RC - 1829 - Sessão: 21/08/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso criminal eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a decisão do Juízo da 35ª Zona Eleitoral – Pinheiro Machado-RS que rejeitou a denúncia oferecida contra JAIME IRAN FERNANDES LUCAS, na qual foi requerida a condenação do denunciado pela prática do delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral (falsidade ideológica para fins eleitorais), em razão da inserção de informação falsa em relação ao grau de instrução no requerimento de registro de candidatura nas eleições 2008 e 2016, em que declarou possuir formação em curso superior completo (fls. 83-85).

A denúncia foi rejeitada ao fundamento de atipicidade, uma vez que a declaração firmada, por não se tratar de documento suficiente para possibilitar o deferimento do registro de candidatura, não confere à conduta potencialidade lesiva, tampouco malfere a fé pública eleitoral.

Em suas razões, sustenta que o raciocínio argumentativo racionalizado na fundamentação é equivocado, porquanto possibilitaria que qualquer candidato inserisse no requerimento de registro de candidatura informações inverídicas, em franco desprestígio ao processo eleitoral. Assevera que o preenchimento das condições de elegibilidade não autorizam o falseamento das declarações prestadas à Justiça Eleitoral. Requer a reforma da decisão e o consequente recebimento da denúncia (fls. 90-92v.).

Em contrarrazões, JAIME IRAN FERNANDES LUCAS suscita a prejudicial de prescrição relativamente ao fato ocorrido em 12 de julho de 2008 e, no mérito, pugna pela manutenção da decisão que não recebeu a denúncia. Alega a existência de erro material, incapaz de ensejar a ocorrência de crime. Discute a respeito do alcance do conceito de conclusão do curso superior. Afirma que não houve a falsificação de documento, tampouco dano em relação ao seu teor, uma vez que a colação em grau superior não é condição de elegibilidade. Sustenta que as informações são irrelevantes para o pleito eleitoral. Informa que a apresentação do histórico escolar comprova a sua habilitação em todas as disciplinas oferecidas pelo curso. Invoca a ofensa aos princípios da insignificância, da culpabilidade, da ofensividade e da responsabilidade pessoal do agente. Postula a manutenção da decisão recorrida (fls. 98-112).

Nesta instância, os autos foram remetidos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, a fim de assegurar o recebimento da denúncia em relação ao fato ocorrido no ano de 2016, reconhecendo-se a prescrição da pretensão punitiva quanto ao fato ocorrido em 2008 (fls. 115-118v.).

É o relatório.

À douta revisão.

 

Des. Federal João Batista Pinto Silveira,

Relator

 

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço.

No mérito, o presente recurso envolve o delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral, que dispõe:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:
Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.
Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

Consoante se extrai do teor do dispositivo, o art. 350 do Código Eleitoral estabelece o crime de falsidade eleitoral, à semelhança da falsidade prevista no Código Penal, apenas com a presença específica da finalidade eleitoral.

Trata-se da prática de conduta consistente em omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa, para fins eleitorais.

A respeito das características estruturais do crime de falsidade ideológica eleitoral, leciona a doutrina (in STOCO, Rui. Legislação eleitoral interpretada: doutrina e jurisprudência / Rui Stoco, Leandro de Oliveira Stoco. - 4. ed. rev., atual. E ampl.- São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 712):

O crime em estudo é formal, ou seja, de mera conduta ou simples atividade, pois a norma não exige um resultado no mundo físico. Pode ser aplicado através de uma ação múltipla, prevendo três condutas possíveis, duas ativas e uma omissiva.
Mas, embora se cuide de delito formal, não se exigindo que da omissão de declaração em documento ou a inclusão nele de declaração falsa resulte em dano, não se pode deslembrar que a falsidade deve apresentar potencialidade lesiva, ou seja, o documento assim nascido deve ser apto a enganar ou confundir e, enfim, induzir a erro. É crime de perigo, ou seja, o falso deve ser idôneo para enganar.

Na situação em análise, a denúncia foi rejeitada ao fundamento de que as condutas praticadas não se revestiram de potencialidade lesiva, seja em razão de o grau de instrução superior completo não ser condição de elegibilidade, seja pelo fato de a informação declarada ser incapaz de atestar a alfabetização do denunciado, que demanda comprovação específica.

Em razões recursais, o Ministério Público Eleitoral afirma que o raciocínio que firmou a convicção do julgador permitiria aos pretendentes a condição de candidato falsear as informações prestadas à Justiça Eleitoral, sem que isso acarretasse qualquer consequência.

