RE - 32829 - Sessão: 18/07/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por RAUL FERNANDO COHEN (fls. 67-71v.), candidato ao cargo de vereador no Município de Porto Alegre, contra sentença do Juízo da 113ª Zona Eleitoral que (a) desaprovou suas contas relativas ao pleito de 2016, com fundamento no art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, devido à realização de dois depósitos em dinheiro na sua conta de campanha, no valor de R$ 1.500,00 cada, em violação ao disposto no respectivo art. 18, § 1º, e (b) determinou a devolução das doações realizadas (fls. 61-62).

Em suas razões, o recorrente arguiu tratar-se de mero erro formal, uma vez que os valores têm origem lícita e identificada, porquanto discriminados, nos extratos da conta bancária de campanha, os CPFs dos respectivos doadores. Aduziu que os recibos eleitorais passados aos doadores são documentos hábeis para comprovar a origem dos recursos. Afirmou, ainda, que o valor questionado é ínfimo e que não há sequer indício de má-fé por parte do candidato. Pugnou, por fim, pela aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para que as contas sejam aprovadas, ainda que com ressalvas, bem como seja afastado o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso, com a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (fls. 76-81v.).

É o relatório.

 

 

 

VOTO

Admissibilidade Recursal

A sentença foi publicada no DEJERS no dia 24.01.2018, quarta-feira (fl. 65 e v.), tendo sido protocolizada a petição recursal em 29.01.2018, segunda-feira (fl. 67).

Portanto, o recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Do mérito

Na questão de fundo, cuida-se de prestação de contas apresentada por RAUL FERNANDO COHEN, candidato ao cargo de vereador no pleito de 2016, no Município de Porto Alegre.

O juízo de primeiro grau desaprovou as contas em razão de irregularidade apontada pelo parecer técnico conclusivo (fls. 55-56), consistente no recebimento de duas doações advindas de pessoas físicas, efetuadas por meio de depósito em espécie, em valor superior a R$ 1.064,10, em contrariedade ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual assim dispõe:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

 

Como visto, a partir do patamar de R$ 1.064,10, o depósito deve ser realizado por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário.

A exigência normativa de que as doações de campanha sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação.

In casu, os extratos trazidos aos autos (fls. 7-8 e 32-35) demonstram que o candidato recebeu aporte financeiro, na forma de depósitos bancários em espécie na sua conta de campanha, no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) cada, em violação ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Assim, incontroverso que o candidato recebeu depósito, em dinheiro, em sua conta de campanha, acima do limite máximo fixado na Resolução TSE n. 23.463/15.

Incontestável, igualmente, que referido montante foi efetivamente utilizado na campanha, consoante se apura do extrato final da movimentação financeira da prestação de contas (fl. 5) e do parecer técnico exarado pelo examinador à origem (fls. 55-56).

O candidato informou que os depósitos foram realizados por Elson Furini – CPF n. 293.008.430-87 - e Ilmar José Tasca – CPF n. 316.117.530, aludindo ao comprovante bancário correspondente, à fl. 34, e aos recibos eleitorais acostados, por cópia, às fls. 51-52.

Contudo, não foi possível a identificação da origem mediata das doações, não tendo sido acostado elemento probatório nesse sentido, como ocorreria com a demonstração de que os recursos advieram, por exemplo, da conta-corrente das pessoas físicas doadoras em questão. Os documentos apresentados limitaram-se a confirmar, tão somente, a pessoa responsável pelos depósitos.

