RE - 62468 - Sessão: 26/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ANA MARA JACQUES CHIODI, concorrente ao cargo de vereador, contra sentença do Juízo da 75ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista a ausência de demonstração: da capacidade econômica para as doações; de gastos com assessoria jurídica; de extratos bancários; e de cessão de veículo, embora tenha registrado despesas com combustível.

Em suas razões recursais (fls. 41-44), sustenta que as falhas não prosperam, juntando documentos para suprir as irregularidades apontadas na sentença. Requer a aprovação das contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 57-67).

É o breve relatório.

 

VOTO

PRELIMINAR:

Tempestividade:

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada no dia 19.12.2017 (fl. 40), terça-feira, ao que se seguiu a interposição do recurso no dia 22.01.2018 (fl. 41), segunda-feira, em consonância com a Portaria P n. 290, de 06 de setembro de 2017, que suspendeu os prazos processuais no período de 20 de dezembro de 2017 a 20 de janeiro de 2018, inclusive.

 

Nulidade da sentença:

Preliminarmente, a Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de ter negado vigência à disposição contida no art. 26 da Resolução n. 23.463/15, o qual determina o recolhimento, ao Tesouro, de valores provenientes de origem não identificada.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

A sentença identificou como irregularidade o recebimento de recursos próprios do candidato acima do valor declarado em seu patrimônio, concluindo apenas haver indícios do emprego de recursos de origem não identificada, sem exarar conclusão taxativa sobre tal hipótese, e sem, tampouco, fundamentar a desaprovação no pertinente art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Como a sentença não foi embasada na falta de origem dos recursos, não se pode dizer que tenha havido omissão em aplicar a consequência de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Ainda que assim não fosse, a falta de interposição de recurso por parte do Ministério Público de primeiro grau torna preclusa a pretensão de recolhimento do valor irregular.

Ademais, a determinação de recolhimento nesta instância, a qual chegou à matéria por exclusivo recurso da prestadora, levaria à reformatio in pejus, efeito vedado pelo sistema processual.

Nesse sentido posicionou-se recentemente este Tribunal, em acórdão do qual se extrai a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS". MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância "ad quem", dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a "reformatio in pejus", nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento.

(TRE/RS, Relator Dr. Luciano André Losekann, redator para acórdão Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 14.12.2017.) (Grifei.)

Do exposto, máxime frente à ausência do manejo recursal pelo Ministério Público, reconhecida a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica da recorrente, afasto a pretensão de recolhimento da quantia irregular, de ofício, nesta instância.

 

Documentos juntados com o recurso:

Preliminarmente, ainda, cumpre registrar a viabilidade dos documentos apresentados com o recurso, conforme entendimento pacífico deste Tribunal.

Sobre o tema, adoto como razões de decidir os fundamentos expostos pelo Des. Eleitoral Jamil Bannura no RE n. 386-26, julgado em 25.7.2017:

Não olvido de julgados do egrégio TSE no sentido de que “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber, DJE de 31.10.2016). Contudo, entendo que o rigorismo da preclusão deve ser mitigado em favor do esclarecimento dos fatos.

Decerto, a aferição e fiscalização contábil das contas dos candidatos em campanhas eleitorais, com o máximo de subsídios possíveis, caminha ao encontro do interesse público e da missão institucional da Justiça Eleitoral na garantia da legitimidade do processo eleitoral.

Nesse trilhar principiológico, o STJ tem admitido a juntada de documentos probatórios, em sede de apelação, desde que não sejam indispensáveis à propositura da ação, seja garantido o contraditório e ausente qualquer indício de má-fé (REsp 1.176.440-RO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 17.9.2013; REsp 888.467/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.9.2011).

Na seara eleitoral própria, o posicionamento encontra supedâneo no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência deste Regional, convindo transcrever ementa da seguinte decisão:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento. 

(TRE-RS - RE n. 522-39/RS, Relator: Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Data de Julgamento: 14.3.2017.) (Grifei.)

 

Dessa forma, por tratar-se de documentos simples, capazes de esclarecer de plano as irregularidades apontadas, entendo adequada a juntada dos novos documentos com o recurso.

