RC - 9555 - Sessão: 21/08/2018 às 16:00

RELATÓRIO

JULIANO RAZIA DEL PAULO e MARLY VENDRUSCOLO interpõem recurso criminal contra a sentença do Juízo da 94ª Zona Eleitoral – Frederico Westphalen/RS – que julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando-os à pena privativa de liberdade de seis meses de detenção, substituída por prestação pecuniária no valor de R$ 4.000,00, e à pena de multa no montante de 10.000,00 UFIRs pela prática do delito tipificado no art. 40 da Lei n. 9.504/97.

A inicial assim descreveu o fato (fl. 02 e v.):

No período compreendido entre o dia 16 e 24 de agosto de 2016, em Frederico Westphalen/RS, por meio de postagens articuladas em redes sociais dos dois pré-candidatos, bem como impressões e distribuição de panfletos com tiragem de 40.000 exemplares, os denunciados MARLY VENDRUSCOLO e JULIANO RAZIA DEL PAULO usaram, na propaganda eleitoral, frase semelhante à empregada por órgão de governo.

Na ocasião, o Poder Executivo Municipal, em textos e vídeos promocionais de suas ações, findava com as frases: "Frederico Westphalen é melhor para trabalhar, bom de viver e prosperar" ou "Frederico Westphalen melhor para trabalhar, bom para viver e prosperar".

Na propaganda política da candidatura dos demandados MARLY VENDRUSCOLO e JULIANO RAZIA DEL PAULO usaram a expressão: "Um lugar para viver bem e prosperar". Portanto, presente a intenção de vincular a campanha às ações da gestão pública municipal da época, já que candidatos da agremiação partidária situacionista.

A denúncia foi recebida em audiência realizada no dia 11.9.2017 (fls. 383-383v.).

Na mesma ocasião foi ofertado o benefício da suspensão condicional do processo, o qual não foi aceito pelos acusados.

Apresentada resposta à acusação, na sequência foram ouvidas seis testemunhas e interrogados os réus (fls. 383-383v.).

Após regular instrução processual, sobreveio sentença de procedência da ação penal eleitoral, condenando os réus à pena privativa de liberdade de seis meses de detenção, substituída por prestação pecuniária no valor de R$ 4.000,00, e à pena de multa no montante de 10.000,00 UFIRs, pela prática do delito tipificado no art. 40 da Lei n. 9.504/97 (fls. 463-468v.).

Da decisão, JULIANO RAZIA DEL PAULO e MARLY VENDRUSCOLO interpuseram o presente recurso alegando: atipicidade da conduta; ausência de responsabilidade pela criação da frase objeto da denúncia; falta de conhecimento prévio sobre o material distribuído; ausência de dolo específico; atendimento imediato da ordem judicial que determinou a cessão da veiculação da propaganda; e ausência de análise do julgador quanto ao fato de que a representação relativa à propaganda irregular deve ser instruída com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso este não seja por ela responsável (fls. 475-492).

Em contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral assevera que a materialidade e a autoria delitiva restaram devidamente demonstradas. Afirma a existência de provas que atestam a prática do ilícito. Por fim, requer o desprovimento do apelo, confirmando-se o decreto condenatório (fls. 496-503).

Nesta instância a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 507-511v.).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no DEJERS em 24.01.2018 (fls. 470-473v.) e o apelo foi interposto em 02.02.2018 (fl. 475), dentro do prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral, razão pela qual dele conheço.

Ausente matéria prefacial a ser analisada, passo ao exame do mérito.

 

2. Mérito

A sentença condenatória julgou procedente a denúncia por entender que o conjunto probatório logrou êxito ao comprovar a prática da conduta delituosa prevista no art. 40 da Lei n. 9.504/97:

Art. 40. O uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.

O doutrinador José Jairo Gomes leciona que o delito previsto no art. 40 da Lei das Eleições

Tem por objetivo prevenir abusos decorrentes da associação de certa candidatura a determinado órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como às ações e programas por eles desenvolvidos. Tal prática fere o equilíbrio e a isonomia que deve haver entre os diversos candidatos, pois haverá inegável benefício àquele cuja imagem estiver associada ou “colada” a órgãos e ações estatais, que, efetivamente proporcionam benefícios à população em geral. Por outro lado, transmite ao cidadão a falsa impressão de que somente aquele candidato tem aptidão para dar continuidade à gestão estatal, levando-o, assim, a definir o seu voto. (GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2. ed. rev. e ampl. – São Paulo : Atlas, 2016 – p. 243)

Segundo Carlos Velloso e Walber de Moura Agra (Elementos de Direito Eleitoral. 5. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016 – p. 574), o “bem jurídico protegido são a normalidade e a lisura do pleito eleitoral, impedindo que candidatos possam usar da máquina pública para obter vantagens em relação aos outros candidatos”.

É crime comum, não se exigindo que o agente seja candidato ou esteja ligado a partido político. O sujeito passivo é a sociedade.

Outrossim, é formal, não necessitando, para a sua consumação, que o eleitorado seja efetivamente influenciado.

Por fim, ainda segundo a doutrina de Jairo Gomes:

O tipo subjetivo consiste no dolo, não sendo prevista forma culposa. O dolo é genérico, inexistindo previsão de elemento subjetivo respeitante a um especial fim de agir.

A consumação se perfaz com o só uso na propaganda dos aludidos símbolos, frases ou imagens.

Para a consumação, não é necessário demonstrar a real e efetiva influência da propaganda nos eleitores. Na verdade, tal influência tem caráter potencial. (GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2. ed. rev. e ampl. – São Paulo : Atlas, 2016 – p. 244-245)

Pois bem.

No caso sob exame, o Ministério Público Eleitoral imputou aos recorrentes a conduta delituosa acima descrita em face da utilização da expressão “Um lugar para viver e prosperar” na propaganda da campanha destes ao executivo municipal de Frederico Westphalen.

Segundo a denúncia, tal frase guardaria similitude às utilizadas nas ações da prefeitura daquele Município: “Frederico Westphalen é melhor para trabalhar, bom de viver e prosperar” e “Frederico Westphalen melhor para trabalhar, bom para viver e prosperar”.

Assim, na visão do ente ministerial, presente estaria a “intenção de vincular a campanha às ações da gestão pública municipal da época, já que candidatos da agremiação partidária situacionista”.

Contudo, adianto que as razões dos recorrentes comportam provimento.

Isso porque a jurisprudência eleitoral tem se consolidado no sentido de que o tipo do art. 40 da Lei n. 9.504/97 deve ser interpretado restritivamente, pois trata-se de norma proibitiva que importa limitação no uso do vernáculo.

Interpretar o dispositivo de forma literal significaria compreender que uma breve aproximação entre as expressões, slogans, atrairia a concretização do ilícito, pois os núcleos do tipo – associados ou semelhantes – tem acepções muito abrangentes.

O adjetivo associado, por exemplo, pode ser interpretado como relacionado, relativo, coerente.

Por sua vez, o vocábulo semelhante pode ser entendido como análogo, congênere, equivalente, parecido, similar.

Inegável, portanto, que uma interpretação extensiva poderia resultar ofensa à liberdade de expressão e, ainda mais grave, à liberdade individual, visto que o tipo penal é punível com detenção de seis meses a um ano.

Para exemplificar o esdrúxulo resultado que uma exegese ampla poderia trazer, basta fazermos o exercício de reescrever as mesmas frases da administração municipal com palavras ou expressões, associadas ou semelhantes. Vejamos:

Frederico Westphalen é melhor para trabalhar, bom de viver e prosperar. (original)

Frederico Westphalen é mais adequada para laborar, agradável de existir e progredir. (versão semelhante)

 

e

 

Frederico Westphalen melhor para trabalhar, bom para viver e prosperar. (original)

Frederico Westphalen preferível para labutar, legal para sobreviver e desenvolver-se. (versão semelhante)

Ou seja, da forma como reescritas, as frases poderiam, de acordo com uma interpretação ampla, tranquilamente configurar o tipo penal previsto no art. 40 da Lei n. 9.504/97.

E mais. No presente caso, quaisquer candidatos ficariam proibidos, sob pena de incorrerem em crime eleitoral, de utilizar conjuntamente as palavras trabalhar, viver e prosperar, bem como sinônimos destas, em seus respectivos slogans de campanha. E são justamente estes os verbos comumente utilizados em campanhas eleitorais, pois referem-se a condições, direitos e/ou necessidades elementares, essenciais do ser humano: vida, trabalho, desenvolvimento pessoal ou coletivo. Todos querem morar em uma cidade na qual se vive bem, há boas condições de empregabilidade e onde é possível desenvolver-se como pessoa.

