RE - 3133 - Sessão: 07/08/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por RODRIGO PERTILLE contra decisão do Juízo da 98ª Zona Eleitoral que julgou procedente a representação por doação acima do limite legal, para o fim de condenar o representado ao pagamento de multa no valor de R$ 6.938,05, equivalente a cinco vezes a quantia doada em excesso, apurada em R$ 1.387,61 (fls. 49-50).

Em suas razões, sustenta que em face do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, expresso no art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal, não se amolda ao caso a redação original do § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/97, mas sim aquela dada pela Lei n. 13.488/17, que estabelece sanção mais branda, pugnando pela aplicação de multa equivalente a cem por cento da quantia em excesso (fls. 56-60).

Em contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 63-63v.).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 66-169v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Tempestividade

A sentença foi publicada no DEJERS em 27.02.2018, terça-feira (fl. 55), tendo sido interposto o recurso no dia 02.3.2018 (fls. 56-60v.), sexta-feira subsequente, dentro do tríduo legal.

Por conseguinte, interposto o recurso no prazo legal, dele conheço.

2. Mérito

Cumpre, de início, tecer algumas considerações diante das alterações legislativas havidas acerca das doações realizadas em valor acima do permitido.

O art. 23, caput, da Lei n. 9.504/97 permite doações em dinheiro e estimáveis em dinheiro por pessoas físicas para campanhas eleitorais. Já o seu § 1º estabelece que as doações e contribuições ficam limitadas a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

A redação original do § 3º do citado art. 23, em vigor à época dos fatos, dispunha que, em caso de doação acima do limite fixado, sujeitar-se-ia o infrator à multa de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

Entrementes, em 6 de outubro de 2017, foi publicada a Lei n. 13.488, que modificou a redação do § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/97, estabelecendo que o doador de quantia acima do limite fica sujeito ao pagamento de multa de até cem por cento do valor em excesso.

Verifica-se, assim, que, ao passo que a lei anterior previa punição consistente em multa de cinco a dez vezes o valor excedente, a lei nova passou a punir a mesma infração com sanção mais branda, de até uma vez a quantia em excesso.

Nessa ordem, surge questão de direito intertemporal, no sentido de se verificar se a nova lei teria aplicação retroativa para alcançar as doações realizadas sob a vigência da lei anterior.

No plano doutrinário, Carlos Maximiliano (Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis, 2ª ed. 1955. p. 28) refere que:

Os preceitos sob cujo império se concretizou um ato ou fato estendem o seu domínio sobre as consequências respectivas; a lei nova não atinge consequências que, segundo a anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, ou melhor, que se unem à sua causa como um corolário necessário e direto.

 

Portanto, em virtude de a doação ter ocorrido ao tempo em que a relação jurídica estava sob o império não da lei modificadora, mas da lei modificada, deve esta ser aplicada ao caso vertente, em face dos princípios da segurança jurídica e do tempus regit actum.

Não aplicável, nesse passo, a redação dada pela Lei n. 13.488/17, que entrou em vigor após realização da doação irregular, e sim a redação original do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, vigente no momento da prática do ato conspurcado.

Registro que tal entendimento restou albergado por esta Corte, no julgamento – por maioria, vencido em parte o relator – do Processo RE n. 2115, cuja ementa transcrevo:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ELEIÇÕES 2014. PRELIMINAR AFASTADA. NÃO CARACTERIZADA A INÉPCIA DA INICIAL. MÉRITO. CONFIGURADO O EXCESSO NO VALOR DOADO. CONTROVÉRSIA SOBRE A SANÇÃO APLICÁVEL. ALTERAÇÃO DA PENALIDADE PELA LEI N. 13.488/17. IRRETROATIVIDADE. PRINCÍPIO "TEMPUS REGIT ACTUM". ADEQUADA A MULTA APLICADA NA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. Inicial em regular condição de ser analisada. Dados supostamente omitidos estão referenciados nos documentos que instruem a peça. A falta da precisa descrição do valor excedido apenas pode ser suprida durante a instrução probatória, não havendo mácula na inicial. Inépcia da petição não caracterizada.

