RE - 12652 - Sessão: 28/09/2018 às 16:30

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por THIAGO GONÇALVES BRAGA DE QUADROS, concorrente ao cargo de vereador, contra sentença do Juízo da 113ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista as seguintes irregularidades: falta de demonstração de que o bem cedido para uso em campanha integra o patrimônio do doador; existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário; omissão de gastos eleitorais (fls. 97-98v.).

Em suas razões recursais (fls. 103-109), sustenta que apresentou documentos que comprovam a regularidade de doação do recurso estimado para a campanha. Alega que a despesa não foi registrada por equívoco, tendo sido devidamente esclarecida. Assevera que a decisão não aplicou os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Aduz a ausência de má-fé e a insignificância da irregularidade, que alcança um pouco mais de 1% do total de despesas da campanha. Colaciona precedentes jurisprudenciais do TSE. Requer a aprovação das contas, ainda que com ressalvas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 114-117).

É o breve relatório.

 

VOTO

No mérito, a sentença desaprovou as contas do candidato pelas seguintes razões: (a) falta de demonstração de que o bem cedido para uso em campanha integra o patrimônio do doador; (b) existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário; e (c) omissão de gastos eleitorais.

Passo à análise individualizada das irregularidades.

(a) Falta de demonstração de que o bem cedido para uso em campanha integra o patrimônio do doador:

Quanto à irregularidade identificada na doação de recursos estimáveis, o recorrente alega ter comprovado que o bem cedido para campanha integra o patrimônio do doador, razão pela qual reputa insubsistente o apontamento.

Ocorre que, analisando os autos, não se verifica qualquer demonstração documental nesse sentido. No ponto, cabe ressaltar que, ainda que a propriedade de bens móveis seja transmitida pela mera tradição, tratando-se de veículo automotor, a normatização vigente exige o registro do automóvel perante o órgão de trânsito.

Assim, concluo que o prestador não se desincumbiu de demonstrar a regularidade da aludida doação, conforme dispõe o art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 19. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

Entretanto, o art. 55, §3º da Resolução TSE n. 23.463/15 dispensa a comprovação de cessão de bens móveis limitada à quantia de R$ 4.000,00 por pessoa cedente, situação que se amolda no particular.

Em razão dessa disposição permissiva, afasto a irregularidade.

 

(b) Existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário:

A respeito das dívidas de campanha, o recorrente alega que adimpliu os débitos remanescentes.

O art. 27 da Resolução TSE n. 23.463/15 estabelece que a quitação de despesas de candidato não adimplidas até o prazo de apresentação das contas exige a assunção da dívida pelo partido político, por meio de decisão do órgão nacional de direção partidária.

Reproduzo o dispositivo:

Art. 27. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

§ 4º No caso do disposto no § 3º, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passa a responder solidariamente com o candidato por todas as dívidas, hipótese em que a existência do débito não pode ser considerada como causa para a rejeição das contas do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 4º).

§ 5º Os valores arrecadados para a quitação dos débitos de campanha a que se refere o § 2º devem, cumulativamente:

I - observar os requisitos da Lei nº 9.504/1997 quanto aos limites legais de doação e às fontes lícitas de arrecadação;

II - transitar necessariamente pela conta "Doações para Campanha" do partido político, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, excetuada a hipótese de pagamento das dívidas com recursos do Fundo Partidário;

III - constar da prestação de contas anual do partido político até a integral quitação dos débitos, conforme o cronograma de pagamento e quitação apresentado por ocasião da assunção da dívida.

§ 6º As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput devem ser comprovadas por documento fiscal hábil, idôneo ou por outro meio de prova permitido, emitido na data da realização da despesa.

§ 7º As dívidas de campanha contraídas diretamente pelos órgãos partidários não estão sujeitas à autorização da direção nacional prevista no § 3º e devem observar as exigências previstas nos §§ 5º e 6º. (Grifei.)

Na situação dos autos, os referidos pagamentos não foram realizados conforme dispõe a normatização regente, como bem ponderado pelo juízo a quo, ao ressaltar a impossibilidade de fiscalização dos recursos utilizados para a quitação das dívidas.

Salienta-se que a determinação de assunção de dívida por decisão do órgão nacional reflete a norma inserta no art. 29, §§3º e 4º, da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 29. Ao receber as prestações de contas e demais informações dos candidatos às eleições majoritárias e dos candidatos às eleições proporcionais que optarem por prestar contas por seu intermédio, os comitês deverão:

[...]

§ 3º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data de apresentação da prestação de contas poderão ser assumidos pelo partido político, por decisão do seu órgão nacional de direção partidária.

§ 4º No caso do disposto no § 3º, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o candidato, hipótese em que a existência do débito não poderá ser considerada como causa para a rejeição das contas.

A regra é de extrema relevância para a fiscalização da arrecadação do recurso que será utilizado para o custeio da despesa mesmo após as eleições, notadamente o pleno adimplemento da obrigação e o eventual uso de fontes de recursos proscritas em campanhas eleitorais.

Importa frisar que a irregularidade envolve a quantia de R$ 3.400,00, que representa 7,3% das despesas da campanha, sendo possível afastar o juízo de desaprovação das contas mediante a aplicação dos princípios da insignificância, da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

(c) omissão de gastos eleitorais:

No que se refere à falta de contabilização de despesa, o recorrente alega que, por equívoco, deixou de registrar na contabilidade o material gráfico contratado para campanha.

A respeito da elaboração e apresentação das contas, o art. 48, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.463/15 disciplina as informações sobre a movimentação de recursos eleitorais realizados pelo candidato que devem compor sua escrituração contábil, in verbis:

Art. 48. Ressalvado o disposto no art. 57, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta, cumulativamente:

I - pelas seguintes informações: (…)

g) receitas e despesas, especificadas;

Ocorre que a despesa envolve a quantia de R$ 500,00, que representa apenas 1,07% das despesas declaradas na contabilidade.

Por isso, mesmo que somada à irregularidade relativa às dívidas de campanha, ainda assim as falhas alcançariam apenas 8,37% dos gastos contabilizados, montante incapaz de prejudicar a fiscalização e a confiabilidade do conjunto das contas.

Nesse sentido, frisa-se que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral e esta Corte admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual diante da movimentação total, em torno de 10% dos recursos, desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a confiabilidade das contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão na contabilidade com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Páginas 48-49)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15)

 

Prestação de contas. Eleições 2010. Parecer conclusivo do órgão técnico deste TRE e manifestação ministerial pela desaprovação.

Arrecadação de recursos e realização de despesa sem o prévio trânsito pela conta bancária específica.

Pequeno valor da irregularidade assinalada, envolvendo quantia inferior a 10% da movimentação financeira de campanha. Falha que não compromete a regular fiscalização da demonstração contábil.

Aprovação com ressalvas.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 755276, Acórdão de 19.04.2011, Relator DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 067, Data 27.4.2011, Página 01)

Dessa forma, considerando o reduzido valor absoluto da irregularidade, a baixa repercussão diante do montante total de gastos e a evidência de boa-fé do prestador, as contas devem ser aprovadas com ressalvas.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas.