RE - 32238 - Sessão: 02/08/2018 às 15:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por EDISON BARALDI MACHADO, candidato não eleito ao cargo de Prefeito de Campo Novo nas eleições 2016, contra a sentença (fls. 549-566) que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada em desfavor de ANTONIO SARTORI, reeleito Prefeito de Campo Novo, e de ILIANDRO CESAR WELTER, Vice-Prefeito eleito no referido pleito.

Em suas razões (fls. 571-585v.), alega ter sido comprovado que a administração pública emprestou um trator agrícola, no período de 22.8.2016 a 1º.9.2016, para Paulo Tengaten, com finalidade de obtenção de apoio eleitoral em prol dos candidatos recorridos, tendo permanecido à sua disposição por mais de 10 dias, cerca de 35 horas. Afirma que o equipamento foi retirado do pátio da Divisão de Obras municipal pelo genro do beneficiado e operado por seus empregados "como que fosse seu", em manifesto favorecimento eleitoral às vésperas do pleito. Invoca o § 10 do art. 73 da Lei das Eleições, ressaltando que o eleitor comprovou o pagamento pelo empréstimo do equipamento na quantia de R$ 215,38, correspondentes a apenas 7h30min de uso do bem. Refere que, apenas após o ajuizamento da presente ação, o valor foi complementado, por tempo maior, quando foi recolhida a importância de R$ 761,12, totalizando-se R$ 976,50 a contraprestação paga pelo eleitor. Discorre sobre a prova testemunhal e a legislação administrativa que rege a cedência de máquinas pertencentes à Patrulha Agrícola do município, assentando que foi comprovada a prática de corrupção eleitoral. Requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença recorrida.

Com contrarrazões (fls. 590-598), os autos foram remetidos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 604-611v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

No mérito, o recorrente alega que o candidato à reeleição como Prefeito de Campo Novo, Antonio Sartori, aproveitando-se de sua influência política e do uso de recursos públicos, violou a isonomia no processo eleitoral em proveito próprio, mediante cedência de máquina agrícola ao eleitor Paulo Tengaten, sem a cobrança regular das taxas previstas no Decreto Municipal n. 51/15 e na Lei Municipal n. 1.852/08.

A decisão de improcedência da ação, por sua vez, fundamenta-se nos seguintes fatos:

a) ausência de cedência gratuita do bem, em virtude do pagamento prévio pelo uso, conforme reconhece a inicial, ainda que em valor menor do que o devido;

b) comprovação de que a municipalidade tem por prática a cobrança prévia de taxa relativa à estimativa de horas de uso, relegando para momento posterior a complementação do valor;

c) comprovação de que a administração municipal notificou o eleitor beneficiado para que ele integralizasse a importância devida;

d) adequação da cedência às disposições regulamentares relativas ao tamanho do terreno e à necessidade do maquinário;

e) possibilidade de extensão do período inicial da cedência do maquinário;

f) possibilidade de empréstimo dos equipamentos mesmo na ausência de utilidade pública ou de emergência;

i) insuficiência de provas e irrelevância da insurgência quanto a quem realmente operou o maquinário;

j) falta de provas do alegado proveito eleitoral.

Analisando a prova dos autos, entendo que a sentença merece ser mantida.

A Lei n. 9.504/97 traz capítulo específico sobre as condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, na formulação trazida nos arts. 73 a 78, trazendo à inicial fato que se enquadraria no art. 73, § 10, a seguir transcrito:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

§ 10 No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Rodrigo López Zilio traz a seguinte lição sobre as condutas vedadas aos agentes públicos:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu). (...)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito. As hipóteses relativas às condutas vedadas são taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 24795, Relator Luiz Carlos Madeira).

No caso específico do § 10, assim expõe o mencionado autor (ob. cit., pp. 544-545):

O bem, valor ou benefício a ser distribuído gratuitamente, em regra, sempre proporciona um proveito, sendo elementar o estabelecimento de uma relação de gratidão do beneficiário, seus familiares e dependentes com o benfeitor, criando-se um vínculo que torna exigível, a qualquer momento, a satisfação do favor realizado. Se a distribuição gratuita de qualquer bem, valor ou benefício é realizada somente a partir do ano eleitoral, o legislador estabelece uma presunção objetiva de quebra da paridade entre os candidatos, fundamentalmente porque é regra da experiência comum que a retribuição do favor recebido – seja através de bem, valor ou benefício – é concretizada através do voto destinado à quem proporcionou a distribuição ou outrem por ele indicado. Conforme o TSE, a conduta vedada do art. 73, §10º, da LE resta configurada “ainda que a distribuição de bens não tenha caráter eleitoreiro” (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 12.165 – Rel. Arnaldo Versiani – j. 19.08.2010)

A justificativa legal da conduta vedada pelo art. 73, §10º, da LE passa por uma análise da ação administrativa realizada durante todo o mandato exercido. Assim, o legislador preceitua que é ilícita a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios que ocorra a partir do ano eleitoral, mas ressalva os casos derivados de situações excepcionais (calamidade pública e estado de emergência) e as ações preexistentes (programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior). A exceção da situação excepcional guarda justificativa na necessidade de prestar pronta assistência ao corpo social atingido pela calamidade pública e estado de emergência, sob pena de frustração do fim básico do Estado – que é o bem-comum geral. A ressalva para os programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior demonstra que o legislador dispensa tratamento diferenciado ao administrador que possui um plano de governo de médio e longo prazo, em cujo projeto se inclui a prestação de serviços assistenciais aos necessitados, do administrador desprovido de uma estratégia governamental minimamente duradoura e que privilegia ações imediatistas, ao sabor da variabilidade das circunstâncias.

