RE - 3908 - Sessão: 24/05/2018 às 16:00

Com o devido acatamento, estou divergindo do nobre relator.

O PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Arroio do Padre e seus dirigentes, embora devidamente notificados, deixaram de apresentar as contas de campanha de 2016.

Inaugurada a divergência, passo a analisar a obrigatoriedade, ou não, de os partidos políticos que não participaram diretamente das eleições – com candidatos próprios ou coligados – prestarem contas à justiça eleitoral.

Para isso, reputo importante fazer uma breve análise da evolução da norma relativa às eleições de 2016, em cotejo com a aplicável ao pleito de 2014.

Para as eleições gerais de 2014, a Resolução TSE n. 23.406/14 trazia, no art. 33, o seguinte:

Deverão prestar contas à Justiça Eleitoral:

I – o candidato;

II – os diretórios partidários, nacional e estaduais, em conjunto com seus respectivos comitês financeiros, se constituídos.

Veja-se que, naquele pleito, estavam obrigados a prestar contas, além do candidato, os diretórios partidários nacionais e estaduais, porque, em se tratando de eleições gerais, por óbvio os órgãos partidários municipais não participavam diretamente das eleições.

Todavia, para as eleições municipais de 2016, a Resolução TSE n. 23.463/15 trouxe a obrigatoriedade de prestação de contas por todas as esferas partidárias:

Art. 41. Devem prestar contas à Justiça Eleitoral:

I - o candidato;

II - os órgãos partidários, ainda que constituídos sob forma provisória:

a) nacionais;

b) estaduais;

c) distritais; e

d) municipais.

Resta evidente a exigência de um maior rigor em relação ao controle e à fiscalização da arrecadação de recursos e gastos eleitorais, mediante a ampliação do leque dos entes partidários obrigados a prestar contas, antes restrita àquela em que se realizava a eleição.

Nesse sentido, no caso específico das eleições municipais de 2016, se até os órgãos estaduais e nacionais estavam obrigados a prestar contas, com muito mais razão os municipais, localizados na circunscrição do pleito.

O fato de o partido não ter participado – de forma isolada ou coligada – das eleições, não o impede de arrecadar recursos e fazer doação a outros diretórios ou candidatos de municípios vizinhos, na forma de puro e simples apoiamento. Daí a necessidade de prestar contas.

Esse entendimento é reforçado ao se analisar disposição contida na Resolução TSE n. 23.553/17, que disciplina as prestações de contas para as eleições gerais de 2018, pela qual “consideram-se obrigados a prestar contas de campanha os órgãos partidários vigentes após a data prevista no Calendário Eleitoral para o início das convenções partidárias” (art. 49, § 1º).

Neste ano de eleições gerais, os diretórios municipais – ainda que não participem diretamente das eleições – devem encaminhar a prestação de contas de campanha dos recursos arrecadados e aplicados exclusivamente em campanha, ou da sua ausência, à respectiva zona eleitoral (art. 49, caput e inc. I, Resolução TSE n. 23.553/17).

Voltando ao pleito de 2016, a respectiva Resolução estabelece, expressamente, a obrigação de os partidos prestarem contas mesmo que não haja recebimento de recursos de campanha, financeiros ou estimáveis em dinheiro (art. 41, § 9º).

Não há, no texto normativo, que regulamenta um sistema que privilegia a transparência, nenhuma ressalva à obrigatoriedade de prestar contas, não cabendo ao julgador fazer interpretação restritiva à capacidade de fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral, preceito constitucional insculpido no art. 17, inc. III, da Carta Magna, in verbis:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

[…]

III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;

Da interpretação sistemática dos normativos citados, estou convencida quanto à obrigatoriedade de que todos os partidos, tenham ou não participado ativamente das eleições de 2016, prestem contas à justiça eleitoral, não bastando a simples alegação de que não participou do pleito.

Aliás, é justamente a prestação de contas o meio adequado para demonstrar eventual inexistência de movimentação financeira.

No caso concreto, o PT de Arroio do Padre e os respectivos dirigentes partidários foram devidamente intimados do dever de prestar contas (fls. 18-22), com a advertência de que, caso não o fizessem, essas seriam julgadas não prestadas, acarretando ao partido político a perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário.

Ao invés de apresentar a contabilidade, ainda que zerada, o partido silenciou, deixando que as contas fossem julgadas não prestadas, comparecendo aos autos para alegar, já nas razões recursais, que “não mais está ativo no Município de Arroio do Padre desde o ano de 2012, quando participou pela última vez das eleições”.

Ocorre que, ao contrário do sustentado pelo recorrente, a certidão de composição acostada à fl. 03 demonstra que o partido estava ativo no período de 11.4.2015 a 20.02.2018, persistindo, a meu ver, a obrigação de prestar contas. Esta circunstância, destaco, também foi constatada em consulta realizada no site do Tribunal Superior Eleitoral na internet.