Também no sentido de reformar a decisão, a Procuradoria Regional Eleitoral argumenta que a publicização das informações prestadas por ocasião do registro de candidatura revela a potencialidade lesiva da conduta, capaz de induzir o eleitorado em equívoco quanto à pessoa do candidato.

Inicialmente, verifico que o documento juntado à fl. 64, emitido pela instituição de ensino, atesta que o denunciado não colou grau no curso superior declarado, não obstante tenha, de fato, frequentado a maioria das disciplinas no período informado.

Em que pese passível de reprimenda a informação não condizente com a realidade, pondero que ela não se reveste de gravidade o bastante para ensejar a severidade do seu enquadramento como crime, devendo reservar-se o direito penal à proteção subsidiária de bens tutelados, como última ratio posta à disposição no ordenamento jurídico.

Isso porque, sendo a mera declaração insuficiente para garantir o deferimento do registro da candidatura, não se verifica, pela sua ocorrência, violação ao processo eleitoral.

A título argumentativo, ainda que se considerasse a potencial lesividade ao processo eleitoral a partir do ânimo do denunciado de ludibriar os eleitores, como sustentado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, a intenção dolosa seria abrandada, pois não foi renovada informação inverídica sobre a escolaridade do candidato no decorrer do histórico de suas participações nos pleitos eleitorais.

Ademais, não se pode olvidar que, em que pese não tenha concluído o curso, o recorrido logrou demonstrar a sua aprovação na quase totalidade das disciplinas, a afastar a alegação de prejuízo ao eleitor, nesse particular.

Na linha da fundamentação exposta, colho precedentes do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e de outros Tribunais Regionais:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ART. 350 DO CE. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE BENS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE POTENCIAL LESIVO AOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA NORMA PENAL ELEITORAL. NÃO PROVIMENTO.

1. Segundo a orientação das Cortes Superiores, a caracterização do delito de falsidade ideológica exige que o documento no qual conste a informação falsa tenha sido "preparado para provar, por seu conteúdo, um fato juridicamente relevante", de modo que o fato de estarem as afirmações nele constantes submetidas à posterior averiguação afasta a possibilidade de ocorrer a falsidade intelectual (STF, RHC 43396, 1a Turma, Rei. Min. Evandro Lins, DJ 15.2.1967, STF, HC 85976, Rei. Min. Ellen Gracie, 2a Turma, DJ 24.2.2006).

2. Se o documento não tem força para provar, por si só, a afirmação nele constante - como ocorre na hipótese da declaração de bens oferecida por ocasião do pedido de registro de candidatura - não há lesão à fé pública, não havendo, assim, lesão ao bem jurídico tutelado, que impele ao reconhecimento de atipicidade da conduta descrita na inicial acusatória.

3. Ademais, ainda que se pudesse considerar a declaração de bens apresentada por ocasião do registro de candidatura à Justiça Eleitoral prova suficiente das informações nele constantes, haveria de ser afastada a ocorrência de potencial lesividade ao bem jurídico especificamente tutelado pelo art. 350 do Código Eleitoral, qual seja, a fé pública e a autenticidade dos documentos relacionados ao processo eleitoral, dado serem as informações constantes em tal título irrelevantes para o processo eleitoral em si (REspe 12.799/SP, Rei. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 19.9.97)

4. Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 36417, Acórdão de 18.3.2010, Relator Min. Felix Fischer, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 14.4.2010, Páginas 54/55) (Grifei.)

Ação penal originária. Deputado Estadual. Denúncia oferecida com fundamento no art. 350 do Código Eleitoral. Narração de omissão de cota-parte em sociedade empresária na declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral no pedido de registro de candidatura. Eleições de 2006.

Conduta atípica, desprovida de potencial lesivo ao bem jurídico tutelado pelo art. 350 do Código Eleitoral. Eventual omissão de bens na declaração apresentada no momento do registro de candidatura, em atendimento à exigência do art. 11, § 1o, IV, da Lei nº 9.504/1997, não configura o crime de falsidade ideológica eleitoral.

Precedente do TSE. A inserção de declaração patrimonial falsa no requerimento de registro de candidatura constituiria crime, não fosse o fato de a referida declaração de bens, apresentada à Justiça Eleitoral, não possuir força probante dos bens nela relacionados, força essa necessária à caracterização do delito de falso. Ainda que a declaração consistisse em documento comprobatório, por si só, dos bens nele descritos, não teria o condão de tornar inautênticos os documentos especificamente relacionados ao processo eleitoral.

