RC - 10641 - Sessão: 26/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LUCAS HENRIQUE ESTEVES MACHADO e CAMILA DE OLIVEIRA ROSA contra decisão do Juízo Eleitoral da 173ª ZE, que julgou procedente a denúncia oferecida para condenar os réus nas sanções do delito de “boca de urna”, previsto no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, pelo fato assim descrito na peça acusatória:

No dia 12 de março de 2017, por volta das 10h10min, na Rua Gaspar Lemos, 82, Gravataí/RS, os denunciados LUCAS HENRIQUE ESTEVES MACHADO e CAMILA DE OLIVEIRA ROSA, em comunhão de esforços e vontades, arregimentaram eleitor e efetuaram boca de urna no dia da eleição suplementar para Prefeito Municipal de Gravataí.

Na ocasião, os denunciados, nas proximidades da Escola Estadual de Ensino Médio Ponche Verde, local onde estavam instaladas diversas seções eleitorais, aproveitando-se da intensa precipitação pluviométrica que acometeu a região, foram flagrados conduzindo eleitores com um guarda-chuva até o local de votação, com o objetivo de influir no voto de tais eleitores.

A denúncia foi recebida no dia 13.6.17 (fl. 33).

Os acusados ofereceram defesa (fls. 48-49) e foram interrogados em 7.11.17 (fls. 87 e 88, mesma ocasião da oitiva da testemunha indicada pela acusação, fl. 86)

Vieram alegações finais do Ministério Público Eleitoral (fls. 93-96) e dos acusados (fls. 106-109).

Na sentença (fls. 111-113), o juízo considerou demonstrada a materialidade do delito, e condenou: (1) o réu LUCAS HENRIQUE à pena de detenção pelo período de seis meses e quinze dias, convertida em prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e pena de multa, no valor de cinco mil UFIR, a ser atualizado monetariamente; (2) a ré CAMILA à pena de detenção pelo período de seis meses, convertida em prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e pena de multa, no valor de cinco mil UFIR.

Irresignados, os réus apresentaram recurso eleitoral (fls. 123-129), posicionando-se pela inocência e pela inocorrência do cometimento de ilícito penal. Invocam jurisprudência que entendem pertinente ao caso e trazem considerações sobre os fatos ocorridos. Requerem o recebimento do recurso e a absolvição, bem como a atribuição de efeito suspensivo à decisão recorrida.

Contrarrazões do Ministério Público Eleitoral, fls. 131-133.

Nesta instância (fls. 144-145), a Procuradoria Regional Eleitoral entende que o recurso foi apresentado intempestivamente, circunstância que não prejudica, contudo, a verificação de nulidade parcial da ação penal, por não ter sido oportunizada a oitiva de testemunha arrolada pela defesa.

É o relatório.

À douta revisão.

 

VOTO

O recurso é manifestamente intempestivo. Os recorrentes foram intimados no dia 27.3.2018, terça-feira, conforme as fls. 136 e 138, de forma que o término do prazo para interposição ocorreu em 06.4.2018, sexta-feira, iniciado que foi em 28.3.2018, quarta-feira. O recurso criminal foi apresentado em 13.4.2018, sexta-feira posterior àquela em que ocorreu o final do prazo de 10 (dez) dias do art. 362 do Código Eleitoral.

O recurso não pode, portanto, ser conhecido.

Contudo, e alinhado ao posicionamento exarado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, entendo caber a análise das matérias de ordem pública.

Em primeiro lugar, inexiste prescrição. Os períodos transcorridos entre o recebimento da denúncia, 13.6.2017 (fl. 33), e a publicação da sentença, 07.3.2018, e entre este último ato processual e a data de hoje, são sempre inferiores a 3 (três) anos, prazo de prescrição aludido pelo art. 109, inc. VI, do Código Penal.

Na sequência, a recusa à oferta de suspensão condicional do processo, em oportunidade na qual o advogado dos réus não se fazia presente, não importa em nulidade no caso sob exame porque o defensor, posteriormente constituído, ratificou a opção pelo prosseguimento da ação penal, conforme consta na fl. 49 dos autos, nos seguintes termos:

Por este motivo não aceitaram realizar a transação penal, uma vez que há inclusive prova testemunhal de que foram de fato confundidos com outras pessoas (fotos em anexo) e nome de 02 testemunhas que comprovam que houve erro quanto as pessoas, retidas no local bem como que os réus não estavam fazendo qualquer ato que configura boca de urna.

Todavia, exatamente desse trecho da manifestação surge também o terceiro item cujo conhecimento de ofício se impõe, o qual se relaciona com a nulidade da ação penal.

Explico.

Os réus arrolaram uma testemunha para oitiva, ainda que de forma extemporânea – após o decêndio legal.

Contudo, a d. Magistrada, em despacho constante na fl. 59, entendeu que a “defesa foi apresentada fora do prazo” e designou data tão somente para a oitiva da testemunha arrolada pelo Ministério Público Eleitoral.

Todavia, e conforme o art. 396-A, § 2º, do Código de Processo Penal, há absoluta obrigatoriedade de apresentação da peça defensiva prévia, cabendo ao Juízo, no caso de o prazo transcorrer in albis, constituir defensor para que proceda à defesa técnica:

Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 1o A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 2o Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Note-se que Superior Tribunal de Justiça já asseverou: “não constitui nulidade a nomeação de defensor público para a apresentação de resposta à acusação quando o advogado constituído não o faz” (STJ. Habeas Corpus n. 153.718-RJ, 5ª Turma, Relatora Min. Laurita Vaz, julgado em 27.3.2012, DJ de 3.4.2012).

Lembro que os réus foram condenados e recorrem da decisão, circunstância que demonstra, por si só, a existência de prejuízo pela não realização da oitiva pleiteada.

Nessa linha, as considerações do d. Procurador Regional Eleitoral, “resta evidente o prejuízo decorrente da não aplicação daquele dispositivo legal, o qual, no caso dos autos, tornar-se-ia efetivo mediante a simples admissão da peça defensiva com os efeitos decorrentes (tempestividade do arrolamento da testemunha)”.

Portanto, se era permitido ao juízo nomear defensor público após o transcurso do prazo, ainda que os réus já possuíssem patrocínio técnico, cabia admitir a oitiva da testemunha, ainda que extemporânea, sob pena de nulidade parcial da ação penal.

Na doutrina de Pacelli e Fischer (2013), também citada no parecer, a apresentação de defesa prévia trata-se de “hipótese de nulidade absoluta, porque relacionada diretamente com a (não) realização (efetiva) de procedimento intrinsecamente relacionado com a ampla defesa” (Comentários ao CPP e sua jurisprudência, 5ª Ed. Atlas. São Paulo, 2013, p. 846).

Insta salientar, apenas a título de desfecho, a especial atenção a ser dada aos prazos dos processos penais – neste feito, defesa prévia e recurso foram apresentados extemporaneamente.

Diante do exposto, VOTO pelo não conhecimento do recurso, por intempestivo e, de ofício, para declarar a parcial nulidade da ação e determinar a devolução dos autos ao juízo de origem, a fim de oportunizar a oitiva da testemunha arrolada pela defesa, repetindo-se os atos subsequentes  – interrogatório dos réus, alegações finais e sentença.