RE - 4696 - Sessão: 19/07/2018 às 17:00

RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso interposto por JOSÉ LUIZ MACHADO contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Zona Eleitoral de Porto Alegre (fls. 69-71 e 86), o qual julgou procedente a representação por doação de recursos acima do limite legal proposta pelo MPE, condenando-o ao pagamento de multa no valor de R$ 977,36 (novecentos e setenta e sete reais e trinta e seis centavos), correspondente a 100% da quantia doada em excesso, com fundamento no art. 23, §§ 1º e 3º, da Lei n. 9.504/97, com a redação dada pela Lei n. 13.488/17.

Em suas razões (fls. 74-81), o recorrente arguiu, preliminarmente, a decadência para a propositura da ação, por ter transcorrido o prazo de 180 dias da diplomação. Quanto ao mérito, sustentou que não houve lesão ao bem jurídico tutelado, sendo que a conduta supostamente ilícita carece de qualquer lesividade, de modo que postulou a aplicação do princípio da insignificância, à semelhança do que ocorre na matéria penal. Requereu, caso superada a prefacial, a reforma da sentença.

Apresentadas contrarrazões (fls. 84-85v.), nesta instância, os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou preliminarmente pela anulação da sentença e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, determinando-se, de ofício, a aplicação da sanção na redação original do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97 e, subsidiariamente, a manutenção da sentença (fls. 99-104v.).

Acompanham os autos documentos sigilosos, envelopados e armazenados na forma de “Anexo 1”.

É o relatório.

 

VOTO

 

Admissibilidade

O recorrente foi intimado da sentença em 26.3.18 (fl. 73) e o recurso interposto em 27.3.18 (fl. 74), dentro, portanto, do tríduo legal.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminar de decadência pelo recorrente

O recorrente requereu seja decretada a decadência da ação, em face da representação ter sido ajuizada após o prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da diplomação. Citou precedentes do Tribunal Superior Eleitoral (RESPE n. 36.552 e AgR-Resp. n. 399352.443).

O TSE, em razão da omissão da Lei n. 9.504/97 quanto ao prazo decadencial para o ajuizamento das representações por doação acima do limite (art. 23), entendeu viável a adoção do prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da diplomação, com fundamento no art. 32 da Lei n. 9.504/97 – o qual estabelece prazo para os candidatos e partidos políticos conservar a documentação concernente a suas contas – e editou a Súmula-TSE n. 21 no seguinte sentido:

Súmula-TSE n. 21. O prazo para ajuizamento da representação contra doação de campanha acima do limite legal é de 180 dias, contados da data da diplomação.

Todavia, a referida lacuna legislativa foi suprida com o advento da Lei n. 13.165/15, a qual acrescentou o art. 24-C à Lei n. 9.504/97, in verbis:

Art. 24-C. O limite de doação previsto no § 1º do art. 23 será apurado anualmente pelo Tribunal Superior Eleitoral e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

§ 1º O Tribunal Superior Eleitoral deverá consolidar as informações sobre as doações registradas até 31 de dezembro do exercício financeiro a ser apurado, considerando:

I - as prestações de contas anuais dos partidos políticos, entregues à Justiça Eleitoral até 30 de abril do ano subsequente ao da apuração, nos termos do art. 32 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995;

II - as prestações de contas dos candidatos às eleições ordinárias ou suplementares que tenham ocorrido no exercício financeiro a ser apurado.

§ 2º O Tribunal Superior Eleitoral, após a consolidação das informações sobre os valores doados e apurados, encaminha-las-á à Secretaria da Receita Federal do Brasil até 30 de maio do ano seguinte ao da apuração.

§ 3º A Secretaria da Receita Federal do Brasil fará o cruzamento dos valores doados com os rendimentos da pessoa física e, apurando indício de excesso, comunicará o fato, até 30 de julho do ano seguinte ao da apuração, ao Ministério Público Eleitoral, que poderá, até o final do exercício financeiro, apresentar representação com vistas à aplicação da penalidade prevista no art. 23 e de outras sanções que julgar cabíveis. (Grifei.)

