RE - 883 - Sessão: 07/08/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recursos interpostos por FABRÍCIO CKLESS TAVARES DA SILVA, REINALDO ELIAS LOURENÇO MAGALHÃES, ANDERSON DE FREITAS GARCIA e RAFAEL PEREIRA DUTRA relativamente à sentença proferida pelo Juízo da 164ª Zona Eleitoral - Pelotas, que julgou procedente a Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo (AIME), ajuizada pelo PARTIDO COMUNISTA do BRASIL de Pelotas, considerando fraudulentas as candidaturas ao pleito proporcional da Coligação PTB/PV/PSC/PSD, cassando os mandatos obtidos em 2016 e declarando nulos os votos.

RAFAEL PEREIRA DUTRA alega, preliminarmente, erro material, tendo em vista que não foi pleiteada na inicial a revogação do DRAP relativo à coligação, e, consequentemente, pugna pelo indeferimento do registro da citada coligação para a eleição proporcional. Sustenta que houve violação ao art. 492 do Código de Processo Civil e requer a anulação da sentença. Aduz, ainda, inépcia da inicial, por narrar fatos genéricos envolvendo os representados. Sustenta que a exordial não indicou fato concreto, certo ou determinado, razão pela qual deve ser indeferida e julgado extinto o processo sem resolução de mérito, com fundamento nos arts. 330, inc. I, e 485, inc. I, do Código de Processo Civil. Aduz que foi excluído do polo passivo da presente AIME, porém restou prejudicado com o dispositivo da sentença, que declarou nulos todos os votos obtidos pela coligação e, consequentemente, a nulidade dos votos por ele adquiridos nas eleições de 2016. Requer a admissão do presente recurso como terceiro prejudicado. No mérito, alega que não resta comprovada conduta ilícita e que as candidatas mulheres comprovaram o ânimo de participar do pleito e fundamentaram sua posterior desistência da candidatura. Sustenta que este Tribunal já pronunciou no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos ou não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma.

ANDERSON DE FREITAS GARCIA refere, preliminarmente, erro material, tendo em vista que a sentença extrapolou os limites do pedido, violando o art. 492 do Código de Processo Civil, quando determinou a revogação em parte do DRAP da Coligação, tendo, por consequência, o indeferimento de seu registro unicamente para a eleição proporcional. Requer a anulação da sentença. No mérito, alega que a desistência da campanha não configura hipótese de fraude.

FABRÍCIO CKLESS TAVARES DA SILVA sustenta, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do PCdoB para, isoladamente, propor a presente ação, eis que se coligou ao Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 2016, formando a coligação “Frente Pelotas Pode”. Alega, outrossim, impossibilidade de emenda à inicial para correção do polo passivo e decadência do prazo para ajuizar a AIME. Requer a extinção do feito sem julgamento de mérito. Ainda, preliminarmente, alega a impossibilidade jurídica do pedido, eis que não há prova de que tenha praticado qualquer fraude ou ilícito no pleito de 2016. Refere que a ausência de descrição de fatos específicos em relação a sua conduta acarreta a impossibilidade de defender-se adequadamente, constituindo violação aos princípios do contraditório e ampla defesa. Alega irregularidade na representação processual do requerente, pois não vieram aos autos os Estatutos do PCdoB, a fim de confirmar quem é seu presidente. Requer a nulidade dos atos jurídicos praticados até então e a extinção do feito por irregularidade insanável da representação processual. No mérito, alega que a prova testemunhal explica o ânimo de todas as candidatas em participar do pleito e os motivos da desistência posterior. Sustenta que a não obtenção de voto não significa fraude e que importa o preenchimento da cota legal no momento do envio da nominata à Justiça Eleitoral. Requer a sua exclusão de qualquer sanção possível.

REINALDO ELIAS LOURENÇO MAGALHÃES, preliminarmente, suscita decadência da presente AIME, uma vez que, quando da emenda à inicial, já havia transcorrido o prazo para propositura da ação, bem como inépcia da peça, por inexistir qualquer descrição concreta de ilícito que possa ser imputado aos representados. Requer o indeferimento da exordial e a extinção do feito sem resolução do mérito. No mérito, aduz que não há nos autos qualquer prova de que tenha contribuído para a suposta fraude. Sustenta que a prova testemunhal esclareceu satisfatoriamente os fatos, demonstrando que a não obtenção de votos não importa fraude eleitoral.

