RE - 30686 - Sessão: 19/07/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por SERGIO LUIZ FERNANDES DA ROSA e ALTAMIR ASTROGILDO MACHADO em face da sentença do Juízo da 10ª Zona Eleitoral que desaprovou (fls. 105-107), nos termos do art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, a prestação de contas referente à campanha eleitoral para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Novo Cabrais em 2016. A desaprovação decorreu do recebimento de doação no valor de R$ 7.200,00 (sete mil e duzentos reais) sem a observância da transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do respectivo beneficiário, em infringência ao disposto no art. 18, § 1º, da já mencionada Resolução.

Em suas razões (fls. 129-134), os candidatos aduzem que Sérgio Luiz Fernandes realizou depósito em desacordo com a forma prevista no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, por desconhecimento. Sustentam que Sérgio possui renda compatível com o valor da doação, porquanto anteriormente havia vendido uma máquina colheitadeira pelo montante de R$ 20.000,00. Alegam tratar-se de mero erro formal, devendo-se aplicar o princípio da proporcionalidade. Solicitam conhecimento e posterior provimento do recurso, a fim de reformar a sentença para aprovar as contas.

O Ministério Público Eleitoral não apresentou contrarrazões.

Nesta instância, os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou (fls. 149-155) pela parcial reforma da sentença, para, mantendo a desaprovação das contas, determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 7.200,00.

É o breve relatório.

 

VOTO 

Preliminarmente, analiso a questão da tempestividade do recurso.

O advogado do prestador de contas foi intimado da sentença em 17.11.2017 e o recurso foi recebido em cartório no tríduo legal, em 22.11.2017, via fac-símile, sendo subscrito por advogada para a qual foram substabelecidos os poderes, com reserva, conforme instrumento que acompanhou a peça recursal. No prazo de cinco dias prescrito pelo art. 2º da Lei n. 9.800/99 (dia 27.11.2017), foi a via original do recurso protocolizada em cartório, porém assinada por uma terceira advogada, a qual, na ocasião, juntou cópia de substabelecimento em seu favor, também com reserva. Este substabelecimento foi posteriormente assinado digitalmente e encaminhado por petição eletrônica ao cartório, no dia 22.01.2018.

Verifica-se, portanto, que o recurso foi interposto por advogado que se encontra constituído nos autos, não tendo o Ministério Público Eleitoral arguido qualquer nulidade. Ao contrário, pronunciou-se assim o ilustre Procurador Regional Eleitoral:

A sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul em 17-11-2017, sexta-feira, (fl.110) e o recurso foi interposto em 22-11-2017, quarta-feira, (fl.111), por meio de fac-símile, tendo o original sido apresentado 05 (cinco) dias depois (fls.120-126) de acordo com o prazo estabelecido no art. 2º da Lei nº 9.800/99.

O recurso original (fls.120-125) foi assinado pela procuradora Alana Seckler de Moraes, a qual foi substabelecida com reserva (fl. 126) pela procuradora Adaiana Gomes, que também foi substabelecida com reserva pelo procurador Marco Antônio Iser (fls. 12, 48 e 117), a quem, inicialmente, foram outorgados poderes de representação processual pelos candidatos. Assim, não se vislumbra irregularidades na representação processual da parte recorrente.

Tempestivo o recurso e regular a representação processual, passa-se à análise do mérito.

Assim, sendo tempestivo, deve ser conhecido o recurso.

No mérito, as teses da defesa não merecem prosperar. O parecer técnico conclusivo (fls. 99-101) identificou irregularidades relativas à forma de arrecadação de recursos financeiros pelos candidatos, que, a despeito da obrigatoriedade de realização de transferência eletrônica, foi efetuada por meio de depósito em espécie, infringindo o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, in verbis:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

Nesse ponto, impende salientar que não merece prosperar a alegação de que tal falha se constitui em exigência meramente burocrática. A obrigatoriedade de transferência eletrônica entre contas é um dos meios mais eficazes de que dispõe a Justiça Eleitoral para analisar a legalidade da arrecadação de recursos para campanha. O desconhecimento de tal exigência pelo prestador de contas não o exime de responsabilidade, na medida em que é seu dever observar a legislação eleitoral.

Entrementes, ressalvo que o recorrente poderia firmar a verossimilhança de suas alegações a partir da demonstração da origem da doação. Cito a juntada, por exemplo, de extratos da conta-corrente particular com a retirada da referida importância na mesma data, o que não se verificou.