Assim, a partir da Lei n. 13.165/15, encontra-se superado o entendimento invocado pelo recorrente, tendo o TSE, inclusive, procedido ao cancelamento da citada Súmula n. 21 (Ac.-TSE, de 10.5.2016, no PA n. 32345, publicado no DJE de 24, 27 e 28.6.2016).

Dessa forma, realizada a doação nas eleições de 2016 e tendo sido a representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral em 17.11.2017 – antes do final do exercício financeiro de 2017 –, foi respeitado o prazo previsto no art. 24-C, § 3º, da Lei n. 9.504/97, razão pela qual deve ser afastada a preliminar suscitada de decadência.

Preliminar de nulidade pela Procuradoria Regional Eleitoral

A Procuradoria Regional Eleitoral arguiu, preliminarmente, a nulidade da sentença ante a aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17. Argumentou que, no caso dos autos, a doação de campanha foi realizada em 2016, quando ainda vigente a redação original do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, devendo ser essa a norma aplicável aos fatos.

Efetivamente, adianto que inaplicável a retroatividade da Lei n. 13.488/17 – norma mais benéfica –, em relação aos fatos ocorridos antes da sua vigência, em homenagem aos princípios da segurança jurídica e da isonomia, conforme muito bem fundamentado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer (fls. 99-104v.).

No entanto, a adoção de entendimento diverso pelo juízo a quo não tem o condão de acarretar a nulidade da referida decisão.

Ademais, apenas o doador recorreu da sentença, de modo que a sua situação não pode ser agravada com a imposição ulterior da penalidade pelo julgador ad quem.

Assim, a ausência de irresignação pelo Ministério Público Eleitoral torna preclusa a matéria, haja vista o apelo ter por finalidade melhorar a situação do recorrente.

Portanto, diante da ausência de recurso pelo representante, deve ser afastada a preliminar de nulidade da sentença, sob pena de reformatio in pejus.

Mérito

Cuida-se de recurso interposto por JOSÉ LUIZ MACHADO contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Zona Eleitoral, o qual julgou procedente a representação por doação acima do limite legal subjacente, condenando-o ao pagamento de multa de R$ 977,36 (novecentos e setenta e sete reais e trinta e seis centavos) – correspondente a 100% do valor que teria excedido do permitido para doação (fls. 69-71 e 86) –, em descumprimento ao art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, com redação dada pela Lei n. 13.165/15, in verbis:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

[...]

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso. (Grifei.)

É incontroversa a doação realizada por JOSÉ LUIZ MACHADO, no montante de R$ 10.000,00, em favor de candidato no pleito de 2016.

Conforme declaração de rendimentos anuais do recorrente, observa-se que obteve renda bruta, no exercício de 2015, de R$ 90.226,44 (fl. 33 do Anexo 1), bem como que declarou a integralidade da mencionada doação (fl. 23 do Anexo 1).

Assim, considerado o percentual de 10% sobre os rendimentos brutos auferidos no exercício financeiro de 2015 (10% = R$ 9.022,64) e o valor da doação (R$ 10.000,00), apura-se a quantia de R$ 977,36 (novecentos e setenta e sete reais e trinta e seis centavos) em excesso ao limite previsto no art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Desse modo, identificada a doação acima do limite legal, impõe-se a aplicação da respectiva penalidade.

Conforme já adiantado por ocasião da análise da matéria preliminar, tratando-se de doação de campanha realizada em 2016, o juízo de primeiro grau deveria ter aplicado, na espécie, a sanção vigente à época dos fatos conforme a redação original do § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/97, que assim diz: “§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso”.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela aplicação, de ofício, da penalidade conforme redação original do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Todavia, note-se que apenas o doador recorreu. Desse modo, no caso concreto, há de ser mantido o valor, sob pena de ocorrência de reformatio in pejus.