Sem contrarrazões, conforme certidão da fl. 507, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo afastamento das preliminares, pelo não conhecimento do recurso de RAFAEL PEREIRA DUTRA e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

A sentença foi originalmente publicada no DEJERS em 30.01.2018 (fl. 383) e, posteriormente, republicada em 01.02.2018 (fl. 390), sendo opostos embargos de declaração, tempestivos, por FABRÍCIO CKLESS TAVARES DA SILVA (fls. 402-410), REINALDO ELIAS LOURENÇO MAGALHÃES (fls. 416-421), ANDERSON DE FREITAS GARCIA (fls. 423-430) e RAFAEL PEREIRA DUTRA (fls. 432-437), os quais, contudo, não foram acolhidos (fls. 441-442), em decisão publicada no dia 22.02.2018, quinta-feira (fl. 444).

Assim, os recursos de RAFAEL PEREIRA DUTRA (fls. 447-461), ANDERSON DE FREITAS GARCIA (fls. 463-472), FABRÍCIO CKLESS TAVARES DA SILVA (fls. 474-489) e REINALDO ELIAS LOURENÇO MAGALHÃES (fls. 491-501), todos interpostos em 26.02.2018, segunda-feira, são tempestivos.

Passo à análise das questões prefaciais levantadas pelos recorrentes e pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Preliminares

1. Da carência de interesse recursal de RAFAEL PEREIRA DUTRA

A Procuradoria Regional Eleitoral entende pela carência de interesse recursal de RAFAEL PEREIRA DUTRA, que interpôs recurso na condição de terceiro interessado, aduzindo que o recorrente foi excluído do feito ainda durante a tramitação da ação porque houve perda de seu mandato em decorrência de decisão judicial em outro feito.

De fato, o recorrente em tela, inicialmente eleito, perdeu o seu mandato em razão de nova totalização dos votos, procedida após a decisão definitiva de indeferimento do registro de candidatura de Rogério Nogueira da Silva, nos autos do REsp n. 610-11.2016.6.21.0164, sendo empossado no lugar do ora recorrente o candidato José Sizenando dos Santos Lopes, pelo Democratas (DEM).

Desse modo, RAFAEL PEREIRA DUTRA passou a figurar como primeiro suplente pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), interpondo o apelo na condição de terceiro prejudicado, com fulcro no art. 996, caput, do Código de Processo Civil.

A lei condiciona o recurso do terceiro prejudicado à demonstração da possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que o recorrente se afirme titular (art. 996, parágrafo único, do Código de Processo Civil).

Com efeito, a anulação dos votos atribuídos à Coligação atinge imediata e diretamente a legítima expectativa do suplente em substituir ou suceder o titular em determinadas hipóteses, causando-lhe relevante prejuízo jurídico, muito embora tal fato não lhe confira legitimidade passiva para figurar como litisconsorte na demanda.

No entanto, ainda que sem reconhecer o litisconsórcio entre o titular e o suplente, o TSE tem admitido que este último participe do processo como assistente simples, tendo em vista que os efeitos da decisão podem atingir a sua posição jurídica na ordem de empossamento à Câmara Legislativa. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL INTERVENÇÃO DE SUPLENTE DE VEREADOR ELEIÇÕES PROPORCIONAIS ADMISSÃO ASSISTÊNCIA SIMPLES. DISTINGUISHING. EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE COTEJO ANALÍTICO.

Em ações eleitorais que visam impugnar pedido de registro de candidatura ou que objetivam a cassação de registro, mandato ou diploma, admite-se a intervenção de candidato (primeiro suplente ao cargo proporcional) apenas na condição de assistente simples. Precedentes.

A postura mais restrita quanto ao tema da intervenção decorre das especificidades do processo eleitoral, que se sujeita a prazos decadenciais bastante exiguos para o ajuizamento de ações eleitorais Admitir a ampliação da atuação de terceiros no processo eleitoral implicaria ampliar por via transversa esses prazos decadenciais, trazendo instabilidade jurídica e insegurança sobre o resultado das eleições..