2. Mérito. A doação realizada por pessoa física restringe-se a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, nos termos do art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Caracterizada a infringência ao parâmetro legal.

3. Penalidade. Controvérsia sobre a sanção adequada. Inaplicabilidade da Lei n. 13.488/17 aos processos de exercícios anteriores a sua vigência, em prestígio à lei vigente à época dos fatos e ao princípio da segurança jurídica. Irretroatividade. Aplicação do princípio "tempus regit actum". Mantida a condenação imposta na sentença, de acordo com a penalidade prevista na época dos fatos.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE n. 2115, Relator: Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 18.12.2017, publicado no DEJERS - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do RS, n. 8, de 22.01.2018, p. 10.) (Grifei.)

 

No mesmo rumo decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, em recente julgado:

ELEIÇÕES 2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. MULTA. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. OBSCURIDADE. ERRO MATERIAL. INEXISTÊNCIA. NOVA REDAÇÃO DO ART. 23, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SANÇÃO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. ATO JURÍDICO PERFEITO. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. APLICAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO.

1. Segundo a novel redação do art. 275 do Código Eleitoral (CE), dada pelo art. 1.067 da Lei nº 13.105, de 2015, são admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil (CPC), o qual, por sua vez, no art. 1.022, prevê o cabimento do recurso para: I esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III corrigir erro material.

2. Na linha da jurisprudência desta Corte, é "inadmissível, em embargos de declaração, a inovação na tese recursal" (ED-REspe nº 2351-86/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 18.8.2016).

3. Em caso análogo, esta Corte decidiu que "é impróprio afirmar a incidência do princípio da retroatividade da lei benéfica em favor da doadora, seja por não se tratar na espécie de sanção penal, seja porque a retroatividade da norma não penal pressupõe a existência de regra expressa que a determina" (AgR-REspe nº 32-80/SP, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 17.11.2016).

4. A Lei n. 13.488/2017, que alterou o montante da multa devida pela pessoa física que efetua doação à campanha de valor superior ao limite legal (art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97), não retroage para alcançar o momento em que a irregularidade foi praticada, posto tratar-se de ato jurídico perfeito que, como tal, é regido pela norma vigente ao seu tempo (tempus regit actum).

5. Sobressai, in casu, o intuito manifestamente protelatório dos embargos, porquanto as alegações veiculadas pelo embargante consistem na mera inovação de teses recursais, pretensão claramente incabível nesta via recursal. Nesse cenário, impõe-se a aplicação da multa prevista no art. 275, § 6º, do CE, medida que, longe de restringir o exercício regular do direito de ação garantido pela Constituição Federal, visa preservar o postulado da duração razoável do processo, que tem especial relevo na esfera eleitoral (art. 5º, LXXVIII, da CF e art. 97-A da Lei nº 9.504/97), bem como conduzir à observância do disposto no art. 6º do CPC, que impõe a todos os sujeitos do processo o dever de cooperação para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

6. Embargos de declaração não conhecidos e declarados manifestamente protelatórios, com imposição de multa fixada em valor equivalente a 1 (um) salário mínimo.

(TSE – ED-AgR-Al n. 32-03.2015.6.1 9.0079/RJ, Relator Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 27.3.2018, publicado no DJE, tomo 71, de 11.4.2018, p. 38.) (Grifei.)

Consequentemente, na situação dos autos, tendo em vista que ao tempo da doação estava vigente a redação originária do § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/97, a qual estabelecia a sanção pecuniária de cinco a dez vezes o valor doado em excesso, deve essa ser aplicada ao caso.

Consequentemente, correta a decisão de primeiro grau que fixou multa em seu grau mínimo ao representado, no valor de R$ 6.938,05, ou seja, cinco vezes a quantia doada em excesso.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhor Presidente.