RE - 3698 - Sessão: 27/06/2018 às 10:00

RELATÓRIO

COLIGAÇÃO CONSTRUINDO UM NOVO CAMINHO recorre contra a decisão proferida pelo juízo da 116ª Zona Eleitoral que reconheceu a decadência, em razão do não implemento do litisconsórcio passivo necessário no prazo legal, da Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada contra DANIEL PEREIRA DE ALMEIDA, LUÍS RICARDO DOS SANTOS VIEIRA, ELISEU ANDRIN e DEISE MACHADO DE MOURA por suposta prática de abuso de poder político e econômico.

A sentença recorrida justificou que os agentes públicos responsáveis formam litisconsórcio passivo necessário com o candidato beneficiário e que a decisão de inclusão dos responsáveis ocorreu após o transcurso do prazo decadencial para o ajuizamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, motivo pelo qual a decadência da ação era resultado lógico, conforme jurisprudência (fls. 490-491).

Em suas razões de recurso (fls. 494-507), sustenta que os agentes públicos foram posteriormente incluídos no feito por decisão espontânea do juízo, sem pedido da parte autora neste sentido. Argumenta não ter incluído os agentes públicos no polo passivo da demanda porque não agiram com insubordinação, mas apenas obedeceram às ordens do prefeito interino, representado nos autos. Aduz ter havido entrega irregular de cestas básicas e gêneros alimentícios em período vedado. Requer a reforma da decisão recorrida, com o retorno dos autos à origem, para regular instrução.

Com as contrarrazões (fls. 511-539), nesta instância, os autos foram remetidos em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso (fls. 544-549).

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 22.01.2018 (fl. 493v.) e o recurso foi interposto no dia 24 do mesmo mês (fl. 494), ou seja, dentro do prazo de 03 dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

Passando ao mérito recursal, a coligação recorrente ajuizou Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE contra Daniel Pereira de Almeida, Prefeito candidato à reeleição, e Luis Ricardo dos Santos Vieira, candidato a Vice, no pleito suplementar realizado em Butiá no ano de 2017.

A ação fundamenta-se na prática de abuso de poder político mediante (a) compra suplementar de alimentos para entrega de cestas básicas pela Secretaria de Ação Social à população em período vedado pela legislação eleitoral e (b) distribuição de pães à população por meio da padaria comunitária da prefeitura, organizada pelo apoiador Eliseu Andrin.

O juízo de primeiro grau entendeu ser necessária a formação de litisconsórcio passivo entre os representados beneficiários e os agentes públicos responsáveis pela prática dos atos, e determinou a sua inclusão no polo passivo da representação (fl. 427).

Após, na decisão ora recorrida, a magistrada entendeu que a formação do litisconsórcio passivo necessário ocorreu após o decurso do prazo decadencial para o ajuizamento da AIJE e, por tal motivo, extinguiu o feito com resolução de mérito (fl. 490-491).

O recurso merece provimento, pois o caso concreto não trata de litisconsórcio passivo necessário.

Realmente, é pacífica a jurisprudência no sentido da existência de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiário e o agente público responsável pela prática dos autos ilícitos nas ações por abuso de poder e condutas vedadas.

Nesse sentido a jurisprudência:

ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. CANDIDATO BENEFICIADO. RESPONSÁVEL. AGENTE PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA. ALTERAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA.

[...]

3. Firma-se o entendimento, a ser aplicado a partir das Eleições de 2016, no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados.

[...]

(TSE, Mandado de Segurança nº 37082, Acórdão, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume, Tomo 170, Data 02/09/2016, Página 73/74)

A formação do litisconsórcio necessário, entretanto, não é exigida em todas as ações por abuso de poder político ou econômico, mas somente naqueles casos em que o candidato beneficiado com o ilícito não participou do ato, nem foi por ele responsável.

A ação tem como causa de pedir a prática de ato ilícito por agente público e tem por objeto, entre outros, a cassação do diploma ou registro. Por isso, deve integrar a ação tanto quem foi responsável pelo ato (agente público) quanto quem vai sofrer os efeitos da decisão (candidato beneficiário). Se assim não fosse, a propositura de ação apenas contra o candidato beneficiário iria colocá-lo na condição de defender ato praticado por terceiro, sobre o qual não teve qualquer participação.

Cito as palavras do Ministro Arnaldo Versiani, no voto proferido no RO 1696-77, no qual explicita esse fundamento para a exigência do litisconsórcio necessário:

Nessas circunstâncias, afigura-se inadmissível a propositura da representação apenas contra os eventuais beneficiários, e não também contra o agente público responsável pela conduta vedada, porque sem a citação desse agente público não se pode nem mesmo julgar se a conduta era vedada, ou não, à falta de defesa apresentada pelo que seria o respectivo responsável.

Ademais, ficaria o beneficiário na estranha posição de ter que defender a conduta, ou sustentar não ser ela vedada, apesar de não ser o responsável pela sua prática.

Por outro lado, tal preocupação não está presente quando o candidato beneficiário é o próprio responsável pelo ato ilícito, pois se confundem em uma mesma figura o agente público e a parte que sofrerá a consequência de cassação do diploma ou do registro.

Essa distinção fica evidente na jurisprudência, como se verifica pelos precedentes a seguir transcritos.

