RE - 6230 - Sessão: 31/08/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LUIS AIRTO LEIRIA UBERTI contra sentença do Juízo da 41ª Zona Eleitoral (fls. 46-51), que julgou procedente a representação por doação eleitoral acima do limite legal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para o fim de condená-lo ao pagamento de multa no valor de R$ 15.938,35 (quinze mil, novecentos e trinta e oito reais e trinta e cinco centavos), calculado em razão de excesso de doação, uma vez que o recorrente doou R$ 6.000,00 (seis mil reais) à campanha eleitoral de candidato às eleições municipais de 2016, considerando que no ano-calendário 2015, anterior ao da eleição de 2016, obteve receitas inferiores ao montante de R$ 28.123,39.

Em suas razões, afirma que o art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97 é claro ao estabelecer para as doações eleitorais o limite de 10% da renda bruta. Alega não terem sido considerados todos os seus rendimentos daquela natureza, tendo sido levados em conta apenas os tributáveis recebidos de pessoa jurídica, modalidade em que recebeu o total de R$ 9.392,00 de rendimentos brutos auferidos anteriormente ao ano da eleição. Defende que sejam considerados para o cálculo do percentual de 10% todos os seus ganhos auferidos. Alega que também as dívidas e ônus devem compor o cálculo da renda bruta e que, ao serem assim consideradas, sua renda total bruta alcançará R$ 339.968,81, elevando, portanto, o valor para R$ 33.996,88, sendo este o seu novo patamar da margem admitida para doações eleitorais. Sustenta que, para que seja obtida a renda bruta, aqueles devem ser somados com os rendimentos tributáveis da pessoa jurídica. Pugna seja afastada a condenação de suspensão dos direitos políticos por 8 anos, nos termos do art. 1º, inc. I, al. p, da Lei Complementar n. 64/90.

Com contrarrazões pela manutenção da sentença (fls. 70-73), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento parcial do recurso, devendo ser reformada a sentença recorrida apenas na parte em que determinou a suspensão dos direitos políticos (fls. 77-81).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a peça recursal discute o critério utilizado pela sentença para a caracterização de seus rendimentos brutos, afirmando ter havido uma interpretação legislativa prejudicial entre o conceito de rendimentos brutos e tributáveis.

Nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 3º da Lei n. 7.713 /98, o conceito de rendimento bruto é amplo, contemplando tanto os tributáveis como os não-tributáveis.

De acordo com art. 37 do Decreto n. 3.000/99 – Regulamento do Imposto de Renda - constituem rendimento bruto: “todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados”.

A Receita Federal regulamenta a tributação dos rendimentos brutos percebidos por pessoas físicas e deixa claro que o conceito de renda não é idêntico ao de rendimento bruto. Portanto, este último deve compreender somente as receitas, não incluindo a dedução correspondente às despesas, ou mesmo as dívidas e ônus reais.

Os rendimentos isentos e não tributáveis, os tributáveis, e os sujeitos à tributação exclusiva, por sua vez, estão elencados nos arts. 39 e seguintes do referido diploma legal.

O TRE-RS, no julgamento do RE n. 2230, da relatoria do Dr. Artur dos Santos e Almeida, assentou que, para a verificação do limite de doação para campanhas eleitorais, devem ser considerados os rendimentos tributáveis, os isentos e não tributáveis e os sujeitos à tributação exclusiva, uma vez integrarem a base de cálculo dos rendimentos brutos da pessoa física:

Recurso. Procedência de representação por doação acima do limite legal. Pessoa física. Condenação ao pagamento de multa. Preliminar afastada. Licitude da prova extraída do relatório de cruzamento de dados entre a Justiça Eleitoral e a Secretaria da Receita Federal para instrução de procedimentos judiciais. Ultrapassados os limites impostos pelo art. 23, § 1º, inciso I, da Lei n.º 9.504/97, que restringe a doação a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pela pessoa física no ano anterior à eleição, há incidência objetiva de sanção eleitoral. Irrelevante para a composição do conceito jurídico de rendimento bruto o valor declarado a título de bens e direitos que integrem o patrimônio do doador. Relevante, outrossim, para efeito de cálculo, o somatório dos valores apontados nas rubricas que refletem os rendimentos isentos e não tributáveis e os sujeitos à tributação exclusiva na fonte. Consequente redução do quantum sancionatório aplicado. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 2230 RS, Relator: DR. ARTUR DOS SANTOS E ALMEIDA, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 109, Data 25.6.2012, Página 11)

Para o caso em tela, irrelevante para a composição do conceito jurídico de rendimento bruto o valor declarado a título de bens e direitos que integrem o patrimônio do doador.

Além disso, também o c. TSE, na apreciação do REspe n. 16.385/ES, da relatoria do Min. Fernando Neves, em 05.12.2000, concluiu que: “as doações para campanhas eleitorais estão limitadas, quando feitas por pessoas físicas, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição, sendo irrelevante o valor de seu patrimônio”.

Outrossim, não cabe considerar os recursos da declaração da pessoa jurídica, uma vez que o limite de 10% da renda bruta tributável a ser sopesado é aquele referente à declaração da pessoa física.

Nesse sentido, a jurisprudência:

DIREITO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. RECURSO ELEITORAL. PRELIMINAR DE TEMPESTIVIDADE. REJEITADA. PRAZO. TRÊS DIAS. RITO DA LEI COMPLEMENTAR 64/1990. ARTIGO 258 DO CÓDIGO ELEITORAL. DOAÇÃO ILEGAL. PESSOA FÍSICA. CARACTERIZADA. MULTA. CÁLCULO EQUIVOCADO. RENDIMENTO BRUTO ANUAL. MULTA REDUZIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Esta Corte Eleitoral adota o rito estabelecido no artigo 22 da Lei Complementar 64/1990 para o julgamento de representações em desfavor de pessoas físicas, portanto, o prazo para recurso é de 3 (três) dias, nos termos do artigo 258 do Código Eleitoral. 2. As doações em dinheiro efetuadas por pessoas físicas acima do limite legal estabelecido no artigo 23, § 1º, da Lei 9.504/1997 são consideradas ilegais e ensejam aplicação de multa. 3. O fato gerador para imposição de multa é objetivo, dessa forma, a influência no resultado do pleito eleitoral, tendo o beneficiário sido eleito ou não, o dolo ou erro da conduta não é motivação capaz para exculpar a ilegalidade do ato. 4. O cálculo da multa é realizado sobre o excesso doado e possui como parâmetro os rendimentos brutos anuais da pessoa física, que englobam os valores tributáveis, o décimo terceiro e quaisquer outros rendimentos isentos. 5. Recurso parcialmente provido.

(TRE-DF - RE: 3604 BRASÍLIA - DF, Relator: RÔMULO DE ARAÚJO MENDES, Data de Julgamento: 15.9.2016, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Tomo 171, Data 19.9.2016, Página 3)

Dessa forma, considerando que, no caso em apreço, a Declaração de Imposto de Renda do exercício 2016, ano-calendário 2015, do recorrente aponta que o total de seus rendimentos tributáveis é inferior à quantia de R$ 28.123,39, fica estipulado como limite para doação o valor de R$ 2.812,39 (dois mil, oitocentos e doze reais e trinta e nove centavos).

Assim, tendo em vista que os rendimentos brutos obtidos foram inferiores ao valor de R$ 28.123,39 e a doação realizada para campanha foi de R$ 6.000,00, constata-se que o recorrente poderia ter doado até o montante de R$ 2.812,39, tendo excedido o limite de 10%, de modo que a sentença merece ser mantida.

Entretanto, no que se refere à suspensão dos direitos políticos determinada  na sentença, merece provimento o apelo.

No ponto, destaco o entendimento firmado pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de exigir, para a configuração da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc.I, al. p, da Lei Complementar n. 64/90, prévia análise, pelo juízo competente, para apreciar eventual pedido de registro de candidatura, que considerará a existência de quebra da isonomia entre os candidatos, bem como o risco à normalidade e à legitimidade do pleito ou o abuso do poder econômico.

Por oportuno, destaco arestos oriundos do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, P, DA LC 64/90. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PLEITO DE 2014. VALOR ÍNFIMO. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 29.11.2016.

2. A teor do art. 1º, I, p, da LC 64/90, são inelegíveis, para qualquer cargo, "a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida

por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22".

3. Referida inelegibilidade incide apenas na hipótese em que o valor doado em excesso compromete o equilíbrio e a lisura do pleito, considerando o disposto no art. 14, § 9º, da CF/88. Precedentes, em especial o AgR-REspe 274-25/CE,

Rel. Min. Henrique Neves, sessão de 20.10.2016; REspe 465-57/MG, Rel. Min. Rosa Weber, publicado em 9.11.2016; e REspe 82-79/MG, Rel. Min. Luiz Fux, publicado em 17.11.2016.

