E.Dcl. - 162 - Sessão: 17/07/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos por LUCIANO DELFINI ALENCASTRO (fls. 632-634), e conjuntamente por ELEMAR BARTZ WENZKE, ALDO DA SILVA SOARES, ALESSANDRA MENEZES DOS SANTOS NUNES, CARLOS LABASTI PORTES, DANIEL RODRIGUES DE BORBA, DIOBEL MORAES RAMOS, EDINA MARIA DA SILVA BECKEL, ELISIANE GONÇALVES D'AVILA, ELECY RODRIGUES DE FREITAS, JOÃO GUILHERME CASSALHA GODINHO,  JOÃO JUSCELINO RODRIGUES, JOEL LUIS RODRIGUES PACHECO, JOSÉ VOLMIR VASCONCELOS DA SILVA, LUCIANE BRANDÃO DE VARGAS, MARCO AURÉLIO DIAS, MARIA NEREIDA SOARES, MOZART PIELECHOWSKI DOS SANTOS,  NILZA TESSMANN CASTRO, PAULO RENATO FLORES DE DEUS, PERIVALDO LACERDA DE OLIVEIRA, RAQUEL FONSECA JACKES, RENATO SANHUDO NUNES, TANIA MARIA FERREIRA e TONI ROGER MARTINS DE MARTINS (fls. 637-652v.), contra o acórdão que, por unanimidade, afastou a matéria preliminar e desproveu os recursos interpostos para manter a sentença que determinou a cassação dos mandatos eletivos e dos diplomas obtidos pelos ora embargantes na eleição proporcional de 2016 do Município de Camaquã.

Em suas razões, LUCIANO DELFINI ALENCASTRO afirma que a decisão foi omissa ao analisar a preliminar de prescrição fundamentada no art. 223 do Código Eleitoral. Alega que anular votação somente é possível se requerida imediatamente após a apuração dos votos da eleição. Requer o acolhimento dos embargos declaratórios, com o aclaramento da decisão.

Os embargantes, ELEMAR BARTZ WENZKE e outros, suscitam as preliminares de nulidade absoluta pelas seguintes razões: a) falta de nomeação de defensor ao impugnado Cláudio Borget, o qual foi notificado para contestar a ação e não constituiu advogado; b) ausência de nomeação de defensor, após a apresentação de renúncia pelo procurador constituído, para representar a impugnada Cleni Bandar Okraszewski Sonemann durante a instrução e para assisti-la na audiência de interrogatório; c) omissão do nome de Cleni Bandar Okraszewski Sonemann no dispositivo da sentença, e respectiva ausência de intimação da impugnada sobre a decisão condenatória. No mérito, alegam que o acórdão incorreu em erro material ao considerar que a Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã requereu a candidatura de 8 mulheres ao cargo de Vereador, uma vez que foi apresentado requerimento para 10 candidatas, tendo sido indeferido o registro de Santa Emília Silva da Peres, e que sequer foi interposto recurso contra o indeferimento, a evidenciar a falta de intenção de fraudar as candidaturas. Insurgem-se quanto à valoração da prova produzida para as candidaturas de Cleni Bandar Okraszewski Sonemann e de Maria Nereida Soares e sustentam que a decisão foi omissa relativamente à individualização das condutas dos impugnados e à aplicação dos princípios da soberania popular, da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação da pena. Apontam contradição e omissão quanto ao polo passivo da demanda, referindo a inviabilidade de figurarem como partes os candidatos não eleitos e a coligação partidária, e suscitam não ser viável de cassação do DRAP por meio de AIME. Invocam os arts. 76, 371, 395, e 447, § 3°, todos do CPC, o art. 133 da CF, e jurisprudência. Requerem o acolhimento da matéria preliminar ou, alternativamente, o aclaramento da decisão.

Em contrarrazões, MARCONI LUIZ DRECKMANN e LEOMAR BOEIRA DA COSTA suscitam a preclusão consumativa para a arguição de NULIDADES no feito, apontando que em diversas oportunidades os ora embargantes ofereceram manifestação sem invocar sua existência. Alegam que a sentença não utilizou os efeitos da revelia para a condenação dos impugnados e que o processo tramitou sem vícios. Aduzem que as partes referidas pelos embargantes para fundamentar as preliminares de nulidade sequer alegaram prejuízo. Quanto ao erro material alegado, esclarecem que a Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã requereu a candidatura de 9 mulheres ao cargo de Vereador, e não 10, como afirmam os embargantes, e nem 8, conforme assentado no aresto, pois Santa Emília Silva da Peres, que teve o pedido de registro indeferido, foi substituída pela candidata Raquel Jackes. Acrescentam que foge ao objetivo dos embargos de declaração a rediscussão dos fatos e provas, colacionam jurisprudência e postulam o desprovimento dos declaratórios (fls. 664-679v.). Quanto aos declaratórios opostos por LUCIANO DELFINI ALENCASTRO, aduzem que embora o art. 223 do Código Eleitoral não tenha sido expressamente enfrentado, o acórdão embargado afastou toda a matéria preliminar levada à apreciação no recurso interposto, ausente qualquer omissão no julgado. Salientam, ainda, que a fraude objeto da ação somente poderia ser verificada após a realização das eleições, e requerem, igualmente, a rejeição do recurso (fls. 681-682v.).

Intimado para sanar a irregularidade de representação processual, o embargante LUCIANO DELFINI ALENCASTRO juntou procuração aos autos (fls. 690-691).

É o relatório.


 

VOTO

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos, e comportam conhecimento.

Inicialmente, analiso as preliminares arguidas pelas embargantes, inclusive a arguição de ilegitimidade passiva dos impugnados.


 

Preliminares

a) Omissão quanto ao enfrentamento da preliminar de prescrição suscitada com arrimo no art. 223 do Código Eleitoral

Assiste razão ao embargante Luciano Delfini Alencastro ao afirmar que o acórdão não mencionou o art. 223 do Código Eleitoral ao rejeitar a alegação de preclusão para a propositura da demanda, violação ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, e falta de adequação do caso às hipóteses de anulação e fraude previstas nos arts. 220 e 221 do Código Eleitoral.

No entanto, da leitura do julgado, verifica-se que os fundamentos para a invocação do referido dispositivo foram devidamente considerados e afastados, tendo sido clara a decisão no sentido de que não prevalece a tese de impossibilidade de cassação do mandato eletivo e declaração da nulidade dos votos após a homologação do pedido de registro de candidatura e do Demonstrativo de Atos Partidários (DRAP) da respectiva coligação partidária.

Veja-se o conteúdo da decisão embargada:

A ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) é expediente que se destina a desconstituir o mandato alcançado no pleito, na expressa dicção do nomen iuris da medida jurídica e do § 10 do art. 14 da CF: “O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.

 
Não se verifica, na hipótese dos autos, a violação aos princípios suscitados pelos recorrentes, justamente porque a própria Constituição Federal prevê a propositura da ação após a diplomação dos candidatos.

 
Além disso, o TSE assentou ser possível verificar, por meio de AIME ou de ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), se o partido político efetivamente respeitou a normalidade das eleições no curso das campanhas eleitorais no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições.

 
Segundo a Corte Superior Eleitoral, é cabível o ajuizamento de AIME para averiguar se há lançamento de candidatas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.

Dessa forma, embora deva ser acolhido o apontamento de que não constou expressamente no acórdão a circunstância de que a preliminar de preclusão para o ajuizamento da ação, com fundamento no art. 223 do Código Eleitoral, estava também afastada, tal fato constitui mero erro material, pois o fundamento para invocar a tese foi considerado.

Assim, embora possa ser aclarada a decisão nesse ponto, o afastamento do raciocínio exposto nas razões recursais apresentadas conduz à ausência de atribuição de efeitos infringentes ao julgado.


 

b) Contradição e omissão quanto ao polo passivo da demanda por inviabilidade de figurarem como partes da AIME os candidatos não eleitos e a coligação partidária

Não se desconhece os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal que entendem incabível o ajuizamento de ação de impugnação de mandato eletivo contra partes que não detenham mandato, tais como candidatos não eleitos, partidos e coligações.

Essa circunstância foi expressamente enfrentada pelo juízo a quo pela decisão da fl. 193 dos autos, na qual manteve os candidatos não eleitos como parte e determinou a exclusão do feito dos partidos políticos aos quais os impugnados são filiados e da Coligação Para Mudar e Renova Camaquã.

Assim, as agremiações não constaram no feito como partes.

De qualquer sorte, não se evidencia qualquer nulidade ou prejuízo pelo fato de terem permanecido na qualidade de impugnados os candidatos não eleitos que concorreram pela Coligação Para Mudar e Renova Camaquã, os quais tiveram oportunidade de oferecer defesa e de se manifestar sobre os fatos alegados.

Aplica-se ao caso a previsão contida na parte final do art. 219 do Código Eleitoral:

Art. 219. Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo 

(Grifei.)

Assim, rejeito a preliminar.


 

c) Ausência de nomeação de defensor aos impugnados Cláudio Borget e Cleni Bandar Okraszewski Sonemann, ausência de intimação dos referidos candidatos sobre a decisão condenatória e omissão do nome de Cleni Bandar Okraszewski Sonemann do dispositivo da sentença

Os candidatos Cláudio Borget e Cleni Bandar Okraszewski Sonemann foram devidamente notificados para responder à ação (fls. 147v. e 149), e apenas Cleni constituiu advogado para representá-la, o qual posteriormente apresentou renúncia (fl. 243) devidamente comunicada à candidata.

Consoante bem referido pelas partes embargadas, aplica-se a essa hipótese o contido nos arts. 345 e 346 do CPC:

Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:

I - havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;

 

II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;

IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.

Art. 346. Os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial.

Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar. (Grifei.)

 

Ao réu revel sem patrono nos autos, os prazos contam a partir da publicação das decisões, independentemente de intimação pessoal, por força do disposto no Código de Processo Civil.

