RE - 1053 - Sessão: 07/08/2018 às 17:00

RELATÓRIO

WALDOMIRO CARDOSO LIMA interpõe recurso contra a sentença que julgou procedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo ajuizada em desfavor do candidato recorrente pelo PARTIDO COMUNISTA do BRASIL (PCdoB), sob o fundamento de estar demonstrado o lançamento de candidatura feminina com a única finalidade de preencher a reserva de gênero legal, em fraude à lei, nos termos do art. 14, § 10, da Constituição Federal.

A sentença (fls. 261-267) reconheceu que a candidata Cândida Carvalho trabalhava com marketing e prestava serviço à empresa de propriedade do chefe de gabinete do vereador Waldomiro Lima, para quem fez campanha durante o período eleitoral, evidenciando seu intento de oferecer seu nome com o único propósito de atender a cota de gênero. Declarou a ocorrência de fraude na constituição da coligação pela qual concorreu o candidato e cassou o mandato de Waldomiro Lima.

Opostos embargos de declaração (fls. 276-283), os aclaratórios foram rejeitados (fl. 287).

Houve então interposição de recurso a este Tribunal (fls. 292-311), suscitando nulidade absoluta da sentença, por falta de intimação acerca dos documentos juntados após a apresentação da defesa. Assevera, ainda, ser nula a sentença, em razão de ter afastado o sigilo do processo antes da intimação das partes. No mérito, sustenta que Cândida Carvalho confirmou em juízo sua intenção de ser candidata, mesmo antes das convenções partidárias. Argumenta que o partido não recebeu requerimento de desistência da candidatura, não podendo ser penalizado por qualquer omissão. Aduz estar a sentença baseada em suposições, distintas da necessária prova robusta para a procedência da ação. Assinala que a candidata não fez campanha a favor de Waldomiro e que inclusive obteve sete votos, mais do que outras correligionárias, evidenciando empenho mínimo em sua campanha. Requer a modificação da sentença recorrida.

Com as contrarrazões (fls. 317-321), os autos foram remetidos a esta instância e encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral, que exarou parecer pelo desprovimento do recurso (fls. 328-340).

É o relatório.

 

VOTO

Preliminares

Nulidade da sentença por falta de notificação

O recorrente suscita a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, pois não foi notificado acerca da juntada dos documentos das fls. 136, 138, 140-142 e 256 pela parte autora, sendo surpreendido com a existência de tais elementos somente com a publicação da sentença.

Não merece ser acolhida a preliminar, por ausência de prejuízo à parte recorrente.

Inicialmente, os documentos referidos por Waldomiro como prejudiciais à sua defesa não dizem respeito diretamente ao ilícito apurado nos autos. Como bem destacou o douto Procurador Regional Eleitoral, os documentos das fls. 136, 138, 140-142 destinavam-se a comprovar o endereço da testemunha Cândida Carvalho, mediante a demonstração de postagens em rede social sobre trabalhos executados por ela na região, com o intuito de desconstituir certidão do oficial de justiça no sentido de que a testemunha havia se mudado.

Ademais, tratando-se de circunstância surgida no decorrer da instrução, acerca do efetivo endereço de uma testemunha, nada obsta a sua juntada em momento posterior, pois não se trata de documento imprescindível ao ajuizamento da ação, a ser acostado com a petição inicial.

A fl. 256, também mencionada pelo recorrente, refere-se ao parecer ministerial, adequadamente apresentada após as alegações finais.

Ademais, a testemunha foi devidamente ouvida, conforme se vê nas fls. 186-189, de tal modo que, mais uma vez, nenhuma perda advém ao direito do recorrente.

Por fim, não há que se falar em prejuízo à defesa, pois o candidato foi devidamente notificado para apresentar alegações finais (fl. 235), prestando efetiva manifestação nesta oportunidade (fls. 252-254).

Trata-se, portanto, da aplicação do princípio "pas de nullité sans grief", de há muito consagrado no nosso direito.

As alegações finais, oferecidas ao fim da instrução, oportunizam à parte manifestar-se sobre os atos praticados após a apresentação da defesa, não havendo, pois, que se falar em surpresa do recorrente pelos documentos juntados durante a instrução.

Nesse sentido, a jurisprudência reconhece não haver nulidade na juntada de novos documentos, se é oportunizada à parte a apresentação de alegações finais:

Recursos Eleitorais. Eleições 2012. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Abuso de poder político/autoridade. Conduta vedada a agente público. Utilização de bem público. Contratação de servidor. Ação julgada procedente. Cassação de registro de candidatura. Declaração de inelegibilidade.

