E.Inf. - 425 - Sessão: 24/05/2018 às 16:00

RELATÓRIO

JOSIANE SILVA DE PINHO opôs embargos infringentes em face da decisão deste Tribunal que, por maioria, negou provimento ao recurso interposto nos autos da Ação Penal promovida pelo Ministério Público Eleitoral de Canoas, por abandono aos serviços eleitorais (fls. 266-278v.).

Sustenta (fls. 283-312) o cabimento do recurso de embargos infringentes, por aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, em casos de julgamento não unânime, como ocorreu no caso concreto.

Quanto ao mérito, alega que, diante da existência de sanção administrativa para a mesma hipótese fática, deve ser afastada a norma de caráter penal, devendo o direito penal intervir apenas como ultima ratio.

Requer o conhecimento e provimento dos embargos infringentes para o fim de prevalecer o voto do Relator. Alternativamente, seja o recurso recebido como embargos de declaração, também com efeitos infringentes, vez que respeitado o prazo e ausente erro grosseiro.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Primeiramente, passo ao exame quanto ao cabimento de embargos infringentes no âmbito da Justiça Eleitoral para rediscussão de matéria já decidida por este mesmo órgão colegiado.

Em que pese os seduzentes argumentos da embargante, adianto o meu entendimento no sentido de descabimento do recurso previsto no art. 609 do Código de Processo Penal nesta especializada, bem como de qualquer efeito infringente, razão pela qual deixei de determinar a intimação da Procuradoria Regional Eleitoral, para contrarrazões.

A uma, porque inexiste previsão no Regimento Interno deste Tribunal. A duas, porque ainda que nos termos do art. 364 do Código Eleitoral se aplique, subsidiariamente, o Código de Processo Penal aos processos eleitorais de natureza criminal, essa subsidiariedade está limitada à necessária compatibilidade entre a legislação, os princípios aplicáveis ao processo eleitoral e a estrutura do Tribunal.

É cediço que a finalidade dos embargos infringentes, recurso exclusivo da defesa, é propiciar ao réu nova apreciação do julgado, o que justifica a sua distribuição, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, para turmas (reunião de duas câmaras) e, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para seções (reunião de duas turmas), de acordo com as nomenclaturas utilizadas em cada Corte.

Ou seja, não se trata meramente de uma segunda análise, pelos mesmos julgadores, mas de um julgamento com ampliação ou complementação do quórum, o que se mostra impossível nesta justiça eleitoral, em que a questão já foi decidida pela totalidade dos membros da Corte.

Assim, ao contrário do sustentado pela defesa da embargante, entendo ser da essência dos embargos infringentes a apreciação por uma composição ampliada, em relação ao primeiro julgamento.

Inviável, ainda, a utilização subsidiária dos Regimentos de outras Cortes, nos termos do art. 139 do Regimento Interno desta casa, pelo qual, “Serão aplicados, nos casos omissos, subsidiariamente e pela ordem, os Regimentos Internos do Tribunal Superior Eleitoral, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul”.

Isso porque a ausência de previsão de embargos infringentes no Regimento Interno deste Tribunal não decorre de mera omissão, mas de incompatibilidade desse recurso com as peculiaridades do Direito Eleitoral, como já referido.

Quanto à invocada “exigência constitucional a ser seguida”, não há se falar em prejuízo aos direitos fundamentais da embargante, à qual foram oportunizadas a ampla defesa e o contraditório em todas as fases do processo, cabendo recurso, ainda, a pelo menos mais uma instância, no caso, o Tribunal Superior Eleitoral.

No que toca ao princípio da celeridade, que pelos argumentos da embargante deve ceder lugar aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da ampla defesa e do devido processo legal, tenho por bem tecer duas considerações:

A primeira é que, na seara eleitoral, existem ilícitos cujas penalidades são bem mais gravosas do que a estipulada no caso concreto (15 dias de detenção, em regime aberto, substituída por restritiva de direito), cuja duração máxima do processo, incluindo a tramitação em todas as instâncias, deve ser de um ano, nos termos do art. 97-A da Lei n. 9.504/97, verbis:

Nos termos do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, considera-se duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral.

§ 1ºA duração do processo de que trata o caput abrange a tramitação em todas as instâncias da Justiça Eleitoral.