Dessa forma, se devidamente intimadas, as partes não apresentam defesa, tal fato não impede a tramitação e o julgamento da ação, sendo certo que, no caso concreto, a apresentação de defesa pelos demais litisconsortes impediu a operação dos efeitos da revelia.

Ademais, não há imposição legal de nomeação de defensor dativo, seja para o impugnado que deixou de oferecer defesa, seja para a impugnada que deixou de estar representada por advogado e, inclusive, foi interrogada na audiência de instrução.

Ora, o feito não se trata de ação penal, e sim de ação cível eleitoral, que não é regida pelo disposto no art. 185 do Código de Processo Penal:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

Por fim, não se evidencia qualquer nulidade por ausência de menção expressa ao nome da impugnada Cleni Bandar Okraszewski Sonemann no dispositivo da sentença condenatória.

A candidata constou da inicial e da autuação do feito, foi notificada, produziu provas durante a instrução e foi inclusive interrogada em audiência pelo juízo singular.

A decisão de primeira instância foi clara que em apresentar a conclusão pela procedência do pedido formulado na inicial, com a consequência cassação dos diplomas de todos os impugnados, ausente qualquer prejuízo pelo fato de o nome de Cleni não ter sido expressamente grafado no dispositivo da sentença.

Com esses argumentos, rejeito a preliminar.


 

d) Erro material quanto à referência ao número de candidatas ao cargo de vereador apresentadas pela Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã


 

Assiste parcial razão aos embargantes.

Nas razões de decidir, o acórdão embargado afirmou que a Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã concorreu com 8 candidatas para o cargo proporcional, uma vez que a 9ª candidatura, relativa a Santa Emilia Silva da Peres, foi indeferida pelo magistrado a quo.

Todavia, conforme bem esclarecem os embargados, a referida coligação procedeu à substituição da candidata por Raquel Jackes, tendo concorrido, efetivamente, com 9 candidatas na candidatura para a eleição proporcional.

Merece, portanto, ser procedida a correção do equívoco no julgado, a fim de ser considerado que a Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã concorreu com 9 candidatas para o cargo proporcional nas eleições 2016.

Acolho, portanto, o apontamento, porém corrigindo o acórdão para constar como 9 o número de candidatas, e não como 10, conforme solicitam os embargantes.


 

Mérito

No mérito, os embargantes, irresignados com a conclusão pelo desprovimento dos recursos interpostos, pretendem rediscutir, em sede de embargos de declaração, o exame da prova realizado pelo Tribunal, atacando a justiça da decisão, e não os termos do aresto embargado.

A decisão fundamentou o convencimento pela manutenção da sentença recorrida, inclusive enfrentando, em sede preliminar, a alegação recursal de ausência de individualização da conduta dos candidatos impugnados, merecendo ser transcritas as razões de decidir:

Em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, a decisão que conclui pela ocorrência de fraude no percentual de reserva de gênero da candidatura proporcional apresentada por coligação tem como consequência a invalidade do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) anteriormente aprovado, além da desconstituição do mandato dos candidatos eleitos e seus suplentes.

 
Os candidatos impugnados são alcançados pela decisão porque seu efeito representa verdadeiro indeferimento do registro da candidatura proporcional, dado o reconhecimento da nulidade dos votos obtidos em fraude à lei.

 
Na hipótese dos autos, a ação impugnatória foi ajuizada para demonstrar que duas candidaturas femininas foram registradas com o objetivo de validar o registro dos demais candidatos que concorreram pela coligação, pois todos dependiam do atendimento ao percentual estabelecido no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 para ter o requerimento de candidatura deferido.

 
Daí porque, nos termos do art. 109 do Código Eleitoral, a procedência da ação gera a distribuição dos mandatos de vereador aos demais partidos ou coligações que alcançaram o quociente partidário, não havendo se falar em falta de individualização das condutas dos candidatos.

 

 

Assim, rejeito a alegação.


 

As razões de mérito contidas na petição de embargos, em verdade, objetivam um novo julgamento do recurso, pois o acórdão foi suficientemente claro quanto à valoração da prova, fatos e teses trazidas à apreciação do Tribunal.

Demais disso, não dá azo ao manejo de embargos de declaração a alegação de que a decisão embargada violou os princípios da soberania popular, da razoabilidade e da proporcionalidade, pois tais argumentos devem ser dirigidos à instância ad quem, competente para o julgamento do respectivo recurso.


 

Nesses termos, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo acolhimento em parte dos embargos de declaração, sem atribuição de efeitos infringentes, a fim de aclarar o acórdão embargado e corrigir os seguintes erros materiais:

a) consignar que a preliminar de preclusão para o ajuizamento da ação, com fundamento no art. 223 do Código Eleitoral, também foi considerada afastada pelo julgado, nos termos do raciocínio exposto nas razões de decidir nele contidas;

b) corrigir para 9 (nove) a referência ao número de candidatas femininas apresentadas pela Coligação Para Mudar e Renovar Camaquã na eleição proporcional ocorrida em 2016.