RE - 38292 - Sessão: 17/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por SERGIO ROBERTO DE ALMEIDA, candidato à vereança do Município de Porto Alegre, contra sentença do Juízo da 113ª Zona Eleitoral – Porto Alegre, que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista a existência de divergências entre os registros de doações declaradas pelos doadores e os valores contabilizados pelo prestador, além do recebimento de doação estimável, cuja atividade do profissional doador não é compatível com o serviço prestado (fl. 47 e verso).

Em suas razões (fls. 54-59), o recorrente suscita a preliminar de violação ao disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, que determina a notificação sobre o parecer técnico conclusivo que entender pela existência de irregularidades sobre as quais não se tenha dado oportunidade para manifestação do prestador. No mérito, sustenta que a regularidade das doações provenientes do diretório estadual foi demonstrada pelos recibos apresentados às folhas 26 até 32. Informa que o candidato Maurício Alexandre Dziedricki retificou a sua escrituração, corrigindo as divergências identificadas. Alega a inexistência de dolo ou culpa, de modo que as falhas apontadas não comprometem a lisura das informações prestadas. Requer o acolhimento da matéria preliminar e, subsidiariamente, o provimento do apelo para que as contas sejam aprovadas, ainda que com ressalvas. Junta documento (fl. 60).

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que suscitou, preliminarmente, a anulação da sentença para fins de determinação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. No mérito, opinou pelo desprovimento do recurso e pela determinação, de ofício, da transferência do valor de origem não identificada ao Tesouro Nacional, no total de R$ 1.082,77 (fls. 66-80v.).

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR:

Nulidade da sentença por negativa de vigência ao art. 26 da Resolução 23.463/15:

A Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que negou vigência à disposição contida no art. 26 da Resolução 23.463/15, que determina o recolhimento ao Tesouro de valores provenientes de origem não identificada.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

Inicialmente, não se verifica na sentença recorrida a referida omissão de uma consequência legal, uma vez que a decisão sequer tangencia a questão da existência de valores de origem não identificada.

Ao contrário, a sentença desaprovou as contas em razão da falta de confiabilidade das informações prestadas, porquanto identificadas divergências entre os registros realizados pelo prestador e as declarações prestadas na contabilidade de Maurício Alexandre Dziedricki e do diretório estadual, bem como a incompatibilidade da natureza da doação estimável contabilizada e a atividade prestada pelo doador.

Assim, para se determinar o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, seria preciso alterar o fundamento da desaprovação das contas, o que somente é possível por meio de interposição de recurso pelo órgão ministerial.

Ocorre que a falta de contraposição de recurso por parte do Ministério Público de primeiro grau torna preclusa a pretensão de recolhimento do valor irregular.

A determinação de recolhimento nesta instância, matéria que chegou à apreciação por exclusivo recurso da prestadora, levaria à reformatio in pejus, efeito vedado pelo sistema processual.

Neste sentido posicionou-se este Tribunal, em acórdãos dos quais se extraem as seguintes ementas:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. MÉRITO. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. INCONSISTÊNCIA ENTRE A INFORMAÇÃO PRESTADA PELO CANDIDATO E A DECLARADA NA ESCRITURAÇÃO DO DOADOR. INFORMAÇÃO RETIFICADA PELO DOADOR. BOA-FÉ. PROVIMENTO. APROVAÇÃO.

1. Preliminar de nulidade rejeitada. A sentença fundamentou a desaprovação nas divergências apontadas entre as doações registradas na contabilidade e as declaradas pelo doador, sem aventar a hipótese de existência de recurso de origem não identificada, razão pela qual não houve a alegada omissão na aplicação do disposto nos arts. 18 e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

2. Mérito. Inconsistência entre o registro de doação estimável em dinheiro realizada pelo candidato ao cargo de prefeito e as informações registradas na prestação de contas do recorrente, beneficiário do recurso. As informações foram retificadas pelo candidato ao cargo majoritário. Falha sanada. Aprovação das contas.