No recente julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 624-54, ocorrido em 11 de maio do corrente ano, o egrégio TSE reconheceu a necessidade de formação litisconsorcial porque os candidatos beneficiários não participaram do ato ilícito, como expressamente consignado na ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. DISTRIBUIÇÃO. BEBIDA.1. Trata-se de recursos especiais interpostos por Amanda Lima de Oliveira Fetter e Lúcio José de Medeiros (vencedores do pleito majoritário de Sandovalina/SP nas Eleições 2016) contra acórdão proferido pelo TRE/SP, em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), em que se reformou sentença para cassar a chapa e declarar inelegível o candidato a vice-prefeito por abuso de poder econômico, consubstanciado na distribuição gratuita de 150 latas de cerveja após comício por terceiros. PRELIMINARES. [...]. PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUTORES. DISTRIBUIÇÃO. BEBIDA. 4. Em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), impõe-se litisconsórcio passivo necessário entre o autor do ilícito e o beneficiário (precedente). Entendimento que incide nos casos de abuso de poder econômico, político e de uso indevido dos meios de comunicação social, pois, a teor do art. 22, XIV, da LC 64/90, aplica-se a inelegibilidade também a quem praticou o ato.5. A citação das três pessoas que distribuíram a bebida afigurava-se imprescindível, pois a conduta não fora praticada pelos candidatos, que nem sequer estavam presentes. […]

(Recurso Especial Eleitoral nº 62454, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 11/05/2018, Página 32)

O mesmo entendimento é exposto nas passagens a seguir transcritas de decisões monocráticas dos Ministros Luiz Fux e Rosa Weber:

“Ainda que o recorrente alegue que haja outros agentes públicos envolvidos, não é necessário que toda a cadeia de autores seja chamada para compor a lide, notadamente porque o recorrido figurava como autoridade máxima do Poder Executivo local. Nesse diapasão, os precedentes invocados não se amoldam ao caso concreto, porquanto se referem à representação proposta contra beneficiário do ato, sem a citação do agente público responsável pela prática da conduta vedada” . (RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 47762, Decisão monocrática de 11/2/2016, Relator(a): Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 06/04/2016 - Página 11-15)

"...‘há que se distinguir as situações em que o agente público que executa a conduta vedada atua com independência em relação ao candidato beneficiário, fazendo-se obrigatória a formação do litisconsórcio, e aquelas em que ele atua como simples mandatário, nas quais o litisconsórcio não é indispensável à validade do processo’ (AgR-REspe nº 311-08/PR, Relator Min. João Otávio de Noronha, DJe de 16.9.2014).” (RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 53121, Decisão monocrática de 1/2/2018, Relator(a): Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 22/02/2018 - Página 94-96)

Assim, diante da jurisprudência firmada, há necessidade de litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e o candidato beneficiário quando este não for responsável pelo ato ilícito. Do contrário, sendo o beneficiário o próprio responsável pelo ilícito, não há necessidade de incluir na demanda todos os demais agentes que participaram da conduta.

No caso dos autos, os ilícitos que fundamentam a ação são imputados ao candidato Daniel Pereira de Almeida, que integrava o Executivo municipal, âmbito onde foram praticados os supostos ilícitos descritos na inicial. A inicial expressamente refere que tanto Daniel quanto Luís Ricardo foram os responsáveis pelas condutas, indicando, como circunstância de evidência do dolo o empenho para aquisição dos produtos das cestas básicas (fl. 16).

Ademais, em momento algum a inicial atribui aos agentes Deise de Moura (Secretária de Ação Social) e Eliseu Andrin (vereador) a responsabilidade pelos ilícitos, nem tal conclusão pode ser extraída do seu contexto.

Em relação à primeira, a inicial apenas afirma que a distribuição de cestas básicas se deu no âmbito da Secretaria de Ação Social, sem sequer mencionar o nome da titular do órgão. No tocante a Eliseu Andrin, a petição inicial chega a afirmar que o vereador organizava a distribuição de senhas para retirada de pães pela população, mas também afirma que tal distribuição era realizada pela prefeitura, titulada pelo representado Daniel de Almeida, a quem foi imputada a responsabilidade pelas condutas.

Assim, não se verifica hipótese de formação de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos representados Daniel Pereira de Almeida e Luis Ricardo dos Santos Vieira e os agentes públicos posteriormente incluídos no polo passivo da ação: Deise Moura e Eliseu Andrin, pois Daniel Pereira, pela descrição dos fatos na petição inicial, concentra a figura de responsável e beneficiário pelos supostos atos ilícitos.

Verifica-se ainda que os agentes Deise Moura e Eliseu Andrin foram incluídos na ação e citados por ordem de ofício do juízo de primeiro grau, sem pedido da parte autora neste sentido (fls. 421-426 e 427), em ofensa ao princípio da demanda ou do dispositivo. Ademais, sua inclusão no polo passivo, além de desnecessária, ocorreu após o transcurso do prazo decadencial para o ajuizamento da ação, quando já inviável a alteração da relação jurídica processual, conforme pacífica jurisprudência.

Dessa forma, os agentes incluídos por força da decisão de folha 427 devem ser excluídos da presente ação.

Por fim, as alegações formuladas nas contrarrazões, a respeito da validade dos documentos apresentados e da suspeição da magistrada e do membro do Ministério Público não serão analisadas nesta oportunidade, a fim de evitar indevida supressão de instância, pois não houve enfrentamento dos temas pelo juízo de primeiro grau.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para reformar a decisão de extinção da ação por ausência de litisconsórcio passivo necessário, e determinar a exclusão dos representados Deise Moura e Eliseu Andrin do feito, com retorno dos autos à origem, para regular processamento.