[...]

Preliminar de nulidade - violação ao contraditório e a ampla defesa (argüida pela 1ª recorrente - Beatriz Fagundes Alves)

Mesmo que a intimação para apresentação de defesa tenha ocorrido antes da juntada de determinados documentos, tal diligência processual não causou o prejuízo alegado. Após a referida juntada, a recorrente teve oportunidade de se manifestar sobre os referidos documentos, seja na audiência de instrução, seja em alegações finais. Audiência redesignada para uma nova data (fl. 6790-verso). Cartório Eleitoral, de maneira diligente, procedeu à intimação (fl. 6791-6794; 6803) de todos os advogados. Ausência de qualquer prejuízo para as partes. Rejeitada.

[…]

(TRE/MG, RECURSO ELEITORAL n. 30018, ACÓRDÃO de 23.01.2014, Relator Virgílio de Almeida Barreto, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 31.01.2014.)

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. ABUSO DE PODER POLÍTICO. SUPOSTA CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE SERVIDORES EM PERÍODO VEDADO. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. [...]. Embora acostados aos autos após a apresentação da defesa, os documentos foram juntados ao longo da instrução e antes das alegações finais, tendo tido os recorrentes tempo e possibilidade de se manifestar em relação a eles. [...].

(TSE, RECURSO ELEITORAL n. 168145, ACÓRDÃO de 17.02.2016, Relator Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 041, Data 22.02.2016, Páginas 11/14.)

Dessa forma, a ausência de notificação da defesa acerca dos documentos apresentados no curso da instrução não causou prejuízo ao recorrente, não havendo que se falar em nulidade.

 

Nulidade da sentença por desrespeito ao sigilo do processo

O recorrente suscita, ainda, nulidade da sentença, por ter determinado o afastamento do sigilo do presente processo a partir da publicação da sentença.

A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo deve ser processada sob segredo de justiça, por expressa determinação do art. 14, § 11, da Constituição Federal:

Art. 14.

§ 11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

O aludido dispositivo é interpretado sistematicamente com o art. 93, inc. IX, primeira parte, da Constituição Federal, segundo o qual “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos”, resultando no entendimento de que o segredo deve perdurar durante a “tramitação” da ação em primeiro grau, sendo públicas a sentença e as demais decisões de instâncias superiores.

Nesse sentido a jurisprudência:

RECURSO ORDINARIO. AIME. SEGREDO DE JUSTICA. CASSACAO DE MANDATO DE DEPUTADA DIPLOMADA PELAS ELEICOES SUBSTITUTIVAS DE 15.11.94 DO RIO DE JANEIRO. VALIDACAO DAS ELEICOES ORIGINARIAS DE 3.10.94. SUBSISTENCIA DO OBJETO DA ACAO. PROVA ROBUSTA A CARACTERIZAR FRAUDE E DESCUMPRIMENTO DAS NORMAS DE ADMINISTRACAO FINANCEIRA DA CAMPANHA ELEITORAL.

1. A ACAO DE IMPUGNACAO DE MANDATO ELETIVO DEVE SER PROCESSADA EM SEGREDO DE JUSTICA. TODAVIA, O SEU JULGAMENTO E PUBLICO (CF, ART. 14, PAR. 11 E ART. 93, IX).

[...]

(TSE, Recurso Ordinário n. 31, Acórdão de , Relator Min. Edson Carvalho Vidigal, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 31.3.2000, Página 125.)

 

Recurso regimental. Ação de impugnação de mandato eletivo. Divulgação de atos processuais. Alegada quebra do segredo de justiça. Mandado de segurança objetivando a anulação do processo. Indeferimento da inicial do mandamus.

Extensão do instituto do segredo de justiça. O sigilo deixa de existir a partir do julgamento da ação impugnatória. Compatibilização entre os dispositivos dos arts. 14, § 11, e 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal. Ausência de direito líquido e certo.

Provimento negado.

(TRE/RS, RECURSO REGIMENTAL n. 82001, ACÓRDÃO de 07.3.2002, Relator Des. Marco Antônio Barbosa Leal, Publicação: DJE - Diário de Justiça Estadual, Volume 402, Tomo 52, Data 20.3.2002, Página 73.)