Nesse contexto, cabe à Justiça Eleitoral garantir a efetividade das normas eleitorais, exercendo o seu papel fiscalizador sobre a movimentação de recursos das campanhas eleitorais.

Assim, entendo temerário um pronunciamento deste Tribunal, em última análise, liberando de prestar contas os entes partidários não participantes do pleito, fato que poderia desencadear a movimentação de recursos financeiros por interpostos partidos, em burla à legislação eleitoral.

Caso o partido se mantenha ao largo da campanha eleitoral, deve fazer tal demonstração por meio da prestação de contas, com os documentos exigidos pela legislação, restando incabível a mera presunção de que não movimentou recursos.

Nesse sentido, colaciono precedente da Corte Eleitoral pernambucana:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. NÃO APRESENTAÇÃO DAS CONTAS. ELEIÇÕES 2016.

1. Obrigatoriedade de apresentação das contas de campanha, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, com fulcro no art. 48 da Res. nº 23.463/2015 e na forma prescrita no art. 49 da mesma resolução.

2. O Partido Ecológico Nacional não cumpriu com a exigência da Justiça Eleitoral nos termos do art. 45 da Res. nº 23.463/2015 quando intimado pessoalmente para regularizar a sua omissão no tocante às contas de campanha.

3. Por força dos artigos supracitados, o argumento de que o Partido não tivera movimentado recursos financeiros ou bens estimáveis em dinheiro não é escusável, uma vez que trata-se de regra cogente imprescindível à regularidade e transparência do pleito eleitoral. Ainda que o partido não tenha lançado candidatura, deve este demonstrar, mediante extratos bancários, que a movimentação de recursos durante o período de eleições é inexistente, sendo o julgamento de não prestação de contas e sua consequente sanção medidas que se impõem, nos termos dos arts. 68, IV e 73, II da Res. nº 23.463/2015.

4. In casu, não pode esta Corte utilizar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, vez que tal omissão representa óbice para o processamento e a análise das contas pelos órgãos da Justiça Eleitoral.

5. Não provimento da pretensão recursal. Mantida a sentença que julgou como não prestadas as contas do Partido Ecológico Nacional. Suspensão do repasse da cota do fundo partidário com fulcro no art. 73, II da Res. nº 23.463/2015 enquanto perdurar a irregularidade.

(Recurso Eleitoral n. 26270, Acórdão de 02.10.2017, Relatora Érika de Barros Lima Ferraz, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 221, Data 06.10.2017, Página 10/11.) (Grifei.)

Observo não desconhecer o precedente em sentido contrário – RE n. 47-58 – citado pelo nobre Relator, o qual estava em consonância com as regras atinentes às eleições de 2014, mas, com reiterada vênia, encontra-se superado, em razão da sobrevinda, como visto, de um maior rigor na legislação, que passou a exigir a prestação de contas inclusive de entes partidários de esferas estranhas à realização do pleito.

Portanto, impõe-se julgar as contas como não prestadas.

Da penalidade

O juízo singular, ao decidir pela não prestação das contas do partido político, aplicou penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 (seis) meses.

O art. 37-A da Lei n. 9.096/95 é expresso ao afirmar que:

Art. 37-A.

A falta de prestação de contas implicará a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário enquanto perdurar a inadimplência e sujeitará os responsáveis às penas da lei.

Ocorre que a pena fixada em 6 (seis) meses pode se tornar mais gravosa caso o partido apresente as respectivas contas e regularize sua situação antes do término do referido prazo de suspensão. É que, nessa hipótese, a regularização não teria o condão de restabelecer imediatamente o repasse das quotas do Fundo Partidário, o que ocorreria somente após o término do prazo de suspensão.

Dessa forma, deve ser reformada, de ofício, a sentença, para o efeito de suspender o repasse de novas quotas do Fundo Partidário até que as contas sejam regularizadas, nos exatos termos do art. 73, inc. II e § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Quanto à penalidade de suspensão do registro ou da anotação do órgão de direção municipal, até que seja regularizada a situação (art. 28, inc. III, c/c o art. 34, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.165/15, e art. 42 da Resolução TSE n. 23.465/15), não aplicada na origem, incabível nesta instância, em face da vedação de reformatio in pejus.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para confirmar a sentença que julgou como não prestadas as contas do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Arroio do Padre, relativas às eleições 2016, e, de ofício, suspender o repasse de novas quotas do Fundo Partidário até que as contas sejam regularizadas, nos termos do art. 73, inc. II e § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Comunique-se aos órgãos estadual e nacional do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

 

O relator, Des. João Batista Pinto Silveira, alterando seu voto, aderiu a manifestação divergente.

 

Demais julgadores acompanharam a divergência.