Ora, no processamento das ações correspondentes, a estrita observação do princípio da celeridade em nada obstaculiza os demais princípios invocados. Ao contrário, essas são ações cujo rito prevê os maiores prazos para manifestação das partes e um maior rigor na forma das citações, intimações e na instrução em geral, sempre primando pela preservação do devido processo legal em todos os seus termos.

A segunda é que o presente processo se arrasta desde o dia 11.12.2012, demora atribuível, em grande parte, justamente à rigorosa observação do devido processo legal, como já referido, tendo inclusive sido nomeado Defensor à embargante, a qual pouco interesse demonstrou no decorrer da instrução processual. Não seria agora, em face desse contexto, que esta Corte iria lhe sonegar a apreciação de um recurso, caso cabível, em nome da celeridade.

Ademais, na Justiça Eleitoral não há previsão legal para interposição de embargos de divergência em nenhuma das matérias (penal ou cível eleitoral), independentemente da gravidade das sanções cabíveis, não se justificando, a meu ver, tratamento distinto ao processo penal.

Logo, com a devida vênia à dedicada defesa da embargante, não conheço dos embargos infringentes.

Todavia, considerando a inocorrência de erro grosseiro, bem ainda a observância do prazo do art. 619 do Código de Processo Penal, contado em dobro, por força do disposto no art. 44, inc. I, da Lei Complementar n. 80/94, recebo o recurso como embargos de declaração.

Na questão do fundo, a embargante aborda dois tópicos, a saber:

a) necessidade de prevalência da sanção administrativa, como decorrência do princípio da intervenção mínima, devendo o duplo apenamento ser absoluta exceção, e desde que haja ressalva quanto à dupla incidência. Sustenta que o abandono nada mais é do que uma desobediência, para a qual os tribunais têm entendido inexistir o delito penal se a mesma conduta estiver sujeita à sanção administrativa;

b) existência de suposta omissão no julgado, requerendo integração do acórdão “quanto à interpretação e aplicabilidade do § 4º do art. 124 do Código Eleitoral, reconhecendo-se o caráter administrativo da infração”.

Pois bem.

Sobre a pretendida aplicação do direito penal como ultima ratio, não se intervindo em situações de ínfima importância, tenho que não é o caso, como restou assentado no voto condutor do acórdão embargado, o qual rememoro (fl. 275 e v.):

Lançadas essas premissas e realizado o devido cotejo jurisprudencial, é de rigor reconhecer que as circunstâncias destes autos revelam maior gravidade, pelo evidente descaso com o serviço eleitoral por parte da eleitora envolvida. Como visto, o crime de abandono pressupõe a ausência de justa causa para a sua configuração. Ao contrário do entendimento do nobre Relator, é justamente a desídia e o pouco caso da eleitora que enaltecem a tipificação da conduta delitiva comissiva, de abandono do serviço eleitoral no decorrer dos trabalhos. A ausência de explicações pela acusada, com efeito, não podem servir como fundamento único para absolvição. Nessa toada, a inviabilidade de esclarecimento acerca das circunstâncias concretas que a levaram ao abandono do serviço público é circunstância que, com maior razão, aponta para o agir ilícito – cujo ônus, de desconstituição, só pode ser atribuída à interessada. A justa causa não pode ser presumida. Ou ela é demonstrada, ou manifesta estará a materialidade do delito. Na espécie, é preciso compreender que a lógica do crime de “abandono” do serviço eleitoral é exatamente o ato de “ir embora e não se justificar”, sem dar satisfação do ocorrido. Nesse sentido, é sintomática a declaração da testemunha ouvida em juízo Carla Gabriel da Rosa, secretária da mesa da seção eleitoral para a qual foi convocada juntamente com a ré, ao afirmar que JOSIANE “nada mencionou a respeito de dificuldade eventual para retornar no período da tarde, tampouco entrou em contato por qualquer meio com os demais componentes da mesa naquela seção” (fl. 154). É dizer, a falta de justa causa é culpa da própria recorrente, na medida em que a ela caberia apresentar, em seu interesse, o motivo justificador. Não tendo sido isso feito, a ausência de justa causa, enquanto critério, persiste. A não ser assim, estaríamos a exigir prova negativa, impossível; estar-se-ia exigindo do Ministério Público Eleitoral, autor da ação, a comprovação de que a eleitora não teve justa causa ao não retornar. O risco de abrirmos um precedente com o juízo de absolvição é diretamente proporcional à preocupação de se assegurar a lisura do processo eleitoral, em especial porque esta Casa sempre primou pela regularidade dos trabalhos no dia do pleito (grifei).