Malgrado tenha comprovado a capacidade financeira para realizar a contribuição de campanha, porquanto carreou aos autos documentação relacionada à venda de máquina colheitadeira por R$ 20.000,00 (fl. 38), esta deu-se no dia 04.8.2016, ou seja, 26 dias antes da doação, ocorrida em 30.8.2016.

Assim, o recorrente não logrou demonstrar que o valor da venda do referido maquinário agrícola tenha sido recebido em espécie, o que seria pouco usual, não sendo crível que tal parcela significativa tenha sido mantida consigo, sem o trânsito por conta bancária, por período próximo a um mês, e, então, alocado em sua campanha eleitoral.

Em relação a tal cenário, esta Corte já se posicionou pela desaprovação das contas:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. ACOLHIMENTO. CONTAS DESAPROVADAS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegação de omissão e de contradição no acórdão que, por maioria, aprovou as contas de candidato.

2. Omissão no exame da origem da quantia depositada em espécie, R$ 6.050,00, sem a transferência eletrônica exigida para valor igual ou superior a R$ 1.064,10. Acolhimento.

A decisão colegiada procedeu à análise da origem dos recursos impugnados por meio da apreciação dos comprovantes de depósito, que limitam-se a descrever a forma utilizada – em dinheiro - e a identificar o próprio candidato como depositante. Interpretação que nega eficácia ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, ao permitir que as doações sejam dissimuladas por meio do repasse de valores em espécie, posteriormente depositados pelo próprio beneficiário em sua conta de campanha. Declaração de bens do candidato entregue à Justiça Eleitoral demonstrando apenas a propriedade de dois automóveis, inexistente registro de posse de dinheiro em espécie ou em conta bancária.

3. Contradição existente no decisum que considerou regular o depósito em espécie, de R$ 6.050,00, realizado diretamente na conta do candidato. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não faz distinção entre eleitores e candidatos. Por tratar-se de modalidade de doação de pessoa física, valores repassados pelo próprio candidato à sua campanha também devem observar a exigência normativa de transferência eletrônica. A finalidade é justamente coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação. Irregularidade que representa 78% do total da arrecadação e transcende em mais de 5 (cinco) vezes o valor de referência a partir do qual a disciplina legal afirma a compulsoriedade de transferência eletrônica. Falha grave, que repercute na confiabilidade das informações e impede a efetiva fiscalização das contas ofertadas.

4. Embargos acolhidos. Atribuição de efeitos infringentes. Contas desaprovadas. Recolhimento de R$ 6.050,00 ao Tesouro Nacional.

(E.Dcl. no RE 203-27.2016.6.21.0092, Relator Des. JORGE LUÍS DALL'AGNOL, Sessão de 26.7.17)

De outra banda, não há se cogitar a aplicação do princípio da proporcionalidade e considerar a ausência de má-fé do recorrente para o fim de relevar a irregularidade apontada, tendo em vista tratar-se de elevada soma e de a mesma representar 37,11% dos gastos da campanha.

Trago à colação excerto da sentença que bem analisou o ponto (fl. 106):

Trata-se de irregularidade insanável nas contas. A inconsistência, in casu, envolveu o importe de R$ 7.200,00, que representa o elevado percentual de 37,11 % do total de recursos arrecadados e declarados na prestação de contas final (fl. 54). Assim, não só o valor absoluto da irregularidade é significativo, mas também o percentual. Desse modo, entendo não ser possível a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade que reclamam dupla análise: exiguidade, em termos nominais e absolutos, e exiguidade, em termos percentuais. A desaprovação, portanto, é medida impositiva nas contas.

Assim, devem as contas ser mantidas desaprovadas.

Por sua vez, não há de ser acolhido o pedido constante do parecer apresentado pela Procuradoria Regional Eleitoral, de que seja determinada ao recorrente a devolução ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 7.200,00.

Com efeito, o magistrado de piso entendeu que restou demonstrada pelo candidato a origem do recurso financeiro, deixando de determinar o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

No entanto, apenas o prestador recorreu da decisão de primeiro grau e sua situação não pode ser agravada com a imposição de tal penalidade. A ausência de irresignação quanto a esse ponto torna preclusa a matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação das contas.

Esta Corte, após muito debater, firmou posição majoritária nesse sentido, conforme exposto:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS". MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância "ad quem", dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a "reformatio in pejus", nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n. 63662, Acórdão de 14.12.2017, Relator: Des. Eleitoral LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN.)

Não se mostra possível, assim, cogitar da possibilidade de agravar a situação do recorrente em exame de recurso apenas por ele interposto.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas de SERGIO LUIZ FERNANDES DA ROSA e ALTAMIR ASTROGILDO MACHADO referentes à campanha eleitoral de 2016.