RE - 24173 - Sessão: 03/07/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ELÓI FRANCISCO PEDROSO GUIMARÃES, concorrente ao cargo de vereador em Porto Alegre, em face da sentença do Juízo da 113ª Zona Eleitoral (fls. 83-84) que desaprovou suas contas referentes às eleições municipais de 2016, em virtude das seguintes falhas: ocorrência de descumprimento do prazo para a entrega dos relatórios financeiros, inconsistência no documento fiscal concernente à despesa com combustível, divergências entre os lançamentos nos extratos eletrônicos e aqueles declarados na prestação de contas e realização de saques em valor acima do limite legal. 

Em suas razões, o recorrente sustenta que as falhas foram esclarecidas e as contas retificadas. Requer a reforma da sentença, aprovando-se as contas (fls. 89-92).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pelo retorno dos autos à origem, para que o magistrado analise a aplicação da penalidade de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. Em caso de entendimento diverso, manifesta-se, no mérito, pelo desprovimento do recurso, com a determinação, de ofício, de transferência dos valores indevidamente utilizados ao Tesouro Nacional (fls. 96-101).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, razão pela qual dele conheço.

Preliminar de nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita prefacial de nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de  que houve omissão quanto à análise do disposto nos arts. 18, § 3º, 26 e 72, § 1º, todos da Resolução TSE n. 23.463/15, que preceituam o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores irregulares em determinadas hipóteses.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

Os preceitos em comento disciplinam o recolhimento dos valores ilícitos ao Tesouro Nacional nos casos de utilização de receitas de origem não identificada ou de origem vedada, bem como de uso indevido de recursos do Fundo Partidário.

Nenhuma dessas hipóteses foi reconhecida pelo juízo a quo que motivou a desaprovação das contas com base em irregularidades atinentes, em síntese, a inconsistências no registro das despesas eleitorais e à infringência do regramento sobre o Fundo de Caixa, situações não contempladas pelas normas que impõem o recolhimento de quantias ao Erário.

Não se trata aqui, portanto, de uma omissão do juiz. Ao contrário, não houve ordem de devolução porque o juiz não considerou existirem irregularidades envolvendo recursos de origem não identificada ou oriundos de fonte vedada, ou mesmo, advindos do Fundo Partidário.

Nessa situação, verifica-se, em realidade, uma divergência do órgão ministerial com a interpretação jurídica dos fatos realizada em primeiro grau.

Desse modo, uma vez que a sentença desaprovou as contas por fundamento diverso dos alcançados pelos arts. 18, § 3º, 26 e 72, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, não se está diante de nulidade, pois não houve omissão na aplicação de uma norma de ordem pública, mas o enquadramento das falhas em outros dispositivos.

Nesse sentido já se manifestou este Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. DIVERGÊNCIA ENTRE O ENTENDIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. NEGATIVA DE VIGÊNCIA A DISPOSITIVO LEGAL NÃO CARACTERIZADA. MÉRITO. FALTA DE APRESENTAÇÃO DOS EXTRATOS BANCÁRIOS DE TODO O PERÍODO DA CAMPANHA. FALHA SANADA. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. AUSÊNCIA DO TERMO DE CESSÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. OMISSÃO DOS DADOS REFERENTES AO BEM. PREJUÍZO À TRANSPARÊNCIA DAS CONTAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. Divergência do órgão ministerial com a interpretação jurídica dos fatos realizada em primeiro grau, não havendo omissão quanto ao comando suscitado. A sentença afastou o apontamento de origem não identificada e desaprovou as contas por fundamento diverso da caracterização de ofensa ao art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15. Negativa de vigência e nulidade não caracterizadas.

2. A ausência dos extratos bancários contemplando todo o período de campanha é causa para desaprovação das contas, por infringência ao art. 48, inc. II, “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15. Irregularidade sanada, entretanto, pela juntada dos documentos integrais.

3. O uso de bens móveis cedidos por terceiros deve ser registrado na prestação de contas como doação estimável em dinheiro, nos termos do art. 18, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15. Mecanismo indispensável para a transparência e controle da origem dos bens e valores empregados na campanha. Utilização de veículo em prol da campanha do prestador sem a juntada do termo de cessão aos autos. Impossibilidade da apresentação do documento comprobatório em razão do falecimento do cedente. Inexistência de qualquer informação a respeito do automóvel utilizado. Omissão dos dados do bem, como placas ou modelo, bem como da indicação do proprietário e do valor estimado da cessão. Prejuízo à confiança da escrituração contábil. Irregularidade grave.

Desprovimento.

(TRE/RS, RE 770-10.2016.6.21.0011, Relator Des. Eleitoral JAMIL A. H. BANNURA, julgado em 21.11.2017.) (Grifei.)

