO REALIZADA A CANDIDATO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DADOS DA CONTA BANCÁRIA INFORMADA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS E O CONTIDO NOS EXTRATOS. INTEMPESTIVIDADE DE ABERTURA DA CONTA BANCÁRIA. OMISSÃO DE REGISTRO DE DESPESAS COM ADVOGADO E CONTADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Matéria preliminar. 1.1 Sentença sem restrição à esfera jurídica do partido, de modo que não se vislumbra interesse no pleito de atribuição de efeito suspensivo ao apelo. 1.2 Ausente caráter litigioso no processo de prestação de contas, sendo sempre a Justiça Eleitoral a parte recorrida. Inviável o acréscimo no polo recursal das partes que não recorreram da sentença.

2. Os gastos realizados por partido em benefício de candidato ou outro partido político constituem doações estimáveis em dinheiro. Falta de registro de doação alcançada a candidato. Despesa que deveria ter sido escriturada nas contas de campanha e não na partidária. Não vislumbrado, entretanto, prejuízo à análise contábil, tampouco extrapolação do limite de gastos, tudo em razão de o valor absoluto da quantia ser inferior ao considerado como de pequeno valor (R$ 1.064,10), nos termos do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15. Impostas, apenas, ressalvas nas contas.

3. Divergência entre as informações de conta bancária informada na prestação de contas em relação à constante nos extratos bancários. Falha esclarecida pelo órgão partidário. Irregularidade superada.

4. A intempestividade da abertura da conta bancária específica não acarreta a rejeição das contas, podendo atrair a aprovação com ressalvas, por representar mera impropriedade formal.

5. Ausência de registro de despesas com serviços contábeis e advocatícios. Os honorários referentes a processos jurisdicionais não são considerados gastos eleitorais de campanha, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral. No caso, informado que os serviços foram prestados de maneira graciosa. Incidência da norma prevista no § 1º-A do art. 29 da Resolução TSE n. 23.463/15, que dispensa a escrituração da despesa por não se tratar de gasto eleitoral.

6. Aprovação com ressalvas. Parcial provimento.

Logo, entendo que o juízo de desaprovação deve ser reservado para aquelas situações em que há o comprometimento absoluto das contas ou mesmo quando as irregularidades alcançam montante vultoso, o que não ocorre no caso em análise.

Dessa forma, concluo pela aprovação da contabilidade com ressalvas e pela imposição do recolhimento do montante de R$ 250,00 ao Tesouro Nacional.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo provimento parcial do recurso, para aprovar com ressalvas as contas do PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de GAURAMA, relativas ao exercício financeiro de 2016, determinando o recolhimento de R$ 250,00, devidamente atualizado com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, ao Tesouro Nacional.