Correto, portanto, o juízo de primeiro grau, afastando-se a preliminar arguida.

 

Mérito

No mérito, a ação busca a cassação do diploma de Waldomiro Cardoso Lima, eleito vereador no pleito de 2016, sob o fundamento de que a coligação pela qual concorreu foi invalidamente constituída, pois teria se valido da candidatura fictícia de Cândida Suzel Carvalho, apenas para preencher a reserva de gênero exigida pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 e viabilizar maior número de candidatos homens.

A imposição de reserva de gênero é prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

A reserva de gênero implementa ação afirmativa para induzir a maior participação das mulheres na política e superar barreiras culturais que inviabilizam sua atuação nesse espaço em igualdade de chances com os homens.

As estatísticas mostram que a participação feminina na política não acompanha a mesma representatividade feminina da sociedade. O Ministro Herman Benjamin, no voto proferido na Representação n. 282-73, registrou que, enquanto os votos femininos representaram 52,29% do total, as candidaturas femininas alcançaram somente 31,89% no último pleito, de 2016.

Por ser medida legal indutiva, de incentivo e de garantia da maior participação feminina na política, condutas partidárias no sentido de lançar candidatas mulheres com o único propósito de alcançar a reserva de gênero frustram a finalidade legal e caracterizam fraude à lei, a autorizar o ajuizamento de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, nos termos do art. 14, § 10, da Constituição Federal:

art. 14.

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento do RESPE 1-49, publicado em 21.10.2015, definiu que a fraude prevista no aludido dispositivo é termo aberto, que alcança qualquer situação que afete a normalidade da eleição por ações fraudulentas, incluindo a fraude à lei.

Transcrevo a ementa do referido julgado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição.

Recurso especial provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 149, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 21.10.2015, Páginas 25-26.)

Assim, o objeto da ação é a fraude no registro dos partidos ou coligações. Deve-se apurar se a reserva de gênero foi ficticiamente preenchida, com intuito de viabilizar maior número de candidaturas. São condutas dessa natureza que, além de frustrarem a política afirmativa instrumentalizada pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, fraudam seus efeitos, mediante a simulação de candidaturas que apenas aparentemente cumprem a determinação legal.

No presente caso, a magistrada de primeiro grau entendeu estar comprovado que Cândida Carvalho somente lançou candidatura para preencher a cota feminina, sem o verdadeiro intuito de realizar campanha, pois trabalhava para empresa de propriedade do chefe de gabinete do vereador Waldomiro; não realizou campanha para si, embora tenha feito propaganda para Waldomiro; e nem realizou despesas com propaganda eleitoral.

Todavia, os elementos dos autos, mesmo quando analisados conjuntamente, não permitem concluir que a candidatura de Cândida Suzel Carvalho tenha sido ficticiamente lançada, com o único propósito de preencher as cotas de gênero.

Ouvida em juízo (fls. 187-189), Cândida afirmou ter se filiado ao PRB em 2015, pois realizava alguns trabalhos sociais com integrantes do partido e mantinha alguns contatos com o vereador Waldomiro Lima pela Câmara de Vereadores e pela Igreja. Disse ter sido incentivada por muitos integrantes do partido, em razão de seu perfil. Negou ter apresentado sua candidatura somente para preencher as cotas de gênero.

A respeito de sua campanha eleitoral especificamente, afirmou a testemunha:

que o tempo para fazer campanha era muito curto em razão do trabalho e que não contava com ajuda financeira de ninguém, não houve uma organização, não houve um projeto; que trabalhava na época com marketing e comunicação visual em cidades próximas a Pelotas e por tal motivo não restava tempo para a campanha; que não fez campanha para outros candidatos; que pelo fato de o candidato Waldomiro ser líder do partido em Pelotas era normal que os demais candidatos vinculassem a imagem à dele.

Ainda sobre a campanha, disse ter recebido um primeiro material publicitário do partido contendo erros, mas não recebeu novas propagandas após. Disse que a empresa para qual trabalhava, Zoom MKT, prestou serviços de propaganda eleitoral na campanha a candidatos de Pelotas, mas ela concentrou seu serviço em outros municípios da região.

Esclareceu também:

que em razão da ausência de material para sua campanha e pelo fato de estar atarefada com seu trabalho não teve motivação para campanha, motivo pelo qual não fez propaganda em seu facebook; que possui em sua página no facebook um álbum do partido; que quando do início da campanha postou algo relacionado ao Candidato Waldomiro, mas era sua intenção no curso campanha fazer propaganda de sua própria candidatura, o que não ocorreu em razão do acima consignado (desmotivação).