Ocorre que, na presente hipótese, os valores irregularmente arrecadados representam 10,11% do somatório de recursos financeiros auferidos (R$ 29.655,55). Nesse patamar, o percentual pode ser considerado irrelevante, pois tem essa característica aquele que se amolda dentro de 10% da movimentação da campanha, consoante jurisprudência sedimentada desta Corte e do TSE, como demonstram, exemplificativamente, as ementas dos seguintes julgados:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral nº 263242, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 202, Data 20/10/2016, Página 15) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2016. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO APÓS JUNTADA DO PARECER CONCLUSIVO. AFASTAMENTO. MÉRITO. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. DIVERGÊNCIA ENTRE A INFORMAÇÃO PRESTADA PELO CANDIDATO E A DECLARADA NA ESCRITURAÇÃO DO DOADOR. VALOR INEXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.
1. Preliminar de nulidade da sentença afastada. Não há infringência ao art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15 quando as falhas indicadas no parecer conclusivo foram anteriormente apontadas no relatório de exame sobre o qual o candidato foi intimado a se manifestar.
2. Mérito. Inconsistência entre o registro de doação estimável em dinheiro realizada pelo candidato ao cargo de prefeito e as informações lançadas na prestação de contas do recorrente, beneficiário do recurso.
3. Possibilidade de aprovação das contas com ressalvas, em consideração ao percentual da irregularidade. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE/RS – RE 373-33 – Rel. Dr. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES – J. Sessão de 9.5.2018) (Grifei.)

 

Logo, dentro desse contexto, tenho que as contas merecem ser aprovadas com ressalvas.

Passando à análise da determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor irregularmente arrecadado, no aspecto, tenho que o juízo de aprovação não a afasta.

É que, como visto, a quantia arrecadada em desacordo com a norma eleitoral foi integralmente utilizada na campanha.

Ainda, considerando que o recorrente não apresentou prova material capaz de firmar a autoria das doações, inviável convalidar a devolução da quantia aos pretensos doadores, em prejuízo do recolhimento ao Tesouro Nacional, uma vez que não há elementos comprobatórios que evidenciem a origem dos recursos.

Dessa forma, não configurando prejuízo ao candidato a alteração do destino do recolhimento, deve o montante total, com efeito, ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Tal determinação não traduz penalidade ou efeito decorrente da desaprovação das contas, mas uma consequência impositiva, específica e independente, que deriva da inobservância do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, como se extrai do seu § 3º, acima transcrito.

Colho o seguinte precedente deste Regional em caso análogo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. MATÉRIA PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. REDIRECIONAMENTO DO RECOLHIMENTO DO VALOR IMPUGNADO PARA O TESOURO NACIONAL. POSSIBILIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. REGULARIDADE DA INTIMAÇÃO REALIZADA POR MEIO DO MURAL ELETRÔNICO DA JUSTIÇA ELEITORAL. MÉRITO. INCONGRUÊNCIAS NO REGISTRO DAS DOAÇÕES RECEBIDAS. DEPÓSITO DIRETO. SOBRA DE CAMPANHA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Matéria preliminar. 1.1. Contas desaprovadas em primeiro grau em razão da existência de recursos de origem não identificada. Determinada a devolução do valor impugnado ao doador originário. Redirecionamento do comando para o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional. Superada a prefacial de nulidade da sentença. 1.2. Admissibilidade de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura puder sanar irregularidades e não houver necessidade de nova análise técnica. Situação dos autos. Documentação conhecida. 1.3. Regularidade das intimações relativas aos processos de prestação de contas, mediante Mural Eletrônico. Ferramenta disciplinada pelo art. 84, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Não acolhido o pedido de retorno dos autos para efeito de novo prazo para saneamento das

irregularidades.

2. Doações oriundas de outros prestadores, porém sem registro em suas respectivas prestações de contas. Irregularidade afastada, visto que consta, conforme consulta no site do Tribunal Superior Eleitoral, a anotação na contabilidade dos doadores. Constatada a veracidade das informações trazidas na escrituração do recorrente.

3. Arrecadação de montante aplicado na campanha, advinda de pessoa física, auferida de maneira diversa da transferência eletrônica, em infringência ao constante no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n.

23.463/15. Não demonstrada a autoria da doação, inviável a devolução da quantia ao pretenso doador. Quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional.

