RE - 7213 - Sessão: 27/09/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de MARQUES DE SOUZA contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas e de origem não identificada e determinou o que segue: a) o recolhimento da quantia de R$ 11.173,74 ao Tesouro Nacional; b) a suspensão do recebimento do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral; e c) o envio do processo ao Ministério Público Eleitoral para a verificação da ocorrência de abuso de poder econômico (fls. 112-116).

Em sua irresignação (fls. 122-128), o recorrente sustenta que os valores considerados procedentes de origem não identificada já integravam o seu patrimônio no exercício financeiro de 2015, razão pela qual entende indevida a penalidade aplicada. Reconhece como sendo oriunda de fonte vedada a quantia de R$ 1.173,74. Alega que os gastos realizados no montante de R$ 10.000,00 são provenientes de doações lícitas, não vedadas pela normatização. Afirma que os recursos foram empregados em serviço de assessoria, consultoria, orientação e atuação técnico-jurídica, não se tratando de gasto eleitoral. Invoca o princípio da boa-fé objetiva e a ofensa ao exercício regular da advocacia. Requer a reforma parcial da sentença, a fim de que seja afastada a determinação de recolhimento da quantia de R$ 10.000,00 ao Tesouro Nacional.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença, em razão da não observância da multa de 20% prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, com a aplicação, de ofício, da suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário e da multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95 (fls. 139-146).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

Inicialmente, a Procuradoria Regional Eleitoral suscitou a preliminar de nulidade da sentença, por ter se omitido em aplicar e fundamentar a pena de multa de até 20% sobre a importância irregular, nos termos do disposto no art. 37, caput, da Lei n. 9.096/95.

De fato, até o advento da Lei n. 13.165/15, o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95 estabelecia a sanção de suspensão do repasse de novas cotas do fundo partidário por um período de 1 a 12 meses:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.

§ 3º  A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas de partido, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, da importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação.

Após a edição da Lei n. 13.165/15, houve a modificação da sanção legal incidente na desaprovação das contas, passando a cominar a pena de devolução da importância considerada irregular acrescida de até 20%:

Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento).

A jurisprudência definiu que essa nova sanção deverá ser aplicada nas prestações de contas relativas ao exercício financeiro de 2016, conforme definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2009. DESAPROVADA PARCIALMENTE. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS.

1. QUESTÃO DE ORDEM. As alterações promovidas no caput do art. 37 da Lei nº 9096/1995, reproduzidas no art. 49 da Res.-TSE nº 23.464/2015, são regras de direito material e, portanto, aplicam-se às prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e seguintes. Entendimento contrário permitiria que contas das agremiações partidárias relativas a um mesmo exercício financeiro fossem analisadas com base em regras materiais diversas, o que não se pode admitir. É preciso conferir tratamento isonômico a todos os partidos políticos, sem alterar as regras aplicáveis a exercícios financeiros já encerrados, em razão do princípio da segurança jurídica. O Plenário do TSE, analisando a questão relativa à alteração legislativa promovida pela mesma lei ora em análise na Lei das Eleições quanto ao registro do doador originário nas doações, assentou que "a regra constante da parte final do § 12 do art. 28 da Lei nº 9.504/97, com a redação conferida pela Lei nº 13.165/2015, não pode ser aplicada, [...] seja porque a lei, em regra, tem eficácia prospectiva, não alcançando fatos já consumados e praticados sob a égide da lei pretérita" (ED-REspe nº 2481-87/GO, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 1º.12.2015). A modalidade de sanção em decorrência da desaprovação de contas prevista na nova redação do caput do art. 37 da Lei nº 9.096/1995, conferida pela Lei nº 13.165/2015, somente deve ser aplicada às prestações de contas relativas ao exercício de 2016 e seguintes.

[...]

5. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, Prestação de Contas n. 96183, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume , Tomo 54, Data 18.3.2016, Página 60/61)

Ocorre que, na situação dos autos, entendo que o juízo de reprovação das contas comporta reforma, razão pela qual o exame da questão será objeto de apreciação no mérito.

Com efeito, a contabilidade foi desaprovada em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas e de origem não identificada.

No que se refere aos recursos arrecadados provenientes de fontes vedadas, observo que o recorrente não questiona a justiça da decisão. Ao contrário disso, a agremiação confirma a ilicitude das receitas, no importe de R$ 1.173,74, porquanto procedentes de autoridades públicas, nos termos do art. 12, inc. IV e §1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, diploma normativo regente das contas em exame.