Na mesma linha, a insurgência da embargante em face da distinção demonstrada no voto entre “abandono” e “ausência” ao argumento de que o § 4º do art. 124 trata do abandono em termos administrativos.

Diz que a Corte deve se manifestar sobre a aplicação preferencial da penalidade administrativa em detrimento da penal.

Mais uma vez, o acórdão combatido foi devidamente lançado e apresenta fundamentação com as razões, suficientes, do entendimento preponderante (fls. 273v.-274v.):

Conforme se depreende, estabeleceram-se duas correntes conflitantes entre si.

A primeira sustenta que a previsão de sanção administrativa posta pelo art. 124 afasta a aplicação das penas do art. 344, de forma a prevenir a ocorrência de bis in idem. Esse, o entendimento vencedor no julgado trazido pelo ilustre Relator do presente feito (HC n. 638).

Já a posição defendida pela segunda corrente é a da cumulatividade das duas sanções, fundamentada no entendimento de que as responsabilidades disciplinar, civil e penal são independentes entre si.

Ambas, porém, apresentam, ao meu sentir, vício de origem, porquanto construídas sob o fundamento de que os dois dispositivos regulamentam uma mesma conduta.

Com efeito, da simples leitura dos dispositivos em questão verifica-se que a conduta do art. 124 do Código Eleitoral não se confunde com aquela tipificada como crime pelo art. 344 do mesmo diploma. Com a devida vênia, entendo que são condutas distintas.

Os verbos do tipo penal do art. 124, qual seja, "não comparecer no local, em dia e hora determinados para a realização de eleição (…)", são diversos da ação objeto do art. 344 do CE - recusar/abandonar o serviço eleitoral -, o que revela, de modo cristalino, tratar-se de condutas diversas, às quais o legislador atribuiu valoração igualmente diversa.

A primeira possui caráter omissivo – mesário que, devidamente convocado, não comparece no dia da eleição, constituindo infração de caráter administrativo que sujeita o agente ao pagamento de multa. Já no art. 344 do CE, temos conduta comissiva - recusa ou abandono. O tipo incide sobre a conduta do cidadão que não aceita (recusa), ou, tendo aceitado e iniciado a execução do serviço eleitoral, afasta-se dele ou deixa-o sem completá-lo (abandona).

Na lição de JOEL JOSÉ CÂNDIDO – em Direito Penal e Eleitoral & Processo Penal e Eleitoral, SP – EDIPRO, 1ª Edição, 2006, páginas 376/381:

"O crime do art. 344 do Código Eleitoral está plenamente em vigor, como em vigor estão, ainda, os propósitos que levaram à sua edição (…).

Recusa quem não aceita; abandona quem, tendo aceitado e iniciado a execução do serviço, afasta-se dele, ou deixa-o sem completá-lo, sem justa causa.

(…)

Não-comparecimento do convocado –

(…)

Sustentado por nós, a mais não poder, o convívio pacífico e não excludente de ambas as normas (CE, art. 344 e art. 124), a existência da sanção administrativa para o não-comparecimento não é, para nós, a causa eficiente da não-configuração do crime do art. 344.

O não comparecimento do convocado descaracteriza o crime em tela porque – exclusivamente – esse comportamento do agente não tipifica o “recusar”, nem tampouco o “abandonar”, certo serem estes, somente, os dois verbos núcleos do tipo. “Recusar” é verbo que exige comportamento comissivo, ou seja, a realização de um ato, eminentemente positivo, de confronto, ou de afronta, à convocação, para o que a ausência, pura e simples, não se presta. Ninguém recusa uma ordem tacitamente, pelo silêncio ou pelo desprezo consistente num “calar” ou num “omitir-se”.

A recusa (a ponto de levar o agente à sanção penal) pressupõe uma ostensiva e frontar negativa à prestação do serviço, o que o tão só não-comparecimento do convocado deixa de caracterizar.

