RE - 58294 - Sessão: 26/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por PATRICIA FERREIRA DA SILVA contra a sentença que desaprovou a sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral de 2016 para o cargo de vereador e determinou o recolhimento da quantia de R$ 1.500,00 ao Tesouro Nacional (fls. 235-237).

Em suas razões (fls. 240-257), a recorrente sustenta que as falhas identificadas foram sanadas, não comprometendo a regularidade das contas. Alega que devolveu à doadora o valor recebido de forma irregular, razão pela qual entende indevida a determinação de recolhimento. Informa que, em razão da impossibilidade de registrar na contabilidade a restituição ao doador, depositou a quantia impugnada na conta bancária da agremiação, lançando a ocorrência como “sobra de campanha”. Colaciona aresto que corrobora com a sua tese. Informa que os documentos apresentados às fls. 167-169 demonstram a licitude da despesa realizada com honorários contábeis. Aduz que a quantia irregular representa apenas 10% das receitas arrecadas, possibilitando a aprovação das contas com ressalvas, à luz da jurisprudência do Tribunal. Invoca a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Requer a aprovação das contas, ainda que com ressalvas.

Nesta instância, Procuradoria Regional opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

 

 

 

VOTO

Senhor Presidente.

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo.

No mérito, registro que o feito foi examinado por este Tribunal no acórdão às fls. 225-226, oportunidade na qual a sentença foi anulada em razão da ausência de determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.500,00, considerada como de origem não identificada, para observância do disposto no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Com o retorno dos autos à origem, nova sentença foi prolatada às fls. 235-237, mantendo o entendimento pela desaprovação das contas, com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor considerado de origem não identificada, diante do descumprimento do art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Com efeito, a contabilidade foi desaprovada em razão da existência de irregularidades no tocante à arrecadação de recursos e à realização de despesas, quais sejam: a) excesso de gastos na locação de veículos; b) insuficiência da documentação apresentada relativamente aos serviços contábeis registrados; e c) recebimento de recursos sem observância da formalidade prevista no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

A respeito da primeira irregularidade, o órgão técnico identificou que os gastos realizados com aluguel de veículos ultrapassaram em R$ 250,30 o limite disciplinado no art. 38, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15 (fl. 155):

Art. 38. São estabelecidos os seguintes limites com relação ao total dos gastos da campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, parágrafo único):

[...]

II - aluguel de veículos automotores: vinte por cento.

Cabe ressaltar que a disposição visa salvaguardar o equilíbrio do pleito, notadamente a aplicação harmônica dos recursos arrecadados na campanha entre candidatos e partidos políticos.

No caso dos autos, como bem ponderou a decisão hostilizada, o limite excedido não foi expressivo e, em razão disso, não se reveste de potencialidade para interferir no resultado das eleições.

Por isso, entendo que a irregularidade não é grave o bastante para impingir à candidata o juízo de reprovação das contas, devendo ser considerada como apenas uma ressalva no lançamento contábil.

Na sequência, a respeito da insuficiência da documentação apresentada relativamente aos serviços contábeis registrados, observo que os documentos apresentados às fls. 92 e 167-169 demonstram a regularidade da aplicação da receita e realização da despesa, nos termos do art. 35, § 1º, da Lei Municipal n. 43/83 do Município de Charqueadas, devendo, dessa forma, ser afastado o aludido apontamento.

Por fim, relativamente à inobservância da disposição contida no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, a decisão concluiu que a prestadora arrecadou, em 23.9.2016, a quantia de R$ 1.500,00 por meio de depósito em espécie e não mediante transferência entre contas bancárias.

Reproduzo o dispositivo:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

Consoante se observa do texto normativo, as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser arrecadadas por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias, não sendo admitido o recebimento por meio de depósito em espécie (art. 18, § 1º).

E na sequência, o § 3º do art. 18 disciplina que as “doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional”.

No caso sob exame, é incontestável que o valor recebido irregularmente foi utilizado na campanha da recorrente.

Portanto, uma vez recebida e utilizada a doação arrecadada de forma contrária ao que determina a norma eleitoral, deve o valor ser devolvido ao doador, caso identificado, ou, sendo esta hipótese impossível, ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Na situação em análise, a prestadora não logrou demonstrar a origem do recurso. É de se ressaltar que a identificação do depósito, por se tratar de ato essencialmente declaratório, não se presta para essa finalidade. Outrossim, a transferência da quantia impugnada para a agremiação não atende à disposição regulamentar.

Dessarte, constatada a existência de recursos de origem não identificada, deve ser mantida a determinação de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Quanto ao juízo de reprovação das contas, é de se reconhecer que o valor das irregularidades (R$ 1.750,30) representa 10,29 % do montante global movimentado na campanha (R$ 16.998,50).

Ademais, evidente também a boa-fé da candidata, que realizou os devidos registros da doação e sempre se manifestou nos autos a respeito dos apontamentos, trazendo os esclarecimentos solicitados.

Por tais razões, entendo por aplicar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, seguindo sedimentada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, e aprovar com ressalvas as contas da recorrente.

Nesse sentido, colaciono as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.2.2017, Página 48/49.)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15.)

Prestação de contas. Eleições 2010. Parecer conclusivo do órgão técnico deste TRE e manifestação ministerial pela desaprovação.

Arrecadação de recursos e realização de despesa sem o prévio trânsito pela conta bancária específica.

Pequeno valor da irregularidade assinalada, envolvendo quantia inferior a 10% da movimentação financeira de campanha. Falha que não compromete a regular fiscalização da demonstração contábil.

Aprovação com ressalvas.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 755276, Acórdão de 19.4.2011, Relator Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 067, Data 27.4.2011, Página 01.)

Logo, considerando que as falhas não prejudicaram a fiscalização do exame contábil, a sentença merece ser reformada para aprovar com ressalvas as contas, mantendo-se a determinação de recolhimento dos recursos de origem não identificada ao Erário.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas da candidata, mantendo a determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.500,00 ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhor Presidente.