Provimento. (TRE/RS, RE 250-35, Rel. Des Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, julg em 26.4.2018)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. DIVERGÊNCIA ENTRE O ENTENDIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. NEGATIVA DE VIGÊNCIA A DISPOSITIVO LEGAL NÃO CARACTERIZADA. MÉRITO. FALTA DE APRESENTAÇÃO DOS EXTRATOS BANCÁRIOS DE TODO O PERÍODO DA CAMPANHA. FALHA SANADA. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. AUSÊNCIA DO TERMO DE CESSÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. OMISSÃO DOS DADOS REFERENTES AO BEM. PREJUÍZO À TRANSPARÊNCIA DAS CONTAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. Divergência do órgão ministerial com a interpretação jurídica dos fatos realizada em primeiro grau, não havendo omissão quanto ao comando suscitado. A sentença afastou o apontamento de origem não identificada e desaprovou as contas por fundamento diverso da caracterização de ofensa ao art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15. Negativa de vigência e nulidade não caracterizadas.

2. A ausência dos extratos bancários contemplando todo o período de campanha é causa para desaprovação das contas, por infringência ao art. 48, inc. II, “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15. Irregularidade sanada, entretanto, pela juntada dos documentos integrais.

3. O uso de bens móveis cedidos por terceiros deve ser registrado na prestação de contas como doação estimável em dinheiro, nos termos do art. 18, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15. Mecanismo indispensável para a transparência e controle da origem dos bens e valores empregados na campanha. Utilização de veículo em prol da campanha do prestador sem a juntada do termo de cessão aos autos. Impossibilidade da apresentação do documento comprobatório em razão do falecimento do cedente. Inexistência de qualquer informação a respeito do automóvel utilizado. Omissão dos dados do bem, como placas ou modelo, bem como da indicação do proprietário e do valor estimado da cessão. Prejuízo à confiança da escrituração contábil. Irregularidade grave.

Desprovimento. (TRE/RS, RE 770-10, Rel. Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, julg em 21.11.2017)

Do exposto, máxime frente à ausência do manejo recursal pelo Ministério Público, reconhecida a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica da recorrente, afasto a preliminar de nulidade da sentença e a pretensão de recolhimento da quantia irregular, de ofício, nesta instância.

Nulidade da sentença por violação ao disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/2015:

O recorrente suscitou a nulidade da sentença em razão do suposto descumprimento do disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, que determina a notificação do prestador a respeito do parecer técnico conclusivo que entender pela existência de irregularidades ou impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade para manifestação.

Compulsando os autos, observo que as irregularidades apontadas no parecer conclusivo constaram do procedimento técnico de exame das contas (fls. 15-17), tendo o recorrente se manifestado acerca dos aludidos apontamentos às folhas 22 - 25.

Logo, não se vislumbra prejuízo ao contraditório, uma vez que o dispositivo prevê a oportunidade de manifestação da parte apenas quando a irregularidade ou impropriedade tenha sido identificada pela primeira vez no parecer conclusivo, o que não ocorreu no particular.

Desse modo, a alegada infringência ao disposto no art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15 deve ser afastada e, consequentemente, rejeitada a prefacial.

Além disso, cabe analisar a viabilidade de apresentação de documentos em grau recursal.

Documentos apresentados com o recurso:

Sobre o ponto, com fulcro no art. 266 do Código Eleitoral, este Tribunal alinhou a sua jurisprudência no sentido de privilegiar a possibilidade de saneamento das falhas, salvaguardando o interesse público pela regularidade e pela transparência da contabilidade de campanha, quando não há prejuízos à normal e à célere tramitação do feito. Nesse sentido, transcrevo a seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Eleições 2016.

Preliminar. Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não admita a juntada de documentação nova ao processo quando já transcorrida oportunidade prévia de saneamento das irregularidades, a previsão do art. 266 do Código Eleitoral autoriza a sua apresentação com a interposição do recurso, quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar.

[...]

(RE n. 534-30.2016.6.21.0085, Rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura. Julgado em 2.5.2017. Unânime).