4. No caso, condenou-se Amauri Guimarães Barreiro por doar montante que excedeu em somente R$ 4.600,00 o limite estabelecido em lei, tratando-se de valor inexpressivo no contexto de eleição para o cargo de deputado estadual em 2014.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 12468, Acórdão, Relator Min. ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 54, Data 20.3.2017, Página 93.)

 

ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. ELEITO. DEFERIMENTO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE. PESSOA JURÍDICA. CONDENAÇÃO. DECISÃO COLEGIADA. TRANSITADA EM JULGADO. ART. 1º, INCISO I, P, DA LC Nº 64/90.

INCIDÊNCIA. INELEGIBILIDADE. SÓCIO-DIRIGENTE. AUSÊNCIA. INTERPRETAÇÃO. PARÂMETRO CONSTITUCIONAL. ART. 14, 9°, CF/88. DESPROVIMENTO.

1. Não é qualquer condenação, por doação acima do limite legal, que gera a inelegibilidade prevista no art. 1°, I, p, da LC n° 64/90, mas apenas aquelas que observando o rito previsto no artigo 22 da LC nº 64/90, afetem a normalidade

e legitimidade das eleições e visem à proteção contra o abuso do poder econômico ou político.

2. No acórdão regional, a Corte de origem trouxe os elementos de convicção do julgador da representação por doação acima do limite, no sentido de que não houve ilegalidade qualificada apta a interferência no processo eleitoral, motivo pelo qual não há falar na incidência da inelegibilidade em tela, à luz do disposto no art. 14, § 9°, da CF/88.

3. Recursos especiais desprovidos.

(Recurso Especial Eleitoral n. 24593, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 29.11.2016.)

 

Recurso. Impugnação. Registro de candidatura. Cargo de vereador.

Doação acima do limite legal. Art. 1º, inc. I, al. "p", da Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

Irresignação contra sentença que julgou improcedente impugnação e deferiu o registro de candidatura.

Condenação transitada em julgado por doação acima do limite legal em campanha eleitoral, condenando o candidato, sócio da empresa doadora, à sanção pecuniária. Afastada a causa de inelegibilidade, em virtude do valor do excesso doado corresponder a importância irrisória, sem aptidão para violar a legitimidade ou a normalidade do pleito.

Manutenção da sentença de deferimento.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 18736, ACÓRDÃO de 29.9.2016, Relatora DRA. GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA, Relatora designada, DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 29.9.2016.)

 

Recurso. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Inelegibilidade dos sócios. Art. 1º, inc. I, letra "p", da Lei Complementar n. 64/90. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15 não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes de sua vigência, não alcançando as doações realizadas ainda na vigência do art. 81 da Lei n. 9.504/97. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam acolhida. Exclusão do recorrente do polo passivo da demanda, visto que não mais integrava o quadro social da empresa quando realizada a doação. Manifestação tardia da empresa doadora, considerada revel no processo, sem o condão de alcançar o pretendido efeito de reverter a sentença condenatória. Afastadas, de ofício, as declarações de inelegibilidade dos demais sócios da empresa doadora, por não se tratar de sanção prevista no art. 81 da Lei n. 9.504/97. Matéria a ser examinada por ocasião de eventual registro de candidatura.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 7423, ACÓRDÃO de 03.12.2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 224, Data 07.12.2015, Página 6.)

 

Recurso. Doação acima do limite legal. Pessoa física. Condenação à multa e declaração de inelegibilidade com base na Lei Complementar n. 64/90.

A doação realizada por pessoa física restringe-se a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição. Demonstrado o excesso de doação comprovada por meio de prova documental, despicienda a oitiva de testemunhas. A aplicação do princípio in dubio pro reo só seria possível ante a presença de dúvida, não ocorrente no caso.

Causa de inelegibilidade dever ser aferida no rito de eventual processo de registro não podendo ser aplicada como decorrência da procedência da representação por doação acima do limite legal.

Afastamento da declaração de inelegibilidade imposta na sentença.

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 7338, ACÓRDÃO de 14.10.2014, Relator DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 188, Data 17.10.2014, Página 3.)

Dessarte, a suspensão dos direitos políticos é penalidade incabível na presente representação, sendo que eventual inelegibilidade como efeito da condenação apenas será analisada em procedimento próprio, por ocasião de registro de candidatura, caso pretenda disputar mandato eletivo.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para excluir da condenação a suspensão dos direitos políticos, nos termos da fundamentação.