Inabilidade para lesar a fé pública eleitoral, bem jurídico protegido pelo art. 350 do Código Eleitoral. Atipicidade da conduta. Inexistência de dolo específico. Ausência de justa causa para a deflagração de uma persecução penal com base na denúncia apresentada. Incidência, in casu, do disposto no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal. Denúncia rejeitada.

(AÇÃO PENAL n. 33414, Acórdão de 21.11.2013, Relator: Wander Paulo Marotta Moreira, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 04.12.2013) (Grifei.)

RECURSO CRIMINAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. DECLARAÇÃO FALSA. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA PARA O PROCESSO ELEITORAL. PROVIMENTO.

1- As informações constantes da declaração de bens, para fins de registro de candidatura, não se mostram relevantes para o processo eleitoral em si, e eventuais omissões existentes no referido documento não implicam a falsidade ideológica descrita no art. 350 do Código Eleitoral.

2- Ademais, a finalidade de uma declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral é a instrução dos pedidos de registros de candidaturas, podendo servir futuramente apenas como baliza para aferição do acréscimo patrimonial daquele que eventualmente virá a ocupar um cargo eletivo.

3- Nessa senda, o C. TSE tem se posicionado no sentido de que eventual omissão de bens na declaração apresentada no momento do registro de candidatura não configura o crime de falsidade ideológica eleitoral, capitulado no art. 350 do CE. 4- Recurso provido.

(TRE-PE - RC: 1051 PE, Relator: Roberto de Freitas Morais, Data de Julgamento: 06.5.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 84, Data 09.5.2014, Página 12) (Grifei.)

Petição. Preliminar. Eleições (2006). Registro de candidatura. Denúncia. Ação Penal. Crime eleitoral. Falsidade ideológica. Declaração patrimonial. Omissão de bens. Inocorrência.

1. Preliminar de inexistência de crime eleitoral em virtude da atipicidade da conduta em face da inexistência de dolo específico, que não se conhece por se confundir com o mérito;

2. O crime eleitoral de falsidade ideológica independe de resultado e requer o dolo específico para sua configuração, em face de exigir a finalidade de macular o processo eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral);

3. Comprovação de inexistência dos bens apontados na Denúncia e de não integrar o patrimônio do Denunciado, rejeitando-se a Denúncia.Vistos, etc ...

(TRE-PE - PET: 91790 PE, Relator: Saulo Fabianne de Melo Ferreira, Data de Julgamento: 03.8.2010, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 104, Data 30.9.2010, Página 6) (Grifei.)

Eleições 2008. Agravo de instrumento. Recurso especial. Crime eleitoral. Falsidade ideológica. Art. 353 do Código Eleitoral. Certificado de conclusão de ensino de primeiro grau falso.

1. Ao analisar as provas, o Tribunal Regional concluiu que o conjunto probatório trazido aos autos seria firme e robusto, sendo hábil a comprovar a conduta delituosa por meio da utilização de documento falso para fins eleitorais.

2. No que tange ao crime de uso de documento falso para fins eleitorais, "a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral exige o potencial para causar dano à fé pública" (REspe nº 28129, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJE 03.11.2009)"(REspe nº 368-37/MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14.4.2015).

3. No caso concreto, verifica-se não haver na espécie potencialidade lesiva, porquanto, no voto condutor, foi consignado depoimento de testemunha de defesa no qual expressamente declarou ter sido professora da recorrente em programa de alfabetização e que ela teria saído do curso sabendo ler e escrever. Assim, o documento não teve o condão de alterar verdade sobre fato juridicamente relevante, já que a candidata se encontrava alfabetizada no momento do requerimento de registro de candidatura.

4. Reformar a conclusão regional acerca da efetiva utilização de documento falso sem analisar as provas e os documentos constantes nos autos, se possível, demandaria o reexame de provas, o que não se admite em recurso especial. Todavia é possível o novo enquadramento jurídico com base na ausência de potencialidade lesiva e na consequente atipicidade, porquanto não se caracteriza o crime de uso de documento falso quando faltar a potencialidade de causar dano.

5. Recurso provido.

(TSE - RESPE: 51320126060006 Quixadá/CE 365012014, Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes, Data de Julgamento: 15.12.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 03.02.2016 - Páginas 89-95) (Grifei.)

Tecidas essas considerações, concluo que a informação declarada é irrelevante para o processo eleitoral em si, de modo que a narração fática não se amolda na figura delitiva invocada.

Logo, com fundamento no art. 358, inc. I, do Código Eleitoral, entendo que não merece reparos a decisão a quo, ao concluir acertadamente pela rejeição da denúncia.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a decisão recorrida.