Ouvido em juízo, o representado Waldomiro Lima afirmou que os candidatos do partido tiveram problemas com propagandas distribuídas pelo órgão regional, como santinhos e panfletos, os quais precisaram ser devolvidos. Disse ainda que o diretório municipal não confeccionou propaganda para seus candidatos.

Seu testemunho confirma que se candidatou com a intenção de fazer campanha, mas não havia planejamento nem apoio. Como seu ofício envolvia marketing e comunicação social, disse que seu trabalho foi intensificado no período eleitoral, prejudicando seu tempo para se dedicar à campanha, por isso acabou não realizando propaganda eleitoral.

Os esclarecimentos prestados em juízo são coerentes com fatos públicos e notórios, de que pessoas envolvidas com o trabalho de marketing naturalmente possuem maior demanda de serviço no período eleitoral.

O fato de não ter realizado propaganda em seu favor, embora seu ofício envolvesse exatamente comunicação visual, não evidencia seu propósito de não realizar campanha. A primeira vez em uma disputa eleitoral, sem planejamento e com substancial incremento de trabalho, concentrado nos arredores do seu município, podem perfeitamente justificar um desânimo ou falta de empenho na sua própria candidatura, o que explicaria a falta de propagandas em seu favor.

A respeito das propagandas eleitorais de Waldomiro na página do Facebook de Cândida Carvalho, verifica-se que, de fato, foram postadas duas propagandas em favor do representado, uma no dia 16 de agosto e outra no dia 17 do mesmo mês, exatamente no início do período de propaganda eleitoral (fls. 21-22).

Duas únicas postagens de propaganda eleitoral concentradas no início da campanha eleitoral não podem ser classificadas como “campanha ostensiva” em favor de terceiro candidato. Ao contrário, essa manifestação política realizada somente no início do período de propaganda eleitoral, sem indícios de outros atos no decorrer da campanha, reforça a versão prestada por Cândida em juízo, de que se manteve afastada da propaganda eleitoral por força do ofício e de desinteresse surgido no curso da campanha.

O fato de ter optado por divulgar propaganda de Waldomiro, em vez da sua própria, pode ser explicada pelo prestígio do candidato Waldomiro, presidente do partido municipal, o que lhe confere natural apoio dos demais candidatos da mesma sigla, e pela diferença de planejamento entre ambas as candidaturas, fazendo com que a propaganda de Waldomiro já estivesse pronta antes da propaganda de Cândida.

Registre-se ainda que a candidata efetivamente arrecadou recursos de terceiros para sua campanha no valor total de R$ 914,00 (fl. 23), valor de certa expressão, considerando tratar-se de eleição municipal. Embora não tenha realizado despesas eleitorais, a conquista de recursos de terceiros doadores denota algum empenho e dedicação na sua própria campanha.

Também é relevante para o caso o fato de a candidata Cândida Carvalho ter obtido 07 (sete) votos no pleito de 2016, outra evidência de um mínimo esforço pela sua campanha. Embora tenha conquistado uma inexpressiva votação, a preferência de sete eleitores envolve, no mínimo, a divulgação de sua candidatura para terceiros, uma mostra do empenho da candidata.

Consultando o resultado das eleições para o Município de Pelotas no sítio do TSE (http://divulga.tse.jus.br/oficial/index.html), verifica-se que a votação realizada por Cândida foi superior à de outras candidatas da mesma Coligação PR-PRB (Juli Madruga fez 4 votos) e de coligações adversárias, como a Coligação PT-PCdoB (Priscila Amaral fez 6 votos e Mercedes Carolina fez 3 votos).

Cumpre registrar que a produção probatória acerca da pretendida fraude limitou-se à oitiva da candidata e do representado, além da juntada de poucos documentos, restritos a publicações no Facebook e ao resultado da eleição. A ausência de qualquer outra prova, tal como oitiva de outras testemunhas, que até poderiam ter sido compromissadas, e de outros elementos documentais, compromete a reconstrução dos fatos e inviabiliza a pretensão condenatória dos representantes.

Assim, o conjunto probatório dos autos não evidencia que a candidatura de Cândida Carvalho tenha sido lançada de forma fictícia. Os elementos levados em consideração na sentença condenatória, mesmo analisados em conjunto, não se prestam para comprovar o intuito fraudulento de sua candidatura.

