RE - 35087 - Sessão: 05/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por HENRY CICILIANI COSTA VENTURA, concorrente ao cargo de Vereador, contra sentença do Juízo da 113ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista irregularidade no tocante às sobras de campanha (fls. 54-55).

Em suas razões recursais (fls. 60-63v.), sustenta que a falha identificada é incapaz de macular a lisura e a transparência das contas. Alega que a quantia remanescente na conta bancária foi utilizada para compensar o cheque de n. 90004. Colaciona precedentes deste Tribunal e do Egrégio TSE. Assevera que a irregularidade corresponde a 1,76% dos recursos movimentados na campanha e invoca a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Requer a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas, ainda que com ressalvas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que suscitou, preliminarmente, a anulação da sentença para fins de imposição do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. No mérito, opinou pelo desprovimento do recurso e pela determinação, de ofício, da transferência, ao Tesouro Nacional, do valor de origem não identificada, no total de R$ 1.880,00, bem como o repasse, ao órgão partidário da circunscrição do pleito, das sobra de campanha de R$ 209,00 (fls. 67-79v.).

É o breve relatório.

 

VOTO

Preliminarmente, a Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que negou vigência à disposição contida no art. 26 da Resolução n. 23.463/15, que determina o recolhimento ao Tesouro de recursos provenientes de origem não identificada.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

Inicialmente, não se verifica na sentença recorrida a referida omissão de uma consequência legal, uma vez que a decisão sequer tangencia a questão da existência de valores de origem não identificada.

Ao contrário, a sentença desaprovou as contas em razão da irregularidade identificada no tocante ao processamento das sobras financeiras de campanha.

Por isso, para determinar-se o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional seria preciso alterar o fundamento da desaprovação das contas, o que somente é possível por meio de interposição de recurso pelo órgão ministerial.

A ausência de recurso por parte do Ministério Público de primeiro grau torna preclusa a pretensão de recolhimento do valor irregular. A determinação de tal medida nesta instância - à qual chegou a matéria por exclusivo recurso do prestador -atrairia a incidência da reformatio in pejus, efeito vedado pelo sistema processual.

Nesse sentido posicionou-se este Tribunal, em acórdãos dos quais se extraem as seguintes ementas:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. MÉRITO. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. INCONSISTÊNCIA ENTRE A INFORMAÇÃO PRESTADA PELO CANDIDATO E A DECLARADA NA ESCRITURAÇÃO DO DOADOR. INFORMAÇÃO RETIFICADA PELO DOADOR. BOA-FÉ. PROVIMENTO. APROVAÇÃO.

1. Preliminar de nulidade rejeitada. A sentença fundamentou a desaprovação nas divergências apontadas entre as doações registradas na contabilidade e as declaradas pelo doador, sem aventar a hipótese de existência de recurso de origem não identificada, razão pela qual não houve a alegada omissão na aplicação do disposto nos arts. 18 e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

2. Mérito. Inconsistência entre o registro de doação estimável em dinheiro realizada pelo candidato ao cargo de prefeito e as informações registradas na prestação de contas do recorrente, beneficiário do recurso. As informações foram retificadas pelo candidato ao cargo majoritário. Falha sanada. Aprovação das contas.

Provimento. (TRE/RS, RE 250-35, Rel. Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, julg em 26.4.2018.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. DIVERGÊNCIA ENTRE O ENTENDIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. NEGATIVA DE VIGÊNCIA A DISPOSITIVO LEGAL NÃO CARACTERIZADA. MÉRITO. FALTA DE APRESENTAÇÃO DOS EXTRATOS BANCÁRIOS DE TODO O PERÍODO DA CAMPANHA. FALHA SANADA. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. AUSÊNCIA DO TERMO DE CESSÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. OMISSÃO DOS DADOS REFERENTES AO BEM. PREJUÍZO À TRANSPARÊNCIA DAS CONTAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. Divergência do órgão ministerial com a interpretação jurídica dos fatos realizada em primeiro grau, não havendo omissão quanto ao comando suscitado. A sentença afastou o apontamento de origem não identificada e desaprovou as contas por fundamento diverso da caracterização de ofensa ao art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15. Negativa de vigência e nulidade não caracterizadas.