Inafastável, portanto, a necessidade de se interpretar o tipo penal restritivamente.

E nesse sentido é o entendimento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral exposto com extrema intelecção no julgamento do Habeas Corpus n. 3559-10.2010.6.00.0000/RN de Relatoria do ilustre Ministro Marcelo Ribeiro, no qual se examinava a possibilidade de trancamento de ação penal relativa ao tipo sob análise.

Naquele julgado, foram esclarecedoras as palavras do eminente Ministro Marco Aurélio ao concluir que “não podemos levar às últimas consequências o que se contém no art. 40 da Lei n. 9.504/1997, mesmo porque a utilização do vocábulo 'semelhante' poderia ocasionar extravagâncias”.

Brilhante também o raciocínio do nobre Ministro ao ponderar que:

Sob a capacidade intuitiva, existiria cláusula aberta e vingaria. Há situações e situações. A respeito dessa vivida pelo candidato e da do Governo, que tinha o lema "unidos pelo bem", será que, por haver utilizado a frase, na propaganda eleitoral, "se você quer que o bem continue", teria se servido de símbolos, frases ou imagens associadas ou semelhantes às empregadas por órgão da Administração?

Se ele trocasse o termo "bem" por "bom", também haveria o enquadramento no fato típico previsto no aludido artigo 40?

Vejo com muita reserva preceitos abertos. Por isso, peço vênia ao Ministro Versiani para acompanhar o Relator e conceder a ordem.

E, na mesma lógica, pela capacidade extrema de elucidar o tema, reproduzo logo a seguir a ementa da Ação Penal n. 1-48.2008.6.12.0038, de Relatoria do Juiz Paulo Rodrigues, julgada improcedente pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul.

Naquele feito, a administração local utilizava a expressão “Administrar é preciso, unidos venceremos” e “Continuar é preciso, unidos venceremos”, e os denunciados propagaram em sua campanha eleitoral o slogan “Juntos venceremos”.

Vejamos:

AÇÃO PENAL. CRIME. PREFEITO MUNICIPAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. ART. 29, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 40 DA LEI N.º 9.504/97. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. SLOGAM. PREFEITURA MUNICIPAL. CAMPANHA ELEITORAL. SIMILITUDE. DOLO. INEXISTÊNCIA. CONFUSÃO DO ELEITOR. IDENTIDADE NÃO CARACTERIZADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO DA PENALIDADE. IMPROCEDÊNCIA.

(...)

O art. 40 da Lei n.º 9.504/97 deve ser restritivamente interpretado, porquanto trata-se de norma de natureza proibitiva que importa contenção à utilização do vernáculo e, de efeito, a adoção de interpretação literal induz à conclusão de que qualquer aproximação entre os dizeres autorizaria a tipificação da conduta, já que os núcleos associado ou semelhante, constantes do tipo, são deveras amplos, devendo ser consideras algumas peculiaridades, coibindo-se apenas o uso abusivo ou indevido das imagens, frases ou símbolos que identificam o Poder Público, não sendo admissível cingir ou pinçar apenas parte de expressão utilizada pelo órgão público para efeito de comparação de similaridade com o slogan de candidato.

A norma penal proibitiva em questão restará violada se presentes, além da mera semelhança entre os signos de governo e do candidato, (1) a semelhança entre os signos utilizados pelo candidato aos empregados por órgãos públicos deve ser contundente, capaz de produzir algum efeito no eleitorado, e (2) a presença do elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo. Diante do princípio da intervenção mínima do Direito Penal, alicerçado em seu caráter fragmentário e subsidiário, a similaridade entre os dizeres deve ser significativa, contundente, a ponto de caracterizar ilícito criminal, porquanto a intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade, com capacidade de despertar a fumaça do cometimento do abuso político ou do poder de autoridade, ante o uso deliberado da máquina pública.

Se o slogan adotado na campanha eleitoral é suficientemente diverso do utilizado pela administração em exercício à época, e que tal diferenciação objetivou, justamente, separar a administração em exercício da que postulava ser eleita, inexiste a similaridade relativa entre os dizeres a ponto de subsumir-se à proibição legal.

É indispensável à caracterização do tipo em exame a presença do dolo, consistente na vontade de se beneficiar, ainda que indiretamente, dos sinais distintivos que identificam o Poder Público, a fim de fomentar sua campanha eleitoral em detrimento da dos demais candidatos ao pleito (jurisprudência - TSE).

Afigura-se de fundamental importância no direito penal, tanto na cominação como também na aplicação da norma penal, a observância pelo aplicador do direito, dentre outros princípios, o da razoabilidade, pelo que a severidade do gravame previsto na Lei Complementar n.º 135 reforça ainda mais a necessidade de que, para se alcançar o justo alcance da norma inserta no art. 40 da Lei das Eleições, a ela deve-se conferir interpretação restritiva, considerando-se os elementos objetivos (contundência da semelhança dos signos e efeito no eleitorado) e subjetivos da conduta (dolo).

Ação penal improcedente. Absolvição dos denunciados do crime capitulado no art. 40 da Lei das Eleições, com fundamento no art. 386, inciso III, do CPP.

(AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA n. 148, ACÓRDÃO n. 6855 de 06.12.2010, Relator PAULO RODRIGUES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 263, Data 10.12.2010, Páginas 11-12)

Por outro lado, necessário também se mostra verificar a presença do dolo específico, a intenção dolosa de violar o art. 40 da Lei das Eleições. A vontade deliberada de fraudar, desvirtuar, tirar proveito, manipular a vontade do eleitor por meio da utilização de slogan que faça este vincular a figura do candidato a órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista.

Ou seja, a presença do dolo é requisito intrínseco e inarredável para a configuração do crime.

Nesse sentido:

AÇÃO PENAL. ART. 40 DA LEI N° 9.504/97. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. INEXISTÊNCIA DE AMPARO LEGAL. REJEIÇÃO. USO DE FRASE QUE ERA O SLOGAN DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL ADICIONADA DE OUTRA. CANDIDATO À REELEIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES E EFICIENTES PARA ARRIMAR UM DECRETO CONDENATÓRIO.

A prova emprestada é aceita na processualística, entretanto, é de escassa valia quando não corroborada no processo que a recebeu.

O crime previsto no artigo 40 da Lei n.º 9.504/97 exige a comprovação do dolo específico, o que não ocorreu na ação.

Ausência de comprovação de potencialidade. Absolvição que se impõe nos termos do art. 386, VI do CPP.

(TRE-PA - AP - AÇÃO PENAL n. 19 – Belém/PA – ACÓRDÃO n. 20147 de 29.5.2007 - Relator PAULO GOMES JUSSARA JÚNIOR - Revisora MARIA DA CONCEIÇÃO CARDOSO MENDES - Publicação: DOE - Diario Oficial do Estado, Volume CJ 1, Data 01.6.2007, Página 12) (Grifei.)

E aqui me permito fazer uma crítica ao aludido tipo penal.

Penso que se a ideia do legislador foi tentar evitar que os candidatos à reeleição, ou as agremiações partidárias situacionistas, não vinculassem suas campanhas eleitorais aos órgãos por eles administrados, tal tipificação se mostra totalmente inócua a reprimir tal conduta. Isso porque não há vedação legal, nem sequer na esfera cível, de que o postulante a cargo público eletivo propague os feitos relativos a sua gestão ou a do partido no qual integra. Claro que não estamos aqui a falar do abuso de poder e/ou do uso indevido da máquina pública, estes, sim, acertadamente vedados. Estamos falando da divulgação de feitos de gestão. Essa vinculação não é vedada. Aliás, a divulgação de ações é fato habitual para aqueles que exercem cargos públicos eletivos. E tal publicização tem dúplice função: (1) informar eleitores e administrados; e (2) manter-se no cargo ou buscar nova colocação a fim de dar continuidade às atividades públicas. O que é extremamente positivo para os eleitores, pois tais informações constituem subsídios para que estes conduzam, ou não, o político ao respectivo cargo. Se a administração foi boa, é provável que o partido e/ou grupo político seja reconduzido. Se foi ruim, é provável que não.

Desse modo, a publicização, na campanha eleitoral, dos feitos de gestão, vinculando o partido gestor à entidade por ele gerida, é, a meu ver, circunstância indissociável da atuação política, razão pela qual não pode ser sancionada, quanto mais na esfera penal.

Pelas mesmas razões, não pode ser considerada dolosa tal prática.

