RE - 5083 - Sessão: 20/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de Cruzaltense, LUÍS DALSSOTO, ROSELI LUIS ILCHENCO, MOACIR ROCHEMBACK e LENITO SANTOLIN contra sentença (fls. 147-149), que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, determinando a remessa de R$ 1.730,00 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 10% e suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário por um ano.

Em sua irresignação (fls. 160-164), sustentam que o município possui reduzido número de habitantes, na sua maioria agricultores, motivo pelo qual é difícil a manutenção do partido, que somente pode contar com poucas pessoas com condições econômicas. Aduzem que os doadores possuem outra fonte de renda, além do serviço público. Sustentam a incidência do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Requerem a aprovação das contas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 170).

É o relatório.

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 5.2.2018 (fl. 151) e o recurso foi interposto no dia 8 do mesmo mês (fl. 160), respeitando o prazo de 3 dias previsto pelo art. 52, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

No mérito, as contas da agremiação foram desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, consistentes em doações provenientes de ocupantes de cargos de chefia e direção, quais sejam: R$ 230,00 de Luiz Dal Solio, Diretor Agropecuário; R$ 300,00 de Lenito Santolin, Secretário de Coordenação e Planejamento; R$ 900,00 de Moacir Carlos Rochembach, Chefe de Gabinete; e R$ 300,00 de Rosilei Luis Ilchenco, Secretário de Agricultura.

Correta a sentença recorrida.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38 desta Lei e as proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha;

O conceito de autoridade pública abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, mediante a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

 

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n 22585 de 06.09.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, p. 172.)

(Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

 

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…]

(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

A vedação, decorrente do entendimento firmado pela Corte Superior na aludida consulta, vem sendo confirmada pelos Tribunais, como se verifica pela seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. Federal Elaine Harzheim Macedo, 25.04.2013.) (Grifei.)

Tal entendimento foi, inclusive, incorporado à Resolução TSE n. 23.464/15, cujas disposições de direito material disciplinam o exercício financeiro de 2016, analisado nestes autos:

art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

IV - autoridades públicas

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Cabe ainda uma breve referência à inaplicabilidade da alteração introduzida pela Lei n. 13.488/17, que acrescentou o inc. V ao art. 31 da Lei n. 9.096/95, e passou a admitir doações de ocupantes de cargos públicos filiados à agremiação beneficiada.

Este Tribunal entendeu que a licitude ou não das doações é regida pela lei vigente ao tempo do exercício financeiro, independentemente do caráter mais benéfico da posterior legislação, como se verifica pelo seguinte precedente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses.

6. Provimento parcial. (RE 14-97, Rel. Dr. Luciano Losekann, julgado em 4.12.2017.)

Assim, verificando-se doações provenientes de detentor de cargo em comissão que desempenha função de chefia ou direção, tais verbas são consideradas fonte vedada, por força do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme a disciplina legal vigente ao tempo das doações.

Essa situação não é modificada pelo fato de os doadores possuírem outras fontes de renda, como alega o recorrente. Primeiro, porque tal ressalva não é feita pela norma de regência; segundo, porque não é possível separar a renda pelas diferentes origens, que se misturam no patrimônio da mesma pessoa física. Seguindo essa linha de raciocínio, é certo que a percepção de proventos decorrentes do cargo público por quem já possui outra fonte de rendimentos confere melhores condições financeiras ao doador, refletindo invariavelmente nas doações realizadas.

Também se mostra correta a sentença em relação às sanções aplicadas.

A multa de até 20% sobre o valor irregular decorre da desaprovação das contas, como se extrai do art. 37 da Lei n. 9.096/95, com a redação atribuída pela Lei n. 13.165/15, cuja previsão incide sobre as contas do exercício financeiro de 2016, conforme definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral (PC 96183, Relator Min. Gilmar Mendes, DJE: 18.3.2016).

Já a determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional e a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário são consequências específicas do recebimento de recursos de fonte vedada, como se extrai do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em relação ao tempo de suspensão do Fundo Partidário, fixado pela sentença em um ano, como dispõe o art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, este Tribunal, em consonância com o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, tem admitido a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para realizar a dosimetria da sanção pelo tempo de 1 a 12 meses. Nesse sentido a seguinte ementa:

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DE QUOTAS. Agravo regimental da agremiação partidária […] 3. Dessa forma, o entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que "não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades". (Cta 1.428, rel. Min. José Delgado, red. para o acórdão Min. Antonio Cezar Peluso, DJe de 16.10.2007). […] 1. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, em que pese a ausência de previsão expressa no inciso II do art. 36 da Lei 9.096/95, deve ser observada na fixação da sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário, considerando a gravidade da falha e o seu respectivo valor, conforme a jurisprudência deste Tribunal. […] .Agravos regimentais a que se nega provimento.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 6176, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 233, Data 01.12.2017, Página 84/85.)

Dessa forma, considerando que os recursos de fonte vedada representam 49% do montante arrecadado, mostra-se adequada a fixação da suspensão de distribuição do Fundo Partidário pelo período de 06 meses.

Ante todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 06 meses, mantidas as demais determinações da sentença.