No segundo verbo-núcleo - “abandonar”, e, por conseguinte, “o abandono” - o não-comparecimento do convocado deixa ainda mais clara a inocorrência do delito pela simples razão de que só abandona quem, tendo aceitado e iniciado a execução do serviço, afasta-se dele, ou deixa-o sem completá-lo, sem justa causa.

Não será o caso de “abandono”, portanto, à evidência, quando a hipótese fática versar sobre o não-comparecimento do convocado.

Conclusão – Destarte, para nós, o não-comparecimento do agente convocado enseja, por si só, a infração do art. 124, caput, do Código Eleitoral, apenada com a multa ali prevista. Crime teremos, independentemente de eventual imposição da sanção do art. 124, caput, se o comportamento comissivo do agente caracterizar, nos termos do que aqui defendemos, a “recusa” ou o “abandono”, sem justa causa."

No caso vertente, a conduta atribuída à recorrente é aquela tipificada no art. 344 do Código Eleitoral, o que me leva a discordar da interpretação segundo a qual se deveria aplicar, por analogia, nesta especializada, a mesma sistemática observada quanto ao delito de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal – desobedecer ordem legal de funcionário público –, o qual só incide sobre a conduta do agente quando inexistente, para o mesmo agir, previsão de sanção civil ou administrativa, ou expressa ressalva admitindo a cumulação.

Oportuno mencionar, ainda, que, da leitura da ementa do Habeas Corpus n. 638 do Tribunal Superior Eleitoral citado pelo eminente Relator em seu voto, impõe-se concluir que o exemplo não pode ser aplicado ao caso presente como referência jurisprudencial, uma vez que, ali, a hipótese fática é diversa, qual seja, “não comparecimento de mesário”, conduta do art. 124 do CE, portanto.

(Grifos no original.)

Conforme se observa, a distinção feita foi aquela entre o caput do art. 124 e o art. 344 do Código Eleitoral, que tratam claramente das condutas ausência e abandono.

O fato de o legislador ter incluído, no § 4º, uma penalidade administrativa não oferece a possibilidade de o intérprete dar preferência àquela, por ser mais branda. Ao contrário: tanto é mais gravoso o ato do mesário que, uma vez investido nos trabalhos eleitorais, abandona a mesa sem apresentação de qualquer justificativa em relação ao que simplesmente não comparece, oportunizando-se a nomeação tempestiva de um suplente, que o legislador cumulou as penalidades.

As duas normas estão em pleno vigor, não podendo ser afastada, ao alvedrio do julgador, matéria expressamente enfrentada no acórdão embargado, como se vê adiante, não havendo se falar em omissão (fl.  275):

Nessa linha, é de se ver que o art. 344 do Código Eleitoral encontra-se em pleno vigor, cuja negativa de incidência por este Tribunal estaria a exigir declaração da sua inconstitucionalidade, sob pena de afronta ao ordenamento jurídico ou mesmo, consoante ressaltado pelo Parquet eleitoral, sob outro vértice, ao princípio constitucional da separação dos poderes.

De qualquer sorte, mesmo se fosse considerada admissível a tese de fundo da ora embargante por quaisquer dos integrantes do Pleno, trata-se de evidente tentativa de rediscussão da matéria, hipótese que não encontra abrigo nessa espécie recursal.

Nesse sentido a jurisprudência:

Embargos de declaração. Ação de investigação judicial eleitoral. Improcedência. Omissão e contradição. Art. 275, inc. II, do Código Eleitoral. Ausentes os vícios para o manejo dos aclaratórios. Inexistente omissão ou contradição a ser sanada. Decisão devidamente fundamentada, na qual debatidos os pontos trazidos pelo embargante.

Tentativa de rediscussão da matéria já apreciada, o que descabido em sede de embargos. Rejeição.

(TRE-RS – E.Dcl. n. 301-12.2016.6.21.0092 – Relator Des. Carlos Cini Marchionatti – julgado em sessão de 11.5.2017.)

 

Logo, por não vislumbrar razões para o acolhimento pleiteado, a decisão embargada deve ser mantida nos seus exatos termos.

Diante do exposto, recebidos os embargos infringentes como embargos de declaração, voto pelo seu conhecimento e pela sua rejeição.