Assim, caracteriza formalismo excessivo a vedação ao conhecimento dos novos documentos oferecidos com as razões recursais, quando, aptos a esclarecer prontamente a controvérsia posto nos autos, não há necessidade de novo exame técnico ou dilação instrutória.

Dessa forma, conheço do referido documento e afasto a preliminar arguida pelo Ministério Público Eleitoral.

MÉRITO:

A prestação de contas foi desaprovada em razão da constatação de irregularidades que prejudicaram a confiabilidade do exame contábil do candidato. A decisão foi assim fundamentada pelo juízo a quo:

Realizada a análise técnica das contas, verificaram-se diversas irregularidades. As falhas apontadas impõem indiscutivelmente a desaprovação das contas, consistindo em: a) doações cujo montante não coincide (Direção Estadual – SD); b) inconsistências nas doações do prestador Maurício Alexandre Dziedricki; e c) doação estimável, cuja atividade profissional do doador não é compatível com o serviço prestado. Ora, o que se verifica é a persistência da incompatibilidade das declarações de doador e candidato, sem notícia de efetiva retificação a sanar os vícios apontados. Sobre a irregularidade na doação de Mário Rodrigues de Freitas, o candidato nada justificou.

Inicialmente, no tocante às divergências verificadas entre as doações realizadas pela Direção Estadual – SD, observo que as receitas estimadas indicadas na Nota Explicativa à fl. 07 se referem a recursos provenientes do órgão de direção municipal, de modo que não subsiste a alegada incompatibilidade, por tratar-se de doadores diversos.

Portanto, reputo afastada a irregularidade.

Na sequência, relativamente às inconsistências nas doações do prestador Maurício Alexandre Dziedricki, o recorrente alegou que as receitas foram corretamente declaradas na sua prestação de contas, sendo que as diferenças identificadas foram corrigidas na escrituração do doador, estando superada qualquer dessemelhança entre os valores registrados.

De fato, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral http://divulgacandcontas.tse.jus.br/, que concentra, para acesso público, as prestações de contas dos candidatos e partidos, observa-se a correspondência entre os valores declarados como recebidos pelo prestador dos constantes no balanço contábil do doador respectivo, o candidato a prefeito Maurício Alexandre Dziedricki.

Nesse sentido, cabe salientar que, tratando-se de recursos estimáveis, e não financeiros, a existência de incongruências devem ser relevadas quando for possível o seu perfeito esclarecimento, inclusive mediante a retificação das contas, devendo prevalecer o interesse público subjacente à transparência da contabilidade.

Por isso, conclui-se que, malgrado a divergência inicial, as irregularidades indicadas no parecer técnico restaram suplantadas.

Por fim, a respeito da irregularidade identificada na receita estimável proveniente de Marcio Rodrigues de Freitas, a manifestação à fl. 23 informa que o doador realizou o pagamento direto da despesa de impressão de adesivos, em infringência à disposição contida no art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, in verbis:

Art. 19. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

Conforme se extrai do teor do dispositivo transcrito, tratando-se de recurso estimável em dinheiro, é necessário que o produto da doação corresponda a serviço ou atividade prestada diretamente pelo doador ou refira-se a bens permanentes que integrem o seu patrimônio.

Em razão disso, não obstante devidamente comprovada a licitude do gasto eleitoral por meio da apresentação da nota fiscal correspondente (fl. 27), a forma de arrecadação de recurso não observou a normatização de regência.

No particular, friso que, não sendo o serviço prestado pelo doador, caberia ao candidato, após receber a doação do recurso financeiro, proceder à contratação da respectiva despesa.

Todavia, uma vez que o apontamento não impediu a fiscalização do exame contábil, tampouco malferiu a confiabilidade das contas, entendo que a falha constatada merece ser considerada como apenas uma ressalva na escrituração.

Dessarte, deve ser reformada a decisão, a fim de que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso, no sentido de aprovar com ressalvas a prestação de contas de SERGIO ROBERTO DE ALMEIDA, relativa às eleições municipais de 2016.