3 A jurisprudência dos tribunais eleitorais sempre assentou que a admissão de eventuais interessa dos no âmbito dos feitos eleitorais ocorre por meio de assistência simples e não litisconsorcial, facultando atuação coadjuvante da parte assistente, até mesmo considerando que os eventuais intervenientes são, em regra, sujeitos legitimados à propositura dos próprios meios de impugnação previstos na legislação eleitoral.

4. Nessa linha, não é aplicável à Justiça Eleitoral o art. 121, parágrafo unuco, do CPC, o qual dispõe que, "sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente sera considerado seu substituto processual", descabendo reconhecer poderes autônomos ao assistente simples.

(AgR-Al 68-381-GO, Relator Min. Admar Gonzaga, DJE de 10.11.2017) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. CAUSA DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. PRIMEIRO SUPLENTE. COLIGAÇÃO. PEDIDO DE ASSISTÊNCIA SIMPLES. DEFERIDO.

1. Segundo o entendimento deste Tribunal Superior Eleitoral, admite-se a intervenção, na condição de assistente simples, do primeiro suplente de candidato ao cargo de vereador, em ações eleitorais que visam impugnar pedido de registro de candidatura ou que objetivam a cassação de mandato ou diploma em eleições proporcionais, nas hipóteses em que, por estarem filiados a partidos políticos coligados, há possibilidade de o pretenso assistente ser atingido pelos reflexos eleitorais decorrentes da eventual cassação do diploma ou mandato do candidato eleito. Precedentes.

[...]

(REspe 1068-86, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 01.7.2015) (Grifei.)

Desse modo, uma vez reconhecida a possibilidade de o interessado figurar como assistente na demanda, impõe-se a admissão de seu recurso como terceiro prejudicado.

Com efeito, a demonstração do interesse jurídico a pressupor a assistência ou o recurso de terceiro é bastante semelhante, senão idêntica, sendo essa última figura processual mera expressão da assistência na fase recursal.

Nessa linha, colaciono a doutrina de Humberto Theodoro Junior:

Assim, o direito de recorrer, reconhecido ao estranho ao processo, justifica-se pelo reconhecimento da legitimidade do seu interesse em evitar efeitos reflexos da sentença sobre relações interdependentes, ou seja, relações que, embora não deduzidas no processo, dependam do resultado favorável do litígio em prol de um dos litigantes.

Dessa maneira, o terceiro que tem legitimidade para recorrer é aquele que, antes, poderia ter ingressado no processo como assistente ou litisconsorte.

[…]

Em suma: o recurso de terceiro prejudicado é uma forma de intervenção de terceiro em grau de recurso ou, mais propriamente, uma assistência na fase recursal, porque, no mérito, o recorrente jamais pleiteará decisão a seu favor, não podendo ir além do pleito em benefício de uma das partes do processo. (Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 56ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 383. (Grifei.)

Com essas considerações, conheço do recurso interposto por RAFAEL PEREIRA DUTRA na condição de terceiro prejudicado.

2. Da nulidade por inobservância do princípio da congruência

ANDERSON DE FREITAS GARCIA suscita preliminar de nulidade da sentença ao fundamento de que a revogação do deferimento do registro da coligação extrapolou as pretensões do autor deduzidas na inicial, violando o art. 492 do Código de Processo Civil, que consagra o princípio da congruência.

Não prospera a alegação.

Tendo em conta o interesse público que norteia as ações cíveis eleitorais, especialmente a AIME, o princípio da congruência encontra moldura diversa daquela prevista no art. 492 do Código de Processo Civil, significando, aqui, a correlação entre os fatos narrados na peça inicial e na decisão de mérito.

As consequências jurídicas aplicadas pela decisão são expressamente determinadas pela lei, como corolário exigível ao reconhecimento de determinado contexto fático, não sendo adstritas aos pedidos deduzidos pelo autor.

Nesses termos, leciona a doutrina de José Jairo Gomes:

Entretanto, diferente é o sentido do princípio da congruência no processo jurisdicional eleitoral. Dada a natureza eminentemente pública desse último, não se exige exata correlação entre o pedido formulado na petição inicial e a sentença. A correlação, aqui, se estabelece entre os fatos narrados na petição inicial e o conteúdo da decisão judicial que aprecia o mérito da causa. Os fatos descritos consubstanciam a causa de pedir, e deles decorrerá a aplicação, pelo órgão judicial, das sanções previstas em lei, ainda que não pedidas ou pedidas de forma insuficiente na petição inicial. (Direito Eleitoral. 14ª ed., 2018, p. 567)

Em reforço, enuncia a Súmula n. 62 do TSE: “Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

Assim, havendo plena correspondência entre a causa petendi formulada na exordial e os fatos reconhecidos na sentença, não há de se cogitar em nulidade da decisão por incongruência, devendo ser enfrentada no mérito do recurso a análise do acerto ou da proporcionalidade dos consectários legais aplicadas na decisão guerreada.

Com essas considerações, afasto a presente preliminar.

 

3. Da ilegitimidade ativa da agremiação demandante

FABRÍCIO CKLESS TAVARES DA SILVA afirma que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ao teor do que dispõe o art. 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97, não detém legitimidade para o ajuizamento isolado da presente ação, uma vez que compôs coligação partidária para o pleito proporcional junto com o Partido dos Trabalhadores (PT).

No entanto, as coligações partidárias são reuniões temporárias de partidos para concorrem à determinada eleição. Encerrado o pleito, os partidos que as integraram passam a possuir legitimidade concorrente para propor, isoladamente, ações visando apurar e reprimir condutas que tenham maculado a regularidade do processo eleitoral.

A ilustrar, elenco as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. VEREADOR. DECISÃO REGIONAL. ILEGITIMIDADE ATIVA. PARTIDO POLÍTICO COLIGADO. PROPOSITURA DA DEMANDA NO CURSO DO PROCESSO ELEITORAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. (…). 2. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o partido político coligado não tem legitimidade para atuar de forma isolada no curso do processo eleitoral, o que abrange, inclusive, as ações eleitorais de cassação. Tal capacidade processual somente se restabelece após o advento do pleito e em observância à preservação do interesse público. Precedentes. (…).

(Agravo de Instrumento n. 50355, Acórdão, Relator Min. Asmar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 186, Data 26.9.2017, Página 7) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL.

(…).

2. As coligações se extinguem com o fim do processo eleitoral, delimitado pelo ato de diplomação dos eleitos, momento a partir do qual os partidos coligados voltam a ter capacidade processual para agir isoladamente. Precedentes.

(…).

(Recurso Especial Eleitoral n. 138, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 56, Data 23.3.2015, Páginas 33-34) (Grifei.)

Desse modo, protocolada a ação em 30.12.2016, após as eleições e a diplomação dos eleitos, deve ser reconhecida a legitimidade ativa da agremiação para o ajuizamento da demanda.

 

4. Da decadência do direito de ação

FABRÍCIO CKLESS TAVARES DA SILVA e REINALDO ELIAS LOURENÇO MAGALHÃES afirmam que a exordial não cumpriu os requisitos legais quanto à indicação do polo passivo no momento do oferecimento da ação. Por tal razão, houve a emenda da inicial, a qual, no entanto, foi efetivada além do prazo legal previsto para o ajuizamento, implicando a decadência do feito.

Ocorre que, desde o oferecimento originário da peça inicial em 30.12.2016, os candidatos diplomados da coligação integram o polo passivo da ação.

As emendas à inicial apenas visaram, primeiramente, incluir, por equívoco, os candidatos não eleitos (fl. 55) e, posteriormente, excluir da demanda todos os candidatos não diplomados e a própria coligação partidária (fls. 62-63), uma vez que não detêm legitimação passiva para a ação. Ambas foram recebidas antes da intimação para a defesa.

Assim, presentes, ab initio, no polo passivo da demanda todos os candidatos diplomados da Coligação PTB/PV/PSC/PSD, rejeito a preliminar em tela.

 

5. Da inépcia da petição inicial

FABRÍCIO CKLESS TAVARES DA SILVA e REINALDO ELIAS LOURENÇO MAGALHÃES sustentam que a narrativa apresentada pelo autor é genérica e impossibilita a defesa, devendo ser reconhecida a inépcia da petição inicial.

Não assiste razão aos recorrentes.

A peça exordial narra, em síntese, que houve a candidatura fictícia de Liziane Bueno Lemes e de Eduarda Peres Vieira, que não fizeram campanha, não buscaram votos e realizaram propaganda eleitoral para outros candidatos. Afirma, assim, que as candidaturas referidas representaram uma fraude à legislação eleitoral quanto à obrigatoriedade de preenchimento do percentual mínimo de 30% de cada gênero. Visando demonstrar sua alegação, enuncia que Liziane sequer votou em si mesma e que Eduarda fez apenas um voto. Além disso, enfatiza que, em sua página pessoal no Facebook, Liziane manifestou apoio ao concorrente Tiago Bündchen, conforme especificado na peça inaugural, inclusive com a juntada de ata notarial (fls. 23-27).

Dessa forma, entendo que a peça inaugural não é inepta, pois discrimina fatos específicos e aponta elementos probatórios que, em tese, conduziriam à conclusão de que a Coligação PTB/PV/PSC/PSD, para o pleito proporcional de Pelotas de 2016, teria realizado fraude a fim de burlar a reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Portanto, deve ser afastada a alegação de inépcia da inicial.

 

6. Da ausência de individualização das condutas dos impugnados e da violação ao contraditório e à ampla defesa

FABRÍCIO CKLESS TAVARES DA SILVA e REINALDO ELIAS LOURENÇO MAGALHÃES defendem que a ausência de descrição de fatos específicos que teriam sido por eles articulados impossibilita o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Na hipótese dos autos, a ação impugnatória foi ajuizada para demonstrar que as candidaturas femininas foram registradas com o objetivo de validar o registro dos demais candidatos que concorreram pela coligação, pois todos dependiam do atendimento ao percentual estabelecido no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 para ter o requerimento de candidatura deferido.

A decisão que conclui pela ocorrência de fraude no percentual de reserva de gênero da candidatura proporcional apresentada por coligação tem como consequência reflexa a invalidade do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), além da desconstituição do mandato dos candidatos eleitos por efeito principal.

Assim, os candidatos impugnados são alcançados pela decisão porque seu efeito representa verdadeiro indeferimento do registro da candidatura proporcional, dado o reconhecimento da fraude à lei, independentemente de qualquer conduta específica do candidato eleito nesse sentido.

Ademais, como alhures analisado, a peça inicial descreve suficientemente os fatos caracterizadores da suposta fraude, permitindo o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.

Assim, rejeito a alegação.

 

7. Da irregularidade na representação processual do Autor

FABRÍCIO CKLESS TAVARES DA SILVA suscita a irregularidade do instrumento de mandato outorgado pelo Presidente do Diretório Municipal do PCdoB, nos termos do art. 75, inc. VIII, do Código de Processo Civil, afirmando que o Estatuto da agremiação não consta nos autos, não sendo possível, então, confirmar a legitimidade do signatário.

No entanto, a estrutura organizacional do partido e a composição de seus órgãos diretivos são certificadas a partir das informações constantes no Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias (SGIP), mantido pela Justiça Eleitoral, consoante estabelece a Resolução TSE n. 23.093/09.

Da certidão extraída do referido sistema, constante à fl. 189 dos autos, é possível ratificar a legitimidade do outorgante para representar o órgão partidário à época do ajuizamento da demanda.

Desse modo, afasto a preliminar.

Rechaçadas as preliminares, passo à análise do mérito.

 

Do mérito

Os recorrentes postulam a reforma da sentença que julgou procedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo sob o entendimento de que está comprovado nos autos que Yasmin dos Santos Dias, Dirce Iría Meyer Muller, Juliana Rodrigues Góia, Eduarda Peres Vieira, Liziane Bueno Lemes, candidatas ao cargo de Vereadora nas eleições de 2016, no Município de Pelotas, pela Coligação PTB/PV/PSC/PSD, realizaram seus registros de candidatura de forma fictícia, apenas para o preenchimento, mediante fraude, do percentual mínimo de candidatas do sexo feminino, exigido pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

(Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

(…)

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Grifei.)

A matéria tem sido objeto de amplo debate na jurisprudência de diversos Tribunais Regionais Eleitorais do país e já foi enfrentada por esta Corte em recentes oportunidades.

Conforme reconhece o TSE, “o incentivo à presença feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se observância, sincera e plena, não apenas retórica ou formal, ao princípio da igualdade de gênero”, prevista no art. 5º, caput e inc. I, da Constituição Federal/88 (RP 29657, Relator Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE 17.3.17).

Dada a importância do tema, a Corte Superior Eleitoral assentou o cabimento de AIME para apurar fraude superveniente quanto aos percentuais mínimos de gênero, ressaltando que a alegação da matéria pressupõe a obtenção de mandato eletivo pela parte demandada.

A propósito, o seguinte precedente:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição. Recurso especial provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 149, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, data 21.10.2015, Página 25- 26) (Grifei.)

No entendimento do julgador a quo, há provas robustas de que as candidatas não agiram, de fato, como concorrentes às cadeiras legislativas municipais, a indicar a ocorrência de fraude.

Em feitos que visem à cassação de mandatos eletivos por inobservância da cota de gênero, é necessário bem ponderar sobre a prova produzida, cotejando-a com a drasticidade da consequência atribuída, que, no caso, representa uma espécie de responsabilização objetiva a todos os candidatos integrantes da coligação, uma vez que não se perquire a individualização de suas condutas.

Nessa esteira, entendo que a fraude requer a demonstração inequívoca que as candidaturas tenham sido motivadas com o fim exclusivo de preenchimento artificial da reserva de gênero.

Na hipótese, porém, tenho que essa comprovação não houve nos autos.

Vejamos.

Extrai-se da sentença (fls. 380 e v.) síntese adequada da prova oral produzida, conforme reproduzo:

"Yasmin dos Santos Dias, filiada ao PTB desde 2013, disse que resolveu ser candidata, obteve 7 votos, fez campanha entregando poucos santinhos, material fornecido pelo partido, candidatou-se outras vezes. Não sabe se foi feita a prestação de contas, quanto gastou, pois foi “tudo o partido”.

Dirce Iria Meyer Muller afirmou que é filiada ao PTB há mais de 10 anos, o filho está na prefeitura, gosta do partido e candidatou-se para sair de casa um pouco, entregar os santinhos. Disse que desistiu da candidatura porque sofreu queimadura que a impossibilitou de caminhar por dois meses, foi atendida no Pronto Atendimento VIP, fez os curativos em casa, teve complicações porque o açúcar subiu, não chegou a solicitar atestado médico e voltou a caminhar em setembro. Alegou que recebeu material publicitário em sua residência mas nem chegou a abrir a embalagem e que não achou que precisasse comunicar a desistência. Disse que não prestou contas. Referiu que não chegou a votar porque avisou seus possíveis eleitores (parentes, filho, cunhado) que tinha desistido de concorrer. Disse que seu filho é filiado ao PTB.

A candidata Juliana Rodrigues Goia afirmou que recebeu e distribuiu material de propaganda, mas desistiu de tudo em razão da descoberta de ser seu filho adolescente portador de grave doença, disse que ficou “sem cabeça”. Mencionou que não falou para ninguém acerca da desistência de concorrer.

Eduarda Peres Vieira disse que é filiada ao PTB há 11 anos. Afirmou que a candidatura surgiu de sua própria vontade, que o período de campanha eleitoral era muito curto, ficou sem dinheiro, não fez a campanha que esperava ter feito, então acabou não fazendo campanha e não pode seguir. Afirmou que não recebeu valor algum para campanha, além de alguns panfletos, não teve gastos e a prestação de contas foi providenciada pelo partido. Afirmou que não fez propaganda, durante a campanha, em favor de outros candidatos, só fez postagem em rede social após a eleição. Também foi candidata na eleição anterior, mas acabou desistindo porque sua genitora foi candidata e desistiu por ela. Disse que não sabia que precisava formalizar a renúncia e não comunicou ninguém. Obteve um voto.

Liziane Bueno Lemes afirmou que quis se candidatar, depois viu que não tinha como, sem dinheiro, não imaginava que teria tanto gasto, acabou desistindo, aproximadamente um mês e meio depois do registro. Disse que recebeu santinhos, não os distribuiu e não fez campanha. Não sabia que tinha que avisar que desistiu. Então depois que desistiu resolveu apoiar um amigo do próprio partido, Tiago, fazendo algumas postagens em rede social. Disse que informou no facebook que não era mais candidata. A mãe da candidata era funcionária da Secretaria de Justiça Social, onde seu amigo e candidato Tiago era o secretário. Disse que prestou contas e não teve gastos.

[...]

Por fim, foi ouvido Pedro Godinho da Silva, Presidente do PSD, que afirmou que todas as candidatas de seu partido obtiveram votos, nada esclareceu sobre a efetiva participação ou não das candidatas no pleito.

Além disso, consta nos autos que a candidata Liziane Bueno Lemes, cerca de um mês e meio após o pedido de registro (27.9.2016), realizou publicação em sua página pessoal no Facebook em apoio ao candidato Tiago Bündchen, concorrente pelo mesmo partido (fls. 23-27).

Do exame da prova é possível inferir que todas as candidatas receberam material de propaganda fornecido pelo partido e que Dirce e Eduarda atuam junto ao partido político há mais de 10 anos.

Dirce disse que desistiu em razão de doença própria. Juliana justificou a desistência por doença grave em seu filho. Liziane relatou sua desistência em vista da falta de recursos financeiros. Por fim, a única candidata que declarou o prosseguimento de sua campanha foi Yasmin, que obteve sete votos.

Quanto à postagem em alusão a outro candidato, Liziane afirmou que efetuou a manifestação após a sua desistência informal de concorrer e que nutre relações pessoais e fraternas com o pretendente apoiado.

Esse conjunto de circunstâncias não leva à conclusão necessária e irrefutável de que as candidaturas eram fraudulentas.

Constata-se, em realidade, indicativos de que as candidaturas foram espontâneas e que as pretendentes tinham participação ativa na vida partidária e na campanha eleitoral de suas agremiações.

Eventuais desistências informais são comuns e motivadas por múltiplas razões, inclusive desmotivação frente aos obstáculos da política, além de eventuais problemas familiares. Essa condição é especialmente frequente no tocante às mulheres, sobre as quais, em geral, por razões culturais, ainda recai a carência de apoio comunitário pela conquista de poder político e a especial responsabilidade de amparo familiar, em detrimento de seus projetos pessoais.

Os fatos demonstrados, embora lamentáveis na perspectiva da conquista de espaço feminino na política, de per si, não são aptos a caracterizar a fraude à lei, indispensável para a configuração do objeto da demanda.

Esta Corte já se pronunciou no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Nesses termos, reproduzo os seguintes precedentes:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. IMPROCEDÊNCIA. ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. COTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. FRAUDE NÃO COMPROVADA. DESPROVIMENTO.

1. A ação de impugnação de mandato eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral. No caso, suposto lançamento da candidatura fictícia do sexo feminino para alcançar o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim maior número de candidaturas masculinas.

2. Demonstrado que a candidata confirmou o lançamento de sua candidatura de forma espontânea, desistindo no decorrer da corrida eleitoral por não vislumbrar sucesso na empreitada. A inexistência de receitas e de despesas e o diminuto empenho na campanha não são suficientes para a caracterização da fraude, conforme orientação jurisprudencial.

Provimento negado.

(RE 512-93, Relator: Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, julgado em 02.05.2018, unanimidade) (Grifei.)

RECURSOS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. PROCEDÊNCIA. ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. QUOTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. INCENTIVO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. FRAUDE NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA. PROVIMENTO.

1. As quotas de gênero, como mecanismo de política afirmativa, buscam promover a participação feminina na política. Alguns partidos podem lançar candidaturas de forma fraudulenta, apenas para viabilizar outras, do sexo masculino. Com o desiderato de combater tal postura, mister sejam assegurados recursos financeiros e meios para que o percentual de candidaturas por gênero seja alcançado de forma efetiva, e não por meio de fraude ao sistema.

2. Demonstrado que as concorrentes confirmaram o lançamento de suas candidaturas de forma espontânea e com real intenção de realizar campanha, mas acabaram abandonando, de fato, a busca por votos. Fraude não comprovada. A modicidade do investimento e o diminuto empenho na campanha não são suficientes para a pretendida caracterização de fraude, conforme orientação jurisprudencial. Reforma da sentença para julgar improcedente a ação.

3. Provimento

(RE n. 542-06. Relator Des. Jamil Bannura. Julgado em 14.11.2017, unânime) (Grifei.)

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012. Matéria preliminar afastada. uposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 76677, ACÓRDÃO de 03.6.2014, Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Páginas 6-7) (Grifei.)

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012. Representação julgada improcedente no juízo de origem. Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 41743, ACÓRDÃO de 07.11.2013, Relator Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14.11.2013, Página 5) (Grifei.)

O próprio julgado invocado na fundamentação da sentença, qual seja, o RE n. 495-85.2016.6.21.0003, evidencia a fragilidade da prova presente nos autos, tendo em conta as suas particularidades e distinções com o caso concreto.

Veja-se que, no aludido julgamento, sob a relatoria do Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, sessão de 13.12.2017, este Tribunal ratificou que o não auferimento de votos, isoladamente, não determina a ocorrência de fraude. No entanto, decidiu-se pela procedência da ação com base em uma gravação ambiental, considerada lícita, na qual a própria candidata assumia que a sua candidatura foi fictícia desde a origem, apenas para fins de preenchimento do percentual feminino exigido pela lei, referendando os demais elementos probatórios.

Nesse ponto, pertinente mencionar, também, o julgamento do RE n. 1-62.2017.6.21.0012, de relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, sessão de 02.5.2018, no qual o juízo de procedência da demanda teve por lastro a artificialidade de duas candidaturas. Quanto à primeira, houve o depoimento judicial da própria pseudo-concorrente, reconhecendo a fraude em sua candidatura, somado à prova fotográfica e documental de que a candidata sabia previamente da inviabilidade de sua campanha, pois já acompanhava seu marido em internação hospitalar prolongada à época do registro de candidaturas. Em relação à outra, constou uma série de postagens por ela realizadas em sua página pessoal no Facebook, em dilatado interstício (de dezembro de 2015 até setembro de 2016), veiculando a promoção da candidatura do seu marido, sem nunca mencionar a sua própria.

Diversamente dos precedentes referidos, no presente caso, o demandante não logrou êxito em demonstrar com panorama probatório robusto que, aliado às evidências de abandono da campanha, de baixo desempenho de votos e de apoiamento eventual a terceiros, embase um juízo de procedência da demanda.

Com efeito, a gravidade das consequências jurídicas não permite a condenação com base em meras deduções ou presunções, exigindo prova consistente e cabal do ilícito:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. VEREADORES E SUPLENTES. ELEIÇÕES 2016. IMPROCEDÊNCIA NO PRIMEIRO GRAU. AFASTADAS AS PRELIMINARES DE PRECLUSÃO E INADEQUAÇÃO DA AÇÃO. ACOLHIMENTO DA PREFACIAL DE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO INICIAL. MÉRITO. RESERVA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. QUOTAS DE GÊNERO. ABUSO DE PODER. FRAUDE À LEI. NÃO COMPROVADOS. NORMALIDADE E LEGITIMIDADE DO PLEITO. DESPROVIMENTO.

1. Preliminares. 1.1. Afastadas as prefaciais de preclusão e inadequação do feito. A ação de impugnação de mandato eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral, inclusive no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições. Cabível o ajuizamento de AIME para apurar essa nova modalidade de fraude, na forma procedida pelo Ministério Público Eleitoral. 1.2. Acolhida a preliminar de ampliação do mérito da ação por meio das alegações finais do Parquet de primeiro grau. Inviável conhecer da suposta fraude em candidaturas que não integraram o objeto inicial da lide e que não foram mencionadas como causa. A teor do art. 329 do Código de Processo Civil, após a estabilização da demanda não é mais permitida a modificação do pedido ou da causa de pedir.

2. Mérito. A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo à participação feminina na política. Para alcançar tal objetivo, mister sejam assegurados recursos financeiros e meios para que os percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo sejam preenchidos de forma efetiva, e não por meio de fraude ao sistema.

3. Na espécie, suposto lançamento da candidatura fictícia do sexo feminino para atingir o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim maior número de concorrentes masculinos. A pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial.

4. Para a procedência da alegação de fraude em sede de AIME é fundamental que a candidatura apontada como fictícia participe do pleito. Pedido de renúncia homologado judicialmente, circunstância apta a romper a cadeia causal do ilícito apontado.

5. Manutenção da sentença de improcedência da ação. Provimento negado.

(RE 910-16.2016.6.21.0085, julgado em 20.02.2018, Relator: Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento dos recursos, pelo afastamento das preliminares aduzidas e, no mérito, pelo provimento dos apelos, ao efeito de julgar totalmente improcedente a ação.