Nesse sentido, trago à colação a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2006. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 70, DA LEI DAS ELEIÇÕES.

1. Detectada a incompatibilidade entre os fundamentos do acórdão embargado e o texto consignado na ementa, acolhem-se os embargos para adequá-la ao que realmente decidido por esta Corte, nos termos propostos no presente voto.

2. Os embargos de declaração não se prestam a promover novo julgamento da causa, devendo o inconformismo com o resultado da demanda ser objeto da seara recursal própria.

3. A vedação à reformatio in pejus impede que a situação do recorrente seja agravada, quando não interposto recurso da parte contrária.

4. Verificando-se a sucumbência e não tendo o interessado recorrido para buscar revertê-la, descabe a rediscussão da matéria em prol de quem abdicou da proteção jurisdicional no momento oportuno.

5. Embargos de Fernando Oliveira Santos rejeitados. Embargos do Ministério Público acolhidos apenas para sanar os vícios verificados na ementa, conforme proposto neste voto.

(TSE. Recurso Especial Eleitoral n. 5199363, Acórdão, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 03.10.2016.) (Grifei.)

Por fim, quanto à alegação de que não houve lesão ao bem jurídico tutelado, requerendo a aplicação do princípio da insignificância, melhor sorte não assiste ao recorrente.

O Tribunal Superior Eleitoral já se posicionou acerca da não incidência do princípio da insignificância quando constatado o excesso na doação, independentemente da quantia apurada:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. MULTA. MÍNIMO LEGAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. SÚMULA Nº 30/TSE. NÃO PROVIMENTO.

Histórico da demanda

1. Contra o juízo negativo de admissibilidade do recurso especial eleitoral que interpôs - em face de acórdão pelo qual negado provimento ao recurso eleitoral, mantida a multa por doação de campanha acima do limite legal -, manejou agravo de instrumento Ozéias Muniz.

2. Negado seguimento ao agravo, monocraticamente, nos termos da Súmula no 30/TSE, "inaplicável o princípio da insignificância em sede de representação por doação acima do limite legal, porquanto o ilícito se perfaz com mero extrapolamento, sendo irrelevante a quantia em excesso" (AgR-AI nº 1531/RJ, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 8.6.2017).

Do agravo regimental

3. O aresto regional está em consonância com a exegese desta Corte Superior. Constatado o excesso de doação, a fixação da multa é medida que se impõe, independente do montante doado. Não incide, portanto, o princípio da insignificância. Aplicação da Súmula nº 30/TSE.

4. Inadmissível a inovação de teses em sede de agravo regimental. Precedentes.

Conclusão

Agravo regimental conhecido e não provido.

(TSE. Agravo de Instrumento n. 2329, Acórdão, Relatora Min. ROSA WEBER, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data 02.02.2018, Página 288.) (Grifei.)

No mesmo sentido é o entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, cujo parecer transcrevo a seguir (fls. 99-104v.):

No que tange à invocação ao princípio da lesividade, não é possível seu emprego na seara eleitoral cível, em que se enquadra a sanção decorrente do excesso de doação para campanha eleitoral por parte de pessoa física, cujo juízo prévio quanto à gravidade da conduta, bem como dos parâmetros da sanção imposta, já fora feito pelo legislador quando da elaboração da regra aplicável, não restando espaço para o julgador deixar de aplicar a norma vigente ao tempo em que praticada a conduta ilícita, sob pena de permitirmos seja substituído o legislador pelo julgador na escolha de quais práticas sejam lícitas ou ilícitas, o que fere o princípio da separação dos poderes na forma com que definido pelo legislador constituinte.

Portanto, por todos os fundamentos acima delineados, a negativa de provimento ao recurso, com a confirmação da sentença na sua integralidade, é medida que se impõe.

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por JOSÉ LUIZ MACHADO, ao efeito de manter o valor da multa imposta de R$ 977,36 (novecentos e setenta e sete reais e trinta e seis centavos).