 

MÉRITO:

No mérito, a sentença desaprovou as contas da candidata em razão de (a) gastos com combustível sem registro de veículo cedido; (b) ausência de registro de despesas com assessoria jurídica; (c) aplicação de recursos próprios na campanha em valor superior ao patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura; (d) ausência de apresentação dos extratos bancários, em infringência à determinação prevista no art. 48, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Passo à análise individualizada das irregularidades.

(a) Cessão de veículo

Quanto à falha consistente na realização de despesas com combustíveis sem registro de veículo, a candidata, nas razões de recurso, informou a doação estimável de um automóvel para a sua campanha, juntando o respectivo termo de cessão (fl. 45).

Entretanto, além de o documento ser incompleto, por não indicar o valor estimado, não foi apresentado o comprovante da propriedade do aludido bem, tampouco retificada a escrituração.

Ocorre que, malgrado a candidata não tenha registrado na prestação de contas a cedência do bem, não se verifica, no caso dos autos, prejuízo à confiabilidade do exame das contas.

Isso porque a obrigatoriedade do registro objetiva, precipuamente, obstar o aporte de recursos provenientes de fontes vedadas e a infração aos limites de gastos de campanha, hipóteses não verificadas no particular. Ademais, os esclarecimentos evidenciam a boa-fé da candidata e tornam crível o domínio do veículo.

Nesse sentido, cabe ponderar que o art. 55, § 3º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15 dispensa a comprovação da cessão de bens móveis em valor estimado abaixo de R$4.000,00:

art. 55.

§ 3º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

I - a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por pessoa cedente;

Dessa forma, embora remanescente a irregularidade, esta falha, por si, não justificaria a desaprovação das contas.

 

(b) Ausência de registro de despesas com assessoria jurídica

No que se refere à irregularidade identificada quanto à falta de contabilização das despesas com assessoria jurídica, em que pese a prestadora afirme ter escriturado o aludido recurso, constato que o demonstrativo à fl. 10, na verdade, foi equivocadamente preenchido, uma vez que descreve a importância estimada de R$50,00 como sendo relativa a honorários contábeis e, no entanto, indica como doadora a advogada habilitada no feito.

Todavia, considerando a inexpressiva movimentação de recursos na campanha sob análise e a própria restrição indicada na natureza da receita, concluo que não houve, na hipótese, serviço de consultoria, mas sim serviços advocatícios para apresentação das contas, que não são considerados despesas de campanha, nos termos do art. 29, § 1º-A, da Resolução n. 23.463/15:

art. 29.

§ 1º-A Os honorários referentes à contratação de serviços de advocacia e de contabilidade relacionados à defesa de interesses de candidato ou de partido político em processo judicial não poderão ser pagos com recursos da campanha e não caracterizam gastos eleitorais, cabendo o seu registro nas declarações fiscais das pessoas envolvidas e, no caso dos partidos políticos, na respectiva prestação de contas anual.

Nesse sentido já se manifestou esta Corte:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Contabilização de serviços advocatícios. Art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Parecer conclusivo e manifestação ministerial de piso pela rejeição das contas. Proferida sentença de desaprovação sem que tenha sido oportunizada prévia manifestação à candidata acerca das irregularidades apontadas, conforme previsão do art. 64, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Decisão consubstanciada na ausência de registro de gastos e dos respectivos recibos, referentes à contratação de serviços advocatícios durante a prestação de contas. Ainda que, nesta instância, tenha sido verificado o vício procedimental, deixa-se de reconhecer de ofício a nulidade, em virtude da possibilidade de decisão favorável quanto ao mérito, sem representar qualquer prejuízo à interessada.

Diferenciação conceitual entre o serviço advocatício prestado em processo judicial contencioso e o serviço de consultoria jurídica realizado em favor das campanhas eleitorais. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processo jurisdicional contencioso não são considerados gastos eleitorais de campanha. Situação distinta do serviço de consultoria, atividade-meio prestada durante a campanha eleitoral, paga com recursos provenientes da conta de campanha, constituindo gasto eleitoral que deve ser declarado de acordo com os valores efetivamente pagos. Inteligência do disposto no art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Demonstrada a outorga da procuração no mês de outubro de 2016, excluindo a obrigação contraída do rol de despesas de campanha. Não identificada impropriedade ou irregularidade na prestação, devem ser aprovadas as contas.