4. Comprovada a devolução ao órgão partidário de valor referente à sobra de campanha. Falha esclarecida.

5. Provimento negado.

(TRE-RS – RE 361-22 – Rel. DR. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN – J. Sessão de 13.12.2017) (Grifei.)

 

Na mesma senda os seguintes arestos:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITOS NA CONTA DE CAMPANHA. AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DE UMA DAS OPERAÇÕES. IDENTIFICAÇÃO DO CPF DO DOADOR. FALHA REMANESCENTE DE PERCENTUAL INEXPRESSIVO. APLICAÇÃO OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO DE VALOR AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. [...]

Inexistência de elemento probatório quanto à origem do outro depósito. Alegada utilização de recursos próprios sem, contudo, a demonstração efetiva da procedência da quantia envolvida. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral e deste Pleno no sentido de relevar as falhas que não representem elevado percentual frente a movimentação total, em torno de 10% dos recursos. Caso dos autos, visto que o valor da irregularidade abrange apenas 4,44% do somatório de recursos arrecadados. Aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Inconsistência que enseja somente ressalvas na escrituração. Manutenção do comando de recolhimento do valor ao Erário, pois a penalidade decorre da inobservância do dispositivo infringido na espécie e não do juízo de reprovação da contabilidade.

Provimento parcial.

(TRE/RS – RE 107-74 – Rel. DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL – J. Sessão de 18.12.2017) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. FALHAS. VALOR IRRISÓRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL.

TRANSFERÊNCIA DE SOBRAS DE CAMPANHA AO ÓRGÃO PARTIDÁRIO. AUSÊNCIA. PEDIDO. REFORMA. RAZÕES RECURSAIS. DESPROVIMENTO.

1. O provimento do recurso especial do candidato, para aprovar com ressalvas suas contas, em nada alterou o acórdão recorrido quanto à necessidade de devolução de valores ao Tesouro Nacional e de transferência de sobras de campanha ao órgão partidário (arts. 29 e 39, § 1º, da Res.-TSE 23.406/2014), não constando das razões recursais nenhum pedido de reforma a esse respeito.

2. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 430910, Acórdão, Relator Min. ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 25.5.2016) (Grifei.)

 

Outra não é a direção do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, do qual extraio a seguinte passagem (fls. 76-81v.):

[…] é dever do candidato abster-se de utilizar valores recebidos em desacordo com o disposto no art. 18 da Resolução TSE nº 23.463/2015, devendo restituí-los ao doador, salvo impossibilidade, caso em que deve se proceder ao recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, conforme o § 3º do citado artigo, in verbis:

[…]

Na hipótese de ter o candidato recebido e utilizado em campanha o recurso obtido em contrariedade à norma, não mais o socorre a opção de “restituição ao doador”, mesmo na hipótese de este ter sido identificado. A exegese é óbvia, Excelências.

A hipótese prevista no § 3º do art. 18 da Resolução 23.463/2015 é para as situações em que, uma vez identificada doação recebida em desacordo com o postulado no art. 18, mas sempre antes do candidato ter feito uso dela, permita-se a restituição do valor ao doador, na hipótese de identificação deste. Basta uma simples leitura da redação do preceptivo para tal conclusão, porquanto consta expressamente que: “As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas ”

É dizer, uma vez utilizada a quantia arrecadada de forma irregular, impossível a sua restituição ao doador, pois não mais disponível ao próprio candidato. Tal raciocínio ganha eco quando se procede à análise dos preceptivos já citados em conjunto com o art. 26 da mesma resolução. Verbis.

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos (sic) ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU). (Grifei.)

[...]

Portanto, embora pese o juízo de aprovação com ressalvas das contas, o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 18, § 3º, c/c art. 26, ambos da citada Resolução, é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto por RAUL FERNANDO COHEN, para aprovar com ressalvas as contas relativas ao pleito de 2016 em Porto Alegre, com fulcro no art. 68, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15, devendo o recolhimento da quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) ser destinada ao Tesouro Nacional.