Portanto, a meu ver, a utilização do slogan “Um lugar para viver e prosperar” na campanha eleitoral dos recorrentes não se subsume ao tipo penal do art. 40 da Lei das Eleições.

Isso porque o conjunto probatório reunido aos autos não demonstrou a presença do elemento subjetivo do tipo, o dolo. Ou seja, a vontade de se beneficiar, ainda que de forma indireta, da identificação com a Administração Municipal.

Pelo contrário. Os recorrentes, quando interrogados em juízo, afirmaram que não participaram da escolha do slogan. Transcrevo a sentença com grifos meus (fls. 464 e v.):

Em seu interrogatório judicial, Marly Vendruscolo asseverou acerca da ausência da intenção de vincular sua imagem a da Administração Municipal. Apontou que ela e o candidato a vice não participavam da confecção dos materiais de campanha, dando total liberdade para a agência contratada. Destacou que a escolha da agência ocorreu de forma conjunta, em razão de sua credibilidade, contudo não participou da escolha. Mencionou que foi Secretária de Saúde por quatro anos. Asseverou que não tinha conhecimento da frase utilizada. Mencionou que conhecia a empresa contratada. Aduziu que não possuía acesso as redes sociais, sequer utilizava o telefone durante a campanha eleitoral. Indicou que no último momento decidiu concorrer ao cargo de Prefeito. Mencionou que já havia se candidatado a vereadora e que seu marido já atuava no ramo público como vereador. Mencionou que tomou conhecimento da ilegalidade da frase de apoio quando foi intimada judicialmente. Aduziu que a agência contratada não procurou sua aprovação acerca da frase. Apontou que não havia intenção de vincular sua campanha a da Administração Municipal anterior. Indicou que tinha conhecimento acerca da ilegalidade na utilização de palavras ou frases semelhantes na campanha, contudo sua campanha era acelera Frederico, não divulgando frase vinculada (CD - fl. 384).

O acusado Juliano Razia Del Paulo, por sua vez, em seu interrogatório, indicou que apenas tomou conhecimento da frase similar na data da intimação, contudo não possuía conhecimento que a frase continha algo parecido com a antiga Administração. Sinalou que não sabe por quanto tempo a candidata Marli foi Secretária de Saúde, mas sabe que atuou no cargo. Asseverou que, praticamente, não tiveram contato com o material, em virtude da devolução deles. Destacou que não utilizava e não acompanhava as redes sociais. Apontou que não tinha conhecimento da frase indicada na denúncia. Mencionou ser simpatizante e filiado do partido. Indicou que não foi procurado pela agência para opinar quanto à frase impugnada. Aduziu que não tinha conhecimento de que o uso de palavras ou frases semelhantes em frase de apoio poderia configurar crime eleitoral (CD - fl. 384).

Corroborando com a versão dos denunciados, os testemunhos colhidos na fase instrutória de igual modo isentam os recorrentes da participação na confecção do conteúdo publicitário. Volto à sentença (fls. 464v.-466):

A testemunha Priscila da Silveira, em juízo, aduziu que tomou conhecimento do fato em Santo Ângelo, quando prestou seu depoimento. Arguiu que, na época, não viu a divulgação de nenhum material que continha a propaganda semelhante à de governo. Sustentou não ser filiada a nenhum partido político. Sinalou que trabalhou na campanha, auxiliando na parte jornalístico. Mencionou que foi contratada por intermédio da empresa que trabalha. Destacou que apenas exerceu atividades jornalísticas com o PP. Salientou que ocupava cargo da Administração pública municipal na gestão anterior, utilizando o cargo de assessora de imprensa, sendo este um cargo de confiança. Apontou que em alguns momentos faziam o uso da frase, porém, não era usual, uma vez que não era a frase oficial. Arguiu que, quanto à confecção de demais documentos de publicidade da campanha, não contaram com sua participação. Destacou que seu auxílio ficou restrito à parte jornalística, não participando da parte publicitária, bem como na criação do slogan. Sinalou que não tem conhecimento de quem criou a fase (CD - fl. 384).

Marcio Juvelino Binotto Mendonça, testemunha, inicialmente, apontou ter conhecimento acerca do fato. Sustentou que a arte foi encomendada pela coligação e desenvolvida de acordo com a autonomia de sua empresa. Destacou que existem alguns procedimentos que deviam ser observados e que na época ainda não tinha conhecimento de quem seria o candidato, criando a campanha "Acelera Frederico" como o mote principal, sendo que a frase indicada na denúncia foi apenas um apoio. Salientou que as pessoas da coordenação de campanha são as responsáveis por examinar as publicidades antes de serem lançadas. Arguiu que, desde a entrada da campanha no ar, foi utilizada a frase objeto da demanda, sendo que, logo que houve a notificação acerca da ilegalidade da propaganda, os materiais foram recolhidos. Sinalou que realizou alguns trabalhos na gestão anterior. Sinalou que a frase objeto da demanda foi criada por sua agência para o parque das indústrias. Aduziu que os candidatos Marli e Juliano não opinaram no processo da criação da frase, uma vez que não possuíam conhecimento de nada. Sinalou que a agência não tinha conhecimento de que o uso de alguma palavra semelhante poderia configurar crime eleitoral, pois acreditavam que eram publicidades distintas. Destacou que a agência detinha total autonomia para criação de marketing e publicidade da campanha, inclusive com acesso à página do facebook e sua administração (CD - fl. 384).

(…)

A testemunha Rodrigo Antônio Binotto Mendonça aduziu que tomou conhecimento do fato quando recebeu requerimento de retirada dos materiais que foram impressos. Sinalou que o material foi desenvolvido com a executiva que estava a frente da campanha eleitoral, mencionando que os candidatos não tiveram participação na criação da frase, sequer aprovaram ou fizeram sugestões acerca do material. Arguiu que a agência possuía acesso às senhas das redes sociais dos candidatos. Asseverou que a palavra "prosperar" é de uso corriqueiro de todos. Destacou que a agência fez campanha para dez municípios da região, sendo que acredita que várias coligações utilizaram de forma semelhante a frase objeto da demanda. Apontou que a agência realizou alguns trabalhos esporádicos na gestão de Roberto Felipe, sendo que, em alguns momentos, utilizaram as frases, objeto da demanda, como em um vídeo institucional do parque das indústrias, sendo de criação de sua empresa. Destacou que todos os materiais eram desenvolvidos e mandados para os partidos contratantes (CD - fl. 384).

Anderson Marco da Silva, também testemunha, sustentou que criou o slogan da administração do prefeito anterior a este. Sinalou que criou uma frase para o parque das indústrias, semelhante a "Frederico Westphalen bom para viver ou melhor para viver e prosperar" , sendo que no material de campanha havia uma frase secundária, na qual continha a palavra semelhante "prosperar" . Destacou que, acerca da criação da frase, os candidatos de forma alguma intervieram, pois a empresa tinha total autonomia e somente após a criação do material os candidatos tomavam conhecimento do conteúdo. Acerca das redes sociais, mencionou que a agência era responsável pela campanha realizada naquele meio. Indicou que o slogan da campanha estava pronto antes mesmo de ter conhecimento de quem seriam os candidatos. Ressaltou que é corriqueiro ter palavras semelhantes em campanhas. Mencionou que a agência possui autonomia para criar publicidade e marketing para campanhas, contudo há restrições em alguns casos. Destacou que a empresa buscou desvincular os seus candidatos da imagem do ex-prefeito. Indicou que a campanha foi apresentada para o partido antes mesmo de ter os candidatos escolhidos (CD - fl. 384).

A testemunha Vinícius Mingotti apontou que não possui conhecimento do fato. Indicou que coordenou a campanha juventude, no qual seu envolvimento foi com os candidatos, desvinculando a candidata Marli do prefeito da época. Sustentou que não participou diretamente da escolha da agência que faria a campanha. Sinalou que os candidatos não buscavam nenhuma vinculação de sua campanha com a administração anterior. Aduziu que a agência possuía autonomia acerca da criação de publicidade e marketing da campanha. Mencionou que buscaram exaltar a qualidade do trabalho que a candidata Marli exerceu, mas não se vinculando como objeto de campanha (CD - fl. 384).

Consequentemente, da prova oral se extrai que os candidatos não participaram da escolha do slogan de campanha. Não há, portanto, indícios de que os recorrentes tiveram a intenção deliberada de utilizar o slogan para vincular ilicitamente sua campanha à Administração Municipal, razão pela qual conclui-se ausente o dolo na conduta.

Ademais, caber gizar que não há entre os slogans – da administração e dos recorrentes – semelhança capaz de produzir efeito nocivo no eleitorado a ponto de caracterizar o crime eleitoral. Ou seja, aqui não se verifica a similitude que cause confusão na mente do eleitor a ponto de associar indubitavelmente as figuras da prefeitura e dos postulantes à chefia do Poder Executivo de Frederico Westphalen, causando desigualdade na disputa e trazendo benefício à candidatura dos recorrentes em detrimento da dos demais concorrentes.

Somado a isso, cabe ressaltar que no corpo do julgado da Ação Penal n. 1-48.2008.6.12.0038, acima referida, o ilustre Relator salientou que “Diante do princípio da intervenção mínima do Direito Penal, alicerçado em seu caráter fragmentário e subsidiário, a similaridade entre os dizeres deve ser significativa, contundente, a ponto de caracterizar ilícito criminal”.

Tal compreensão encontra-se sedimentada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Não se revela a tipicidade material quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima (6ª Turma - Habeas Corpus n. 0165523/SP, Relator Ministro OG FERNANDES, 2010).

Por esse enfoque, penso que a questão aqui analisada deve se restringir ao campo cível-eleitoral.

E aqui cabe registrar que os recorrentes, quando notificados da propaganda dita irregular nos autos da Representação n. 423-19 (fls. 38-102), imediatamente, e dentro do prazo legal, retiraram de circulação todo o material impugnado (panfletos e divulgação em redes sociais) (fls. 61, 66-68), razão pela qual deve ser sublinhada a boa-fé destes.

Nota-se, à vista disso, que o impasse foi resolvido na esfera cível, sendo desnecessário, em respeito ao caráter subsidiário e aos princípios da Fragmentariedade e da lesividade do Direito Penal, que a contenda avance para a órbita do Direito Penal, reservada a punir as condutas graves praticadas contra bens jurídicos mais relevantes.

Nesse sentido:

Recurso criminal. Art. 40 da Lei n.º 9.504, de 1997. Condenação. Preliminar de cerceamento de defesa - afastada.

1. A nulidade não será declarada sem comprovação de prejuízo.

Mérito. A conduta não encontra reprovação na esfera penal por não ter causado dano social. Princípios da fragmentariedade e da lesividade.

2. O caráter fragmentário do Direito Penal significa que este não deve sancionar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas somente as condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes.

3. A exigência da lesividade ao bem jurídico penalmente tutelado, consubstanciada na efetiva lesão ou no perigo concreto ou idôneo de dano ao interesse jurídico, é própria de um Direito Penal decorrente do Estado Democrático de Direito, visando restringir ao máximo o poder punitivo estatal, reconduzindo o Direito Penal à sua verdadeira função, a de exclusiva proteção dos bens jurídicos mais importantes da vida em coletividade. Art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Atipicidade. Recurso provido. Absolvição.

(RECURSO CRIMINAL n. 34052002, ACÓRDÃO n. 660 de 03.6.2003, Relatora SÔNIA DINIZ VIANA, Publicação: DJMG - Diário do Judiciário-Minas Gerais, Data 26.6.2003, Página 76) (Grifei.)

PROCESSO CRIME - ART. 40 DA LEI 9.504/97 - OFERECIMENTO DA DENÚNCIA - CABIMENTO DA ANÁLISE DA TIPICIDADE DA CONDUTA DO DENUNCIADO COMO PRESSUPOSTO PARA VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - CONDUTA DO AGENTE NÃO POSSUI OFENSIVIDADE MÍNIMA PARA OFENDER O BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO, A IGUALDADE ENTRE OS CANDIDATOS E A NORMALIDADE E LEGITIMIDADE DO PLEITO - TIPICIDADE NÃO RECONHECIDA - DENÚNCIA REJEITADA.

(TRE-SP - PROCESSO CRIME n. 1096, ACÓRDÃO n. 154538 de 26.01.2006, Relator WALDIR SEBASTIÃO DE NUEVO CAMPOS JÚNIOR, Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Data 02.02.2006, Página 195) (Grifei.)

Por esses fundamentos, não vejo como considerar a ação dos recorrentes como inserida no âmbito da incidência do art. 40 da Lei das Eleições, razão pela qual deve ser provido o recurso em face da atipicidade da conduta por estes praticada.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, absolvendo os recorrentes do crime tipificado no art. 40 da Lei n. 9.504, com fundamento no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.

É como voto, senhor Presidente.