Provimento.

(TRE/RS Recurso Eleitoral n. 24846, Acórdão de 07.03.2017, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09.03.2017, Página 5.)

 

Dessa forma, desnecessária a comprovação de gastos com serviços de advocacia e de contabilidade unicamente para a prestação de contas de campanha, motivo pelo qual afasto a irregularidade.

 

(c) Ausência de capacidade econômica da candidata

Outra irregularidade que permeou a arrecadação dos recursos é a ausência de prova da capacidade econômica da candidata para suportar as doações realizadas em prol da sua campanha.

Por força do art. 56 da Resolução TSE n. 23.463/15, os candidatos, quando empregam recursos próprios na campanha, têm o ônus de comprovar a origem e disponibilidade dos recursos empregados, incluindo a origem lícita dos valores:

art. 56. No caso de utilização de recursos financeiros próprios, a Justiça Eleitoral pode exigir do candidato a apresentação de documentos comprobatórios da respectiva origem e disponibilidade.

Parágrafo único. A comprovação de origem e disponibilidade de que trata este artigo deve ser instruída com documentos e elementos que demonstrem a procedência lícita dos recursos e a sua não caracterização como fonte vedada.

 

Compulsando os autos, verifica-se que a prestadora arrecadou recursos próprios no valor total de R$389,00 (fl. 05).

Não obstante, no momento do pedido de registro de candidatura informou não possuir bens ou rendas.

Na origem, a candidata foi intimada a comprovar sua capacidade econômica, mas deixou de adotar providências para esclarecer a inconsistência.

Ocorre que, em grau recursal, a recorrente justificou sua fonte de renda e apresentou o comprovante de recebimento de benefício previdenciário (fls. 46-47).

Esclareça-se que a obrigação de comprovar a capacidade econômica do próprio candidato decorre da necessidade de se apurar a origem lícita do valor empregado na campanha, incluindo a sua “não caracterização como fonte vedada”, como expressamente refere o parágrafo único do art. 56 acima reproduzido.

Assim, demonstrada a capacidade econômica para suportar as doações realizadas, deve ser considerado regular o aporte dos aludidos recursos e superado o apontamento.

 

(d) Ausência de extratos bancários

Por fim, a decisão pela desaprovação das contas teve como fundamento a falta de apresentação dos extratos bancários, em infringência à determinação prevista no art. 48, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Nas suas razões, a prestadora juntou o extrato bancário e argumentou que deixou de apresentar o referido demonstrativo em decorrência da impossibilidade de acessar a sua conta de campanha.

Ressalta-se que a finalidade da prestação de contas é viabilizar o controle da origem de todos os recursos de campanha e de seus respectivos destinos, sendo imprescindível a apresentação dos extratos bancários completos para o cumprimento dessa finalidade.

Entrementes, na situação dos autos, a unidade técnica logrou obter as informações bancárias por meio de consulta ao SPCE, de modo que a falha não prejudicou o exame das contas.

Não bastasse isso, em consulta ao site eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral http://divulgacandcontas.tse.jus.br/, que concentra, para acesso público, as prestações de contas dos candidatos e partidos, é possível verificar a inexistência de movimentação financeira, pela candidata, após 22.9.2016, de modo que tanto o extrato apresentado pelo órgão técnico (fl. 31) quanto o colacionado em sede recursal (fl. 48) espelham, de forma consolidada, todo o período de campanha, restando afastada a ocorrência de prejuízo ao exame da contabilidade.

Logo, concluo que as falhas identificadas nas contas não prejudicaram a análise do lançamento contábil nem malferem a transparência que deve permear a escrituração, admitindo-se a reforma da decisão e a aprovação com ressalvas.

 

Ante o exposto, VOTO por afastar as preliminares e pelo parcial provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas.