RE - 798 - Sessão: 07/08/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por VITOR ROGER MACHADO NEY em face da sentença proferida pelo Juízo da 164ª Zona Eleitoral - Pelotas, que julgou procedente a Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo (AIME), ajuizada pelo PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL de Pelotas, considerando fraudulentas as candidaturas ao pleito proporcional da COLIGAÇÃO PP/REDE SUSTENTABILIDADE/PTN, cassando os mandatos obtidos no pleito de 2016 e declarando nulos os votos.

VITOR ROGER MACHADO NEY, candidato eleito a Vereador no Município de Pelotas, alega, preliminarmente: a) ilegitimidade ativa do PCdoB para, isoladamente, propor a ação, tendo em vista sua coligação junto ao PT nas eleições de 2016, formando a denominada “Frente Pelotas Pode”; b) decadência, tendo em vista o não cabimento da emenda à inicial e o decurso do prazo para ajuizamento de uma nova AIME; c) inépcia da inicial e impossibilidade jurídica do pedido, eis que não há prova de conduta atribuída ao recorrente no sentido de que tenha engendrado fraude ou praticado ato ilícito no pleito de 2016; d) cerceamento de defesa e ofensa ao contraditório, pois não foi possível defender-se adequadamente dos fatos descritos na inicial; e e) irregularidade na representação processual do recorrido, eis que não há documento nos autos capaz de demonstrar que o signatário da procuração de fl. 20 tem poderes para representar o partido. No mérito, alega que a candidata Sônia Maria Insaurriaga Batista tinha efetivo ânimo em participar do pleito e que depois desistiu. Sustenta que a não obtenção de votos não importa em fraude. Defende que a candidata era filiada ao REDE SUSTENTABILIDADE, sendo desse partido a responsabilidade pelos atos de sua adepta. Aduz que o preenchimento da quota legal deve ser verificado no momento do envio da nominata à Justiça Eleitoral. Ressalta que não existe penalidade a lhe ser imposta, qualquer que seja o entendimento sobre as questões em debate, inclusive na remota hipótese de reconhecimento de fraude eleitoral, sob pena de prejuízo ao eleitorado e à própria democracia.

Em contrarrazões, o PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL de Pelotas rebate as preliminares suscitadas pelo recorrente e, no mérito, reafirma que os autos demonstram a ocorrência de fraude no preenchimento das cotas femininas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo afastamento das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

A sentença foi publicada no DEJERS em 23.02.2018, sexta-feira (fl. 313), e o recurso foi interposto no dia 27.02.2018, terça-feira (fl. 316), sendo, portanto, tempestivo.

Atendidos os demais pressupostos, conheço do recurso.

Passo à análise da matéria preliminar.

Preliminares

1. Da ilegitimidade ativa da agremiação demandante

O recorrente afirma que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), de acordo com o que dispõe o art. 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97, não detém legitimidade para o ajuizamento isolado da presente ação, uma vez que compôs coligação partidária para o pleito proporcional com o Partido dos Trabalhadores (PT).

No entanto, as coligações partidárias são reuniões temporárias de partidos para concorrerem a determinada eleição. Com o fim das eleições, tanto a coligação como os partidos que a integraram passam a possuir legitimidade concorrente para propor, isoladamente, ações visando apurar e reprimir condutas que tenham maculado a regularidade do processo eleitoral.

Nessa linha, colaciono os seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. VEREADOR. DECISÃO REGIONAL. ILEGITIMIDADE ATIVA. PARTIDO POLÍTICO COLIGADO. PROPOSITURA DA DEMANDA NO CURSO DO PROCESSO ELEITORAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. (…). 2. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o partido político coligado não tem legitimidade para atuar de forma isolada no curso do processo eleitoral, o que abrange, inclusive, as ações eleitorais de cassação. Tal capacidade processual somente se restabelece após o advento do pleito e em observância à preservação do interesse público. Precedentes. (…).

(Agravo de Instrumento n. 50355, Acórdão, Relator Min. Asmar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 186, Data 26.9.2017, Página 7.) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL.

(…).

2. As coligações se extinguem com o fim do processo eleitoral, delimitado pelo ato de diplomação dos eleitos, momento a partir do qual os partidos coligados voltam a ter capacidade processual para agir isoladamente. Precedentes.

(…).

(Recurso Especial Eleitoral n. 138, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 56, Data 23.3.2015, Páginas 33/34.) (Grifei.)

Desse modo, protocolada a ação em 30.12.2016, após as eleições e a diplomação dos eleitos, deve ser reconhecida a legitimidade ativa da agremiação para o ajuizamento da demanda.

2. Da decadência do direito de ação

O recorrente alega que a exordial não cumpriu os requisitos legais quanto à indicação do polo passivo no momento da propositura da ação. Por tal motivo, houve a emenda da inicial, a qual, no entanto, foi oferecida além do prazo legal previsto para o ajuizamento, quando, em realidade, deveria ter sido proposta nova demanda, verificando-se, assim, a decadência.

Ocorre que, desde o oferecimento originário da peça inicial, em 30.12.2016, o candidato eleito e diplomado pela Coligação PP/Rede/PTN, Vitor Roger Machado Nei, integra o polo passivo da ação.

A primeira emenda à inicial pretendeu apenas descrever fatos e juntar novos documentos (fls. 36-37). A segunda (fls. 51-52) visou excluir do polo passivo somente a candidata não eleita Sônia Maria Insaurriaga, uma vez que sem legitimidade passiva para a ação.

Ressalta-se que ambas as emendas foram recebidas antes da citação do réu para oferecimento de defesa (fl. 61), em consonância com o art. 329, inc. I, do Código de Processo Civil.

Assim, presente, ab initio, no polo passivo da demanda, o candidato eleito e diplomado pela Coligação PP/Rede/PTN, rejeito a preliminar em tela.

3. Da inépcia da petição inicial

O recorrente aduz, ainda, que a ausência de descrição de fatos específicos que teriam sido por ele articulados impossibilita o exercício da defesa. Outrossim, alega que a narrativa apresentada pelo Autor é genérica, ofendendo os princípios do contraditório e da ampla defesa, devendo ser reconhecida a inépcia da petição inicial.

Não assiste razão ao recorrente.

A peça exordial narra, em síntese, que houve a candidatura fictícia de Sônia Maria Insaurriaga, que não realizou campanha e não buscou votos. Afirma, assim, que as candidaturas apresentadas pela Coligação PP/Rede/PTN representaram uma fraude à legislação eleitoral quanto à obrigatoriedade de preenchimento do percentual mínimo de 30% de cada gênero. Visando demonstrar sua alegação, enuncia que Sônia obteve zero votos, ou seja, sequer votou em si mesma. Além disso, enfatiza que, em sua página pessoal no Facebook, a candidata manifestou apoio ao concorrente Pantalhão, conforme noticiado na peça inaugural, inclusive com a juntada de ata notarial (fls. 21-23).

Dessa forma, entendo que a inicial não é inepta, pois discrimina fatos específicos e aponta elementos probatórios que, em tese, conduziriam ao entendimento de que a referida coligação para o pleito proporcional de Pelotas, de 2016, teria cometido fraude, a fim de burlar a reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições.

No tocante à ausência de individualização das condutas do impugnado, a ação foi ajuizada para demonstrar a utilização das candidaturas femininas para validar o registro dos demais candidatos constantes da coligação, pois todos dependiam do atendimento ao percentual estabelecido no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 para obter o deferimento de suas participações no pleito.

A decisão que conclui pela ocorrência de fraude no percentual de reserva de gênero da candidatura proporcional tem como consequência reflexa a invalidade do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), além da desconstituição do mandato dos candidatos eleitos, objeto principal da demanda.

Desse modo, os candidatos impugnados são alcançados pela decisão, porque seu efeito representa verdadeiro indeferimento do registro da candidatura proporcional, dado o reconhecimento da fraude à lei, independentemente de qualquer conduta específica do candidato eleito nesse sentido.

Ademais, como alhures analisado, a peça inicial descreve suficientemente os fatos caracterizadores da suposta fraude, permitindo o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.

Assim, rejeito a alegação.

4. Da irregularidade na representação processual do Autor

Por derradeira prefacial, o recorrente aponta a irregularidade do instrumento de mandato outorgado pelo Presidente do Diretório Municipal do PCdoB, nos termos do art. 75, inc. VIII, do Código de Processo Civil, afirmando que o Estatuto da agremiação não consta nos autos, não sendo possível, então, confirmar a legitimidade do signatário.

No entanto, a estrutura organizacional do partido e a composição de seus órgãos diretivos são certificadas a partir das informações constantes no Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias – SGIP, mantido pela Justiça Eleitoral, consoante estabelece a Resolução TSE n. 23.093/09.

Da certidão extraída do referido sistema, disponível no sítio eletrônico do TSE na internet, é possível ratificar a legitimidade do outorgante para representar o órgão partidário à época do ajuizamento da demanda.

Desse modo, afasto a preliminar.

Rejeitada a matéria prefacial, passo à análise do mérito.

Mérito

VITOR ROGER MACHADO NEY postula a reforma da sentença que julgou procedente a presente AIME, sob o entendimento de que está comprovado nos autos que SONIA MARIA INSAURRIAGA, candidata ao cargo de Vereadora nas eleições de 2016 do Município de Pelotas, pela Coligação PP/Rede/PTN, realizou seu registro de candidatura de forma fictícia, apenas para o preenchimento, mediante fraude, do percentual mínimo de candidatas do sexo feminino exigido pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

(Redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015)

(…)

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

A matéria tem sido objeto de amplo debate na jurisprudência de diversos Tribunais Regionais Eleitorais do país e já foi enfrentada por esta Corte em recentes oportunidades.

Conforme reconhece o TSE, “o incentivo à presença feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se observância, sincera e plena, não apenas retórica ou formal, ao princípio da igualdade de gênero”, prevista no art. 5º, caput e inc. I, da Constituição Federal/88 (RP 29657, Relator Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE 17.3.17).

Dada a importância do tema, a Corte Superior Eleitoral assentou o cabimento de AIME para apurar fraude superveniente quanto aos percentuais mínimos de gênero, ressaltando que a alegação da matéria pressupõe a obtenção de mandato eletivo pela parte demandada.

A propósito, o seguinte precedente:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição. Recurso especial provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 149, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, data 21.10.2015, Páginas 25- 26.) (Grifei.)

No entendimento do julgador a quo, há provas robustas de que a candidata Sônia não agiu, de fato, como concorrente a uma vaga no Poder Legislativo Municipal, circunstância que indicaria a ocorrência de fraude.

Em feitos que visem à cassação de mandatos eletivos por inobservância da cota de gênero, é necessário bem ponderar sobre a prova produzida, cotejando-a com a drasticidade da consequência atribuída, que, no caso, representa uma espécie de responsabilização objetiva de todos os candidatos integrantes da coligação, uma vez que não se perquire a individualização de suas condutas.

Nessa esteira, entendo que a fraude requer a demonstração inequívoca de que as candidaturas tenham sido motivadas com o fim exclusivo de preenchimento artificial da reserva de gênero.

Na hipótese, porém, tenho que não houve essa comprovação nos autos.

Vejamos.

Extrai-se da sentença síntese adequada da prova oral produzida, conforme reproduzo (fls. 288v.-289):

Em juízo, a testemunha Sônia Insaurriaga, apontada como a “candidata fictícia”, alegou ter se candidatado por vontade própria, pois possui relacionamentos bem amplos pelo seu envolvimento na comunidade. Porém, após ter decidido concorrer, seu filho também foi convidado para concorrer a vereador por outro partido, tendo ele sido inscrito após alguns problemas. Então, disse que não iria concorrer contra o filho e pediu para o partido tomar as providências para retirar seu nome, tendo lhe sido dito que isso seria providenciado. Não fez solicitação por escrito, mas em reunião partidária, tendo, inclusive, alegado que faria campanha para o seu filho e para seu amigo “Pantalhão”. O tempo passou e em dado momento lhe disseram no partido que não fora possível excluí-la por falta de tempo hábil. Ao depois, ficou sabendo do processo e foi procurada por um repórter do Diário Popular e respondeu-lhe algumas perguntas, sem que lhe fosse dito que alguma matéria seria divulgada. Nega que tenha participado de fraude e diz que sua ideia inicial era concorrer, só tendo desistido quando seu filho virou candidato. Não tinha conhecimento da necessidade de os partidos apresentarem um número mínimo de candidaturas femininas.

A testemunha Reginaldo Bacci Acunha, que se intitula porta-voz do Partido Rede, afirma em juízo que Sônia era filiada ao partido e colocou seu nome à disposição para concorrer na eleição. Ela acompanhou todo o processo de escolha desde o início. Logo depois da inscrição dos candidatos, não mais acompanhou a situação dos candidatos a vereador. Soube que em dado momento Sônia quis renunciar à sua candidatura, mas não sabe como houve o encaminhamento formal disso. Ela teria pedido para alguém do partido formalizar isso. O motivo da desistência dela seria a candidatura do filho. Acredita que Sônia fosse coordenadora da Rede desde o final de 2015. A Coordenação Executiva é que deveria formalizar a renúncia da candidatura. Pelo que ficou sabendo, a manifestação de vontade de Sônia pela renúncia da candidatura foi posterior ao registro das candidaturas. No dia da Convenção do Partido ela tinha a disposição de concorrer. Afirma que todos os candidatos, homens e mulheres, receberam o mesmo material de campanha.

A testemunha Rafael Amaral afirma que era vice-presidente do PP. Na época do fato, assumiu a presidência do seu partido e junto com os partidos coligados fizeram a nominata dos candidatos. Com relação à candidata Sônia, vinculada à Rede, não tomou conhecimento da sua desistência.

Antônio Carlos Selistre afirma que é filiado ao PP. Diz que não tinha contato com Sônia. O PP não teve dificuldades em conseguir o número mínimo de candidaturas femininas. Houve até uma menina que queria concorrer e por um problema acabou ficando de fora. Desconhece eventual renúncia à candidatura por parte de Sônia.

Além disso, consta nos autos que a candidata Sônia, cerca de um mês e meio após o pedido de registro (22.9.2016), postou publicação em sua página pessoal no Facebook em apoio ao candidato Pantalhão, concorrente pelo mesmo partido (fls. 21-23).

Do exame da prova, é possível inferir que Sônia desistiu de realizar sua campanha para favorecer o seu filho, que concorreu pelo mesmo partido.

Quanto à postagem em alusão a outro candidato, a candidata afirmou que efetuou a manifestação após a sua desistência informal de concorrer e que nutre relações de amizade com o pretendente apoiado.

É possível concluir que a candidata possui importante atuação na vida partidária. Da verificação dos registros no SGIP, consta, inclusive, que a candidata ocupava o cargo de 1ª Secretária de Organização no período de 29.3.2016 a 31.5.2017.

Esse conjunto de circunstâncias não leva à conclusão necessária e irrefutável de que a candidatura foi fraudulenta.

Constata-se, em realidade, indicativos de que o lançamento ao pleito foi espontâneo e que a pretendente tinha participação ativa na vida partidária e na campanha eleitoral de sua agremiação.

Eventuais desistências informais são comuns e causadas por múltiplas razões, inclusive desmotivação frente aos obstáculos da política, além de eventuais problemas familiares. Essa condição é especialmente frequente no tocante às mulheres, sobre as quais, em geral, por razões culturais, ainda recaem a carência de apoio comunitário pela conquista de poder político e a especial responsabilidade de amparo familiar, em detrimento de seus projetos pessoais.

Os fatos demonstrados, embora lamentáveis na perspectiva da conquista de espaço feminino na política, não são aptos, de per si, a caracterizar fraude à lei, indispensável para a configuração do objeto da demanda.

Esta Corte já se pronunciou no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, não é condição suficiente, por si só, para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Nesses termos, reproduzo os seguintes precedentes:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. IMPROCEDÊNCIA. ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. COTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. FRAUDE NÃO COMPROVADA. DESPROVIMENTO.

1. A ação de impugnação de mandato eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral. No caso, suposto lançamento da candidatura fictícia do sexo feminino para alcançar o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim maior número de candidaturas masculinas.

2. Demonstrado que a candidata confirmou o lançamento de sua candidatura de forma espontânea, desistindo no decorrer da corrida eleitoral por não vislumbrar sucesso na empreitada. A inexistência de receitas e de despesas e o diminuto empenho na campanha não são suficientes para a caracterização da fraude, conforme orientação jurisprudencial.

Provimento negado.

(RE 512-93, Relator: Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, julgado em 02.5.2018, unanimidade.) (Grifei.)

RECURSOS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. PROCEDÊNCIA. ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. QUOTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. INCENTIVO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. FRAUDE NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA. PROVIMENTO.

1. As quotas de gênero, como mecanismo de política afirmativa, buscam promover a participação feminina na política. Alguns partidos podem lançar candidaturas de forma fraudulenta, apenas para viabilizar outras, do sexo masculino. Com o desiderato de combater tal postura, mister sejam assegurados recursos financeiros e meios para que o percentual de candidaturas por gênero seja alcançado de forma efetiva, e não por meio de fraude ao sistema.

2. Demonstrado que as concorrentes confirmaram o lançamento de suas candidaturas de forma espontânea e com real intenção de realizar campanha, mas acabaram abandonando, de fato, a busca por votos. Fraude não comprovada. A modicidade do investimento e o diminuto empenho na campanha não são suficientes para a pretendida caracterização de fraude, conforme orientação jurisprudencial. Reforma da sentença para julgar improcedente a ação.

3. Provimento

(RE n. 542-06. Relator Des. Jamil Bannura. Julgado em 14.11.2017, unânime.) (Grifei.)

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012. Matéria preliminar afastada. uposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 76677, ACÓRDÃO de 03.6.2014, Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Páginas 6-7.) (Grifei.)

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012. Representação julgada improcedente no juízo de origem. Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 41743, ACÓRDÃO de 07.11.2013, Relator Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14.11.2013, Página 5.) (Grifei.)

O próprio julgado invocado na fundamentação da sentença, qual seja, o RE n. 495-85.2016.6.21.0003, evidencia a fragilidade da prova presente nos autos, tendo em conta as suas particularidades e distinções com o caso concreto.

Veja-se que, no aludido julgamento, sob a relatoria do Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, sessão de 13.12.2017, este Tribunal ratificou que o não auferimento de votos, isoladamente, não determina a ocorrência de fraude. No entanto, decidiu-se pela procedência da ação com base em uma gravação ambiental, considerada lícita, na qual a própria pretendente assumia que a sua candidatura foi fictícia desde a origem, apenas para fins de preenchimento do percentual feminino exigido pela lei, referendando os demais elementos probatórios.

Nesse ponto, pertinente mencionar, também, o julgamento do RE n. 1-62.2017.6.21.0012, de relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, sessão de 02.5.2018, no qual o juízo de procedência da demanda teve por lastro a artificialidade de duas candidaturas. Quanto à primeira, houve o depoimento judicial da própria pseudo-concorrente, reconhecendo a fraude em sua candidatura, somado à prova fotográfica e documental de que a candidata sabia previamente da inviabilidade de sua campanha, pois já acompanhava seu marido em internação hospitalar prolongada à época do registro de candidaturas. Em relação à outra, constou uma série de postagens por ela realizadas em sua página pessoal no Facebook, em dilatado interstício (de dezembro de 2015 até setembro de 2016), veiculando a promoção da candidatura do seu marido, sem nunca mencionar a sua própria.

Diversamente dos precedentes referidos, o demandante não logrou êxito em demonstrar, no presente caso, um panorama probatório robusto que, aliado às evidências de abandono da campanha, de baixo desempenho de votos e de apoiamento eventual a terceiros, embase um juízo de procedência da demanda.

Com efeito, a gravidade das consequências jurídicas não permite a condenação com base em meras deduções ou presunções, exigindo prova consistente e cabal do ilícito:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. VEREADORES E SUPLENTES. ELEIÇÕES 2016. IMPROCEDÊNCIA NO PRIMEIRO GRAU. AFASTADAS AS PRELIMINARES DE PRECLUSÃO E INADEQUAÇÃO DA AÇÃO. ACOLHIMENTO DA PREFACIAL DE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO INICIAL. MÉRITO. RESERVA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. QUOTAS DE GÊNERO. ABUSO DE PODER. FRAUDE À LEI. NÃO COMPROVADOS. NORMALIDADE E LEGITIMIDADE DO PLEITO. DESPROVIMENTO.

1. Preliminares. 1.1. Afastadas as prefaciais de preclusão e inadequação do feito. A ação de impugnação de mandato eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral, inclusive no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições. Cabível o ajuizamento de AIME para apurar essa nova modalidade de fraude, na forma procedida pelo Ministério Público Eleitoral. 1.2. Acolhida a preliminar de ampliação do mérito da ação por meio das alegações finais do Parquet de primeiro grau. Inviável conhecer da suposta fraude em candidaturas que não integraram o objeto inicial da lide e que não foram mencionadas como causa. A teor do art. 329 do Código de Processo Civil, após a estabilização da demanda não é mais permitida a modificação do pedido ou da causa de pedir.

2. Mérito. A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo à participação feminina na política. Para alcançar tal objetivo, mister sejam assegurados recursos financeiros e meios para que os percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo sejam preenchidos de forma efetiva, e não por meio de fraude ao sistema.

3. Na espécie, suposto lançamento da candidatura fictícia do sexo feminino para atingir o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim maior número de concorrentes masculinos. A pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial.

4. Para a procedência da alegação de fraude em sede de AIME é fundamental que a candidatura apontada como fictícia participe do pleito. Pedido de renúncia homologado judicialmente, circunstância apta a romper a cadeia causal do ilícito apontado.

5. Manutenção da sentença de improcedência da ação. Provimento negado.

(RE 910-16.2016.6.21.0085, julgado em 20.02.2018, Relator: Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes.) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO pelo afastamento das preliminares e, no mérito, pelo provimento do recurso, ao efeito de julgar totalmente improcedente a ação.