RE - 1045 - Sessão: 28/06/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Dilermando de Aguiar contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, determinando a remessa de R$1.558,80 ao Tesouro Nacional.

Em sua irresignação (fls. 114-117), o recorrente sustenta que as doações decorrem de obrigação estatutária. Argumenta que há ADI pendente de julgamento sobre o tema, motivo pelo qual deveria ser suspenso o feito. Aduz que a Lei n. 13.165/15 admite a doação de filiados, pugnando por sua aplicação retroativa. Requer a aprovação das contas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 122-129).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 22.01.2018 (fl. 109) e o recurso foi interposto no dia 25 do mesmo mês (fl. 114), respeitando o prazo de 3 dias previsto pelo art. 258 do Código Eleitoral.

No mérito, as contas da agremiação recorrente foram desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, consistentes em doações provenientes de ocupantes de cargos de chefia e direção, quais sejam: R$780,00 de José Henrique Bastianello, Secretário de Assistência, Desenvolvimento Social e Cidadania; R$340,00 de Maria Edi Cezimbra, Diretora Administrativa; e R$438,80 de Milena Fernanda Taffarel, Diretora de Desenvolvimento Social.

Correta a sentença recorrida.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38

O conceito de autoridade pública previsto no referido artigo abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(Consulta n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. José Augusto Delgado, Relator designado Min. Antonio Cesar Peluso, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.)

(Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…]

(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

A vedação, decorrente do entendimento fixado pela Corte Superior na aludida consulta, vem sendo confirmada pelos Tribunais, como se verifica pela seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE n. 100000525, Relatora Desa. Federal Elaine Harzheim Macedo, 25.4.2013.) (Grifei.)

Tal entendimento foi, inclusive, inserido na Resolução n. 23.432/14, cujas disposições de direito material disciplinam o exercício financeiro de 2015, analisado nestes autos:

art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

XII - autoridades públicas

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Registre-se ainda ser inaplicável a alteração introduzida pela Lei n. 13.488/17, que acrescentou o inc. V ao art. 31 da Lei n. 9.096/95 e passou a admitir doações de ocupantes de cargos públicos filiados à agremiação beneficiada.

Este Tribunal entendeu que a licitude ou não das doações é regida pela lei vigente ao tempo do exercício financeiro, independentemente do caráter mais benéfico da posterior legislação, como se verifica pelo seguinte precedente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses.

6. Provimento parcial. (RE n. 14-97, Relator Dr. Luciano Losekann, julgado em 4.12.2017.) (Grifei.)

Nesse precedente, após longo debate, prevaleceu o entendimento exposto pelo Des. Eleitoral Eduardo Dias Bainy, ao qual aderiram os demais integrantes do Pleno. Extraio de sua manifestação as seguintes passagens, que bem expressam os motivos adotados pelo Tribunal na resolução do tema:

A controvérsia que surge é no seguinte sentido: Seria possível aplicar essa disposição a doações ocorridas antes da vigência da lei? Ou seja, seria possível convalidar doações que, à época do ato, eram consideradas ilícitas?

Penso que não, sob pena de malferimento do ato jurídico perfeito, da segurança jurídica e da isonomia processual.

Essa matéria não é nova, sendo que essa Corte e o TSE, quando chamados a apreciá-la, posicionaram-se no sentido de que o tempo rege o ato e, mesmo se tratando de norma mais benéfica, não é aplicável à hipótese a retroatividade ínsita aos feitos de natureza criminal.

Foi assim quando, recentemente, o TSE examinou a questão das doações realizadas por pessoas jurídicas após a revogação do art. 81 da Lei 9.504/97.

[…]

Dessarte, não obstante os respeitáveis fundamentos trazidos pelo relator, penso que a orientação que assegura igualdade e é consentânea com os princípios processuais constitucionais e com o ato jurídico perfeito é aquela que aplica a nova disposição prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, levada a efeito pela Lei n. 13.488/17, a doações realizadas apenas a partir da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

No mesmo sentido seguiram outros julgados, a exemplo do RE n. 42-39, cuja ementa destaca:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos.

Na espécie, evidenciado o recebimento de recursos provenientes de Secretário de Planejamento e de Secretário de Finanças da Prefeitura. Cargos que, por deterem a condição de liderança, de chefia e direção, se enquadram no conceito de autoridade, sendo ilegítimas as contribuições. Irregularidade que atinge 53,48% das receitas do partido. Mantida, assim, a desaprovação das contas e o recolhimento do valor indevido ao Tesouro Nacional. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para cinco meses.

Provimento parcial. (RE n. 42-39, Relator Des. Jorge Luís Dall'Agnoll, julgado em 19.12.2017.) (Grifei.)

Assim, verificando-se doações provenientes de detentores de cargo em comissão que desempenham função de chefia ou direção, tais verbas são consideradas fonte vedada, por força do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme a disciplina legal vigente ao tempo das doações.

Também não se verifica a inconstitucionalidade do termo “autoridade” constante no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, como pretende o recorrente, pois a proibição de doações provenientes de autoridades públicas não ofende dispositivo constitucional, especialmente porque o estatuto partidário não se sobrepõe à norma legal aplicada em conformidade com a interpretação conferida pela jurisprudência. Da mesma forma, não se justifica a suspensão do processo pelo simples fato de estar em tramitação, no STF, ADI questionando o dispositivo legal aplicado.

Assim, correta a sentença recorrida ao reconhecer a ilicitude do recebimento de R$1.558,80, pois proveniente de fonte vedada, ao determinar o seu recolhimento ao Tesouro Nacional e ao suspender o recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 3 meses, considerando a gravidade do ilícito e o seu percentual frente ao total arrecadado (44,09%).

Ante todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.