Do exposto, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

Mérito

Tangente ao mérito, as contas foram desaprovadas em virtude do acolhimento dos seguintes apontamentos arrolados no parecer técnico conclusivo (fls. 62-67): a) descumprimento do prazo de entrega dos relatórios financeiros de campanha (art. 43, §§ 2º e 7º, da Resolução TSE n. 23.463/15); b) recebimento de doações não informadas nas contas parciais (art. 43, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15); c) não coincidência entre a data constante na nota fiscal relativa ao gasto com combustíveis e aquela que figura nas contas; d) divergências entre a movimentação declarada e aquela presente nos extratos eletrônicos; e) realização de saques, mediante descontos de cheques e transferências eletrônicas acima do limite legal (art. 34 da Resolução TSE n. 23.463/15).

Passo à análise.

Quanto às falhas relativas ao oferecimento extemporâneo das prestações dos relatórios financeiros e à ausência de informações nas prestações de contas parciais, entendo que, na espécie, constituem meras impropriedades que não prejudicam a aferição das contas.

Com efeito, oferecida a prestação de conta final, com as informações mínimas a permitir o exame técnico, aludidas falhas não são suficientes para embasar o juízo de desaprovação da contabilidade, motivando apenas o apontamento de ressalvas.

Em relação à nota fiscal comprobatória da despesa com combustíveis (fl. 79), constata-se flagrante divergência entre a data consignada no documento (06.10.2016) e aquela informada nas declarações contábeis e no correspondente recibo de fl. 80 (24.9.2016). Disso, infere-se que o gasto foi realizado com inobservância do art. 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, pois seu documento fiscal foi emitido em data posterior à efetiva realização da contratação.

Contudo, preenchidos os demais requisitos exigidos pelo art. 55 da Resolução TSE n. 23.463/15 e não havendo outras incongruências, a mácula não prejudica a comprovação do gasto, ensejando apenas a anotação de ressalvas.

Cabe, ainda, analisar as divergências entre as movimentações identificadas nos extratos eletrônicos e as declaradas pelo candidato, relacionadas às fls. 64-65 do parecer conclusivo.

Primeiramente, ressalto que, apesar da apresentação do pedido de cancelamento dos cheques ns. 11 e 24 perante a instituição bancária (fl. 81), com data anterior à apresentação das cártulas pelo beneficiário, não foram esclarecidas as razões que conduziram à emissão e ao posterior cancelamento dos cheques.

Paralelamente, entre os dias 01.9.2016 e 07.10.2016, o candidato realizou diversas retiradas da conta de campanha, utilizando 5 cheques por ele mesmo emitidos, nos valores individuais de R$ 500,00; R$ 400,00; R$ 1.850,00; duas de R$ 5.000,00; e uma transferência bancária de R$ 175,00 para conta bancária comum de sua titularidade, conforme elencado na fl. 66 dos autos.

O referido conjunto de movimentações alcançou R$ 12.925,00, equivalente a 18% do total de despesas efetuadas (R$ 68.114,16).

Além disso, as operações não foram declaradas na contabilidade de campanha, sendo extraídas apenas da verificação dos extratos eletrônicos.

Sobre a natureza dos gastos que os saques visavam atender, o candidato limitou-se a afirmar que se tratava de pagamentos de compromissos de campanha, sem juntar esclarecimentos adicionais ou documentação comprobatória.

Os valores sacados ultrapassam o saldo máximo de R$ 2.000,00 permitido para a constituição de Fundo de Caixa e, igualmente, excedem o limite unitário de R$ 300,00 por despesa, consoante prescrevem os arts. 34 e 35 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Desse modo, os supostos pagamentos somente poderiam ter sido realizados por meio de cheque nominal ou de transferência bancária, com identificação do CPF ou CNPJ do beneficiário, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em qualquer das hipóteses, no entanto, inafastável a obrigação de registro e comprovação das despesas realizadas, consoante preceituam os arts. 35, parágrafo único, e 55, ambos do referido diploma, o que não ocorreu na espécie.

Dessarte, o conjunto de irregularidades compromete gravemente a confiabilidade das contas e obstaculiza a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral, motivo pelo qual deve ser mantido o juízo de desaprovação sobre o exercício contábil do recorrente.

Por fim, mantida integralmente a decisão recorrida, cumpre afastar o postulado pela Procuradoria Regional Eleitoral no sentido da determinação, de ofício, do recolhimento do valor de R$ 12.925,00 ao Tesouro Nacional.

Como alhures fundamentado no exame da matéria preliminar, as irregularidades constatadas não autorizam a incidência dos dispositivos que impõem a penalidade.

De fato, os recursos financeiros versados nas contas são originários integralmente de doações advindas do próprio candidato, realizadas em conformidade com os ditames legais.

Não se vislumbrando receitas de origem ignorada ou originárias de fonte vedada, nem a malversação do Fundo Partidário, incabível, na espécie, o comando de devolução dos valores ao Tesouro Nacional.

 

Ante o exposto, VOTO pelo afastamento da preliminar e pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença de desaprovação das contas de ELÓI FRANCISCO PEDROSO GUIMARÃES relativas às eleições municipais de 2016.

É como voto, senhor Presidente.