Relativamente ao apontamento objeto do recurso, a sentença considerou a despesa no valor de R$ 10.000,00 como sendo recurso de origem não identificada e determinou a suspensão do repasse das verbas do Fundo Partidário e o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

A respeito do enquadramento, o recorrente sustenta a licitude das receitas e a regularidade da despesa, motivo pelo qual entende indevidas a caracterização do recurso como sendo de origem não identificada e a imputação de gasto eleitoral.

Compulsando a escrituração, observo que a nota fiscal dos serviços à fl. 41 comprova que o gasto foi realizado com serviços de consultoria e assessoria jurídica, em data próxima ao pleito eleitoral de 2016.

Em que pese a aparente ocultação de receitas e despesas nas contas eleitorais, pondero que o contrato de prestação de serviços às fls. 69-70, os esclarecimentos prestados pelo recorrente às fls. 92-95 e os documentos colacionados às fls. 96-97 atestam em favor da verossimilhança das alegações da agremiação no sentido de que os serviços não foram realizados em benefício da campanha.

Ressalto, no particular, que o contrato de prestação de serviços não menciona, na descrição do seu objeto, a prestação de consultoria em favor das campanhas eleitorais, a justificar o enquadramento da quantia como gasto eleitoral, à luz da disposição contida no art. 29, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que dispõe o seguinte:

Art. 29. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 1º As contratações de serviços de consultoria jurídica e de contabilidade prestados em favor das campanhas eleitorais deverão ser pagas com recursos provenientes da conta de campanha e constituem gastos eleitorais que devem ser declarados de acordo com os valores efetivamente pagos. (Grifei.)

Ainda, é de se destacar que o contrato expressamente prevê a vigência indeterminada da pactuação, cláusula que se revela incompatível com a vinculação dos serviços ao pleito eleitoral.

Por fim, cabe ressaltar que sequer se discute nos autos a origem dos valores, mas apenas a necessidade de realização das movimentações financeiras por meio da conta bancária de campanha, no caso do seu enquadramento como gasto eleitoral.

Assim, diante da ausência de elementos no sentido da ocorrência de fraude, considero escorreita a escrituração da despesa na contabilidade anual do órgão partidário, motivo pelo qual deve ser considerada lícita a despesa, afastadas a suspensão das verbas do Fundo Partidário e a determinação de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

Por essas razões, concluo que a irregularidade deve ser afastada, restando apenas a falha concernente à arrecadação de receitas provenientes de fontes vedadas.

O apontamento remanescente, que abrange o importe de R$ 1.173,74, representa 10,2% dos recursos movimentados no exercício, a admitir a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para o fim de aprovar as contas com ressalvas.

Nesse sentido, colho os seguintes precedentes:

AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS. EXERCÍCIO DE 2012. DESAPROVAÇÃO. RECURSO DE FONTE VEDADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. VALOR IRRISÓRIO. SUSPENSÃO DE COTAS. FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO DO PARTIDO.

1. Autos recebidos no gabinete em 21/3/2017.

2. No caso, é possível aprovar com ressalvas as contas, em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois a soma de valores das falhas constatadas - R$ 47.277,35 - corresponde a aproximadamente 6,5% da receita, não comprometendo o controle financeiro pela Justiça Eleitoral. Precedentes.

3. Recurso especial parcialmente provido para aprovar com ressalvas as contas. Prejudicado o recurso do Parquet.

(TSE - RESPE: 724220136210000 Porto Alegre/RS 67842016, Relator: Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Data de Julgamento: 10.4.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 02.5.2017 - Página 99-102) (Grifei.)

AGRAVO NOS PRÓPRIOS AUTOS. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. PDT. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI Nº 9.096/95. AUTORIDADE PÚBLICA. OCUPANTES DE CARGO DE CHEFIA E DIREÇÃO. PRECEDENTES. PERCENTUAL DIMINUTO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO. APROVAÇÃO COM RESSALVA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL MANTIDA. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.

(TSE - AI: 865520156210000 Porto Alegre/RS 40712017, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 03.10.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 20.10.2017 - Página 77-81)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15) (Grifei.)

O juízo de aprovação, entretanto, não afasta o dever de recolhimento do valor recebido de forma ilícita. Isso porque a determinação não é uma penalidade ou efeito decorrente da desaprovação das contas, mas consequência específica e independente, consoante se extrai do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, a seguir transcrito:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Logo, embora as contas mereçam ser aprovadas com ressalvas, mantém-se a determinação do recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, restando prejudicada a preliminar de nulidade suscitada pelo Ministério Público Eleitoral.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas do PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de MARQUES DE SOUZA, relativas ao exercício financeiro de 2016, e reduzir a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, da quantia de R$ 1.173,74 (provenientes de fontes vedadas), nos termos da fundamentação.