Esta Corte firmou entendimento no sentido de que a inexistência de recursos, de propaganda eleitoral ou o inexpressivo resultado no pleito não caracterizam, por si só, fraude na candidatura, como se pode ver pelas seguintes ementas:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. REGISTRO DE CANDIDATURA. FRAUDE. QUOTAS DE GÊNERO. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegada prática de fraude com o registro de candidaturas fictícias, em relação à nominata proporcional do partido, para o cumprimento da quota mínima de 30% por gênero.

2. Acervo probatório a demonstrar que as candidatas buscaram votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo seu registro como simulacro de candidatura. Precedentes no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

3. Provimento negado. (TRE/RS, Relator Dr. Eduardo Dias Bainy, julg em 11.7.2017.)

 

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 76677, ACÓRDÃO de 03.6.2014, Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Páginas 6-7.)

Os precedentes trazidos à colação pelo recorrido, e na sentença, não se aplicam ao caso, visto que, ou tratam da questão do cabimento da AIME por alegada fraude, o que não se discute aqui, ou de precedente que não serve como paradigma, pois a hipótese fática não se coaduna, ao efetuar-se o cotejo, com a questão ora sob exame.

O trabalho prestado à empresa de propriedade do chefe de gabinete de Waldomiro, as duas postagens realizadas no início da campanha em favor desse último candidato e a ausência de atos de propaganda em seu próprio benefício, mesmo quando analisados em conjunto, não comprovam o intuito fraudulento de sua candidatura.

Ademais, a pretendida fraude é afastada ainda por outros elementos dos autos, tais como o testemunho de Cândida confirmando sua inicial intenção de concorrer, arrefecida com as dificuldades da campanha e de conciliá-la com seu ofício, a efetiva arrecadação de recursos e a conquista de votos em quantidade superior à de outras candidatas, circunstâncias incompatíveis com a pretendida candidatura fictícia.

Deve-se atentar para que o conceito de fraude, nessas hipóteses, há de observar critérios objetivos, tais como comprovada falsificação de assinatura, confissão, desconhecimento do lançamento do nome da candidata, entre outros, sob pena de ingressar o judiciário na esfera da questão volitiva da pessoa. Não há fraude em desistir de campanha ou não angariar votos. Se algum candidato mantém alguma "reserva mental", este não é um elemento que venha a turvar o preenchimento da cota, pois passará, sempre, por uma avaliação subjetiva e, como tal, indesejável.

Cumprida a reserva, não podem o partido ou a coligação ser responsabilizados pela inércia do candidato, por seu eventual desinteresse ou ainda pela votação pouco expressiva.

Nesse sentido, a prova em casos tais deve ser firme e segura sobre a fraude no específico momento da formalização do registro. O comportamento da candidata no período eleitoral pode até ser indício de irregularidade, mas é imprestável para comprovar a fraude, com a segurança exigida pela grave consequência que o juízo condenatório impõe.

Pacífico o entendimento firmado pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que a cassação do mandato é medida excepcional, que requer prova robusta da irregularidade, como se extrai da seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. DEPUTADO FEDERAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO, CORRUPÇÃO E FRAUDE. PROVAS ROBUSTAS E INEQUÍVOCAS. AUSÊNCIA. CONDUTAS ILÍCITAS. AUTORIA E PARTICIPAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO. [...] 4. A cassação de mandato é medida excepcional e que se impõe somente diante de provas robustas da existência de forças abusivas e do emprego de meios determinantes a interferir no equilíbrio do pleito. 5. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que "a cassação de diploma de detentor de mandato eletivo exige a comprovação, mediante provas robustas admitidas em direito, de abuso de poder grave o suficiente a ensejar essa severa sanção, sob pena de a Justiça Eleitoral substituir-se à vontade do eleitor" (RO n. 1919-42/AC, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe de 08.10.2014) 6. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Ordinário n. 536, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 25.8.2017.)

A caracterização de fraude, em síntese, deve ser analisada caso a caso, não se configurando, pelo conjunto probatório na espécie, a ocorrência desse vício.

Assim, deve ser reformada a sentença para o fim de julgar improcedente a ação.

 

ANTE O EXPOSTO, afastadas as preliminares suscitadas, VOTO pelo provimento do recurso para julgar improcedente a ação.