A incidência do §10 do art. 73 da LE traz à baila um conflito aparente entre o princípio da continuidade administrativa e princípios basilares do Direito Eleitoral (isonomia de oportunidade entre os candidatos e normalidade e legitimidade do pleito). Neste diapasão, é lícito sustentar que o princípio da continuidade administrativa, de fundamental importância para a autonomia gerencial do ente público, continua subsistindo em sua inteireza, até mesmo porque prestigiado pelo constituinte que admitiu a possibilidade de reeleição para o Poder Executivo, por um período subsequente, sem necessidade de desincompatibilização (art. 14, §5º, da CF). Deste modo, as restrições impostas ao administrador público na esfera eleitoral devem coexistir, em harmonia, com as regras de administração pública, não podendo – sem justo motivo – haver a paralisação ou modificação de execução (seja quantitativa ou qualitativa) na prestação dos serviços públicos, com prejuízo à coletividade. Configura-se como justo motivo – para restringir, em ano eleitoral, a distribuição de bens, valores e benefícios pela administração pública – a quebra do princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos ou, ainda, a perturbação da normalidade do pleito. Com base em tal premissa, aliás, o legislador estabeleceu condicionantes básicas para a continuidade de determinados atos administrativos, através da distribuição gratuita de bens, valores e benefícios, exigindo autorização legal, com programa em execução orçamentária no exercício anterior ou a comprovação da situação de excepcionalidade. Diante da aparente antinomia principiológica das regras, incumbe ao intérprete reconhecer a vigência do princípio da continuidade administrativa, mesmo no período eleitoral, já que a prestação do serviço público deve ser perene e, ao mesmo tempo, buscar a preservação dos princípios do Direito Eleitoral. Não é possível, ainda que sob o pretexto da continuidade administrativa, permitir a quebra na paridade entre os candidatos ou qualquer deturpação na legitimidade do pleito, porquanto é função basilar do Direito Eleitoral a preservação da higidez da manifestação de vontade do corpo eleitoral. Contudo, exige-se prudência na exegese da norma legal, sob pena de causar um indesejável engessamento da máquina pública, com prejuízo à coletividade.

Sobre o referido dispositivo, José Jairo Gomes explica (Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. Editora Atlas, 2012, São Paulo, p. 545):

Claro está que a regra é a proibição de distribuição. Em ano eleitoral, a Administração Pública só pode distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios se ocorrer alguma das hipóteses legais específicas, a saber: calamidade pública, estado de emergência ou existência de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. Ainda assim, o artigo 73, IV, da Lei nº 9.504.97 veda o uso político-promocional dessa distribuição, que deve ocorrer de maneira normal e costumeira.

A última das hipóteses permissivas pressupõe a existência de política pública específica, em execução desde o exercício anterior, ou seja, já antes do ano eleitoral. Quer-se evitar a manipulação dos eleitores pelo uso de programas oportunistas, que, apenas para atender circunstâncias políticas do momento, lançam mão do infortúnio alheio como tática deplorável para obtenção de sucesso nas urnas. Por isso mesmo, proíbe o § 11 do artigo 73 da LE que, em ano eleitoral, programas sociais sejam, “executados por entidade nominalmente vinculada a candidatado ou por esse mantida”.

Traçadas essas premissas, consigno que não há como compreender na qualidade de tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos no pleito a conduta de ceder, a título oneroso, a um único eleitor, por cerca de dez dias, uma máquina agrícola pertencente à administração municipal.

Ademais, na hipótese dos autos, tanto na petição inicial quanto na peça recursal, o recorrente confirma que a prefeitura cobrou, previamente, um valor, referente à taxa pela utilização do equipamento público, não se comprovando a tese de que houve distribuição gratuita de bens a eleitor, conforme apontam os documentos das fls. 49-51.

Não verifico, no fato de o valor inicialmente recolhido ter sido posteriormente complementado, a finalidade eleitoral da cedência do bem, circunstância indispensável ao juízo de procedência da ação.

Além disso, os recorridos lograram demonstrar que, em data anterior ao ajuizamento da ação (fls. 53-54), notificaram o eleitor sobre o valor remanescente devido, não havendo nenhum indício de que os documentos foram produzidos de forma fraudulenta.

Entendo que a ausência de provas da finalidade eleitoral e do benefício político dos recorridos com o fato em questão torna desnecessária que esta Justiça Especializada investigue a adequação da cedência em tela com a legislação municipal que regulamenta a matéria, especificamente quanto às pessoas que efetivamente operaram o trator em questão.

Ainda que demonstrada a existência de norma prevendo o empréstimo de equipamentos agrícolas somente na hipótese de utilidade pública ou de emergência, a falta de comprovação da influência do fato no processo eleitoral, na igualdade entre os candidatos e na legitimidade do pleito evidencia que a questão deve ser tratada na seara administrativa.

O cenário posto nos autos não revela, de forma suficiente, que tenham os recorridos praticado conduta vedada ou abuso de poder, ressaltando-se que, de acordo com o inc. XVI do art. 22 da LC n. 64/90, para o juízo condenatório é indispensável a prova da gravidade das circunstâncias que caracterizam o abuso.

Concluo, assim, pela ausência da devida demonstração de que os recorridos tenham agido com abuso, na forma de mau uso de recursos detidos ou controlados pelo poder público, com vistas a exercer influência na disputa eleitoral em curso no Município de Campo Novo, merecendo ser mantida a sentença recorrida.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.