2. A ausência dos extratos bancários contemplando todo o período de campanha é causa para desaprovação das contas, por infringência ao art. 48, inc. II, “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15. Irregularidade sanada, entretanto, pela juntada dos documentos integrais.

3. O uso de bens móveis cedidos por terceiros deve ser registrado na prestação de contas como doação estimável em dinheiro, nos termos do art. 18, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15. Mecanismo indispensável para a transparência e controle da origem dos bens e valores empregados na campanha. Utilização de veículo em prol da campanha do prestador sem a juntada do termo de cessão aos autos. Impossibilidade da apresentação do documento comprobatório em razão do falecimento do cedente. Inexistência de qualquer informação a respeito do automóvel utilizado. Omissão dos dados do bem, como placas ou modelo, bem como da indicação do proprietário e do valor estimado da cessão. Prejuízo à confiança da escrituração contábil. Irregularidade grave.

Desprovimento. (TRE/RS, RE 770-10, Rel. Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, julg em 21.11.2017.)

Do exposto, máxime frente à ausência do manejo recursal pelo Ministério Público, reconhecida a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica do recorrente, afasto a preliminar de nulidade da sentença e a pretensão de recolhimento da quantia irregular, de ofício, nesta instância.

No mérito, a sentença desaprovou as contas do candidato em razão da falha identificada no tocante às sobras de campanha.

Em sua defesa, o recorrente alega que a quantia foi utilizada para o pagamento da cártula de n. 90004, pendente de compensação, razão pela qual entende insubsistente o apontamento.

De fato, analisando os autos, observa-se que, por ocasião da entrega da contabilidade, constou da conta bancária do candidato a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados no montante de R$ 209,00, constituindo sobras de campanha, nos termos do art. 46, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Por isso, as quantias remanescentes deveriam seguir a sorte do procedimento indicado no art. 46, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que dispõe:

Art. 46. Constituem sobras de campanha:

[...]

§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º O comprovante de transferência das sobras de campanha deve ser juntado à prestação de contas do responsável pelo recolhimento, sem prejuízo dos respectivos lançamentos na contabilidade do partido.

§ 3º As sobras financeiras de recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser transferidas para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza.

§ 4º As sobras financeiras de origem diversa da prevista no § 2° devem ser depositadas na conta bancária do partido destinada à movimentação de “Outros Recursos”, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos.

Eventuais valores não adimplidos seriam contabilizados como dívida de campanha, observado o procedimento previsto no art. 27, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Todavia, pondero que a irregularidade alcança apenas 1,76% dos recursos contabilizados, montante incapaz de prejudicar a fiscalização e confiabilidade do conjunto das contas.

Ressalta-se que o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral e esta Corte admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual frente à movimentação total, em torno de 10% dos recursos, desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a correção das contas, tolerando-se inconsistências de pouca repercussão na contabilidade com fundamento nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento nº 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Páginas 48-49.)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral nº 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15)

Prestação de contas. Eleições 2010. Parecer conclusivo do órgão técnico deste TRE e manifestação ministerial pela desaprovação.

Arrecadação de recursos e realização de despesa sem o prévio trânsito pela conta bancária específica.

Pequeno valor da irregularidade assinalada, envolvendo quantia inferior a 10% da movimentação financeira de campanha. Falha que não compromete a regular fiscalização da demonstração contábil.

Aprovação com ressalvas.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral nº 755276, Acórdão de 19.04.2011, Relator DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 067, Data 27.04.2011, Página 01.)

Dessa forma, considerando o reduzido valor absoluto da irregularidade, a baixa repercussão frente ao total de gastos e a evidência de boa-fé do prestador, as contas devem ser aprovadas com ressalvas.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas.