RE - 55420 - Sessão: 17/07/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por VALDIR JOSÉ RODRIGUES e GILMAR HENKER, candidatos eleitos aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Segredo nas eleições 2016, contra decisão do Juízo da 53ª Zona Eleitoral que julgou procedente a representação ajuizada por JOÃO PAULO KROTH e ALCINEI ADRIANO BUGS, candidatos não eleitos, determinando a cassação dos diplomas dos recorrentes e condenando-os ao pagamento de multa individual no valor de 20.000 UFIR, em razão da prática de captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (fls. 619-630v.).

Em suas razões (fls. 641-678), os recorrentes, inicialmente, requerem o recebimento do apelo no efeito suspensivo. No mérito, afirmam não ter praticado nenhum dos verbos nucleares descritos no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, nem participado de qualquer conduta, ou com ela anuído, que possa caracterizar a infração. Alegam a inexistência de vínculo dos candidatos com Márcio Antônio Bernardi e Marcos Benício Marion – presos em flagrante na véspera da eleição –, sustentando que não os contrataram como seus representantes ou cabos eleitorais nem autorizaram que eles agissem com essa finalidade. Asseveram que as anotações contidas na caderneta apreendida pela Polícia Militar referem-se a apostas sobre quais candidatos venceriam o pleito e que a quantidade de propaganda eleitoral encontrada no veículo é ínfima e não evidencia a ocorrência do ilícito. Aduzem que as testemunhas Rodrigo do Nascimento e Michele da Silva Vargas em nada contribuíram para a demonstração do fato, devendo ser considerados os depoimentos de Márcio Antônio Bernardi e Gilmar Marion, que confirmaram a realização de apostas sobre o resultado da eleição. Argumentam que as ligações e mensagens de texto contidas no telefone celular apreendido não comprovam a prática de captação ilícita de sufrágio e que os interesses pessoais da testemunha Miguel Eduardo Pereira comprometem o seu depoimento. Negam a oferta de estágio com a pretensão de obtenção de votos da eleitora Caroline Tavares de Morais e rebatem o seu depoimento, sustentando ser inverídicas as declarações prestadas. Defendem a ausência de prova robusta para a condenação. Invocam doutrina e jurisprudência e postulam o provimento do recurso para o fim de ser julgada improcedente a representação.

Com contrarrazões (fls. 684-705), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 710-727).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, consigno que, por força do disposto no § 2º do art. 257 do Código Eleitoral, o presente recurso foi recebido pelo Tribunal no duplo efeito.

No mérito, a magistrada a quo condenou os candidatos Valdir José Rodrigues e Gilmar Henker por prática de captação ilícita de sufrágio, vedada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, relativamente aos seguintes fatos aduzidos na inicial: compra dos votos dos eleitores Miguel Eduardo Pereira e Caroline Aparecida Tavares de Morais e participação, na forma de ciência ou anuência, em compra de votos efetuada por Márcio Antônio Bernardi e Marcos Benício Soares Marion.

Passo ao exame das condutas imputadas.

1. Captação ilícita de sufrágio dos eleitores Miguel Eduardo Pereira e Caroline Aparecida Tavares de Morais

Os eleitores Miguel Eduardo Pereira e Caroline Aparecida Tavares de Morais firmaram declarações (fls. 32 e 37) e prestaram depoimento em juízo (mídia na fl. 412), afirmando que os candidatos Valdir José Rodrigues e Gilmar Henker lhes ofereceram vantagens em troca do voto nas eleições 2016.

Miguel Eduardo Pereira, professor, declarou que Márcio Antônio Bernardi, cabo eleitoral dos recorrentes, compareceu à sua residência no dia 30.9.2016, a pedido de Valdir José Rodrigues, dizendo que, em troca de seu voto, Valdir poderia ajudá-lo com uma função de direção ou vice-direção em escola do município (fl. 412).

Caroline Aparecida Tavares de Morais, estagiária, disse que, em 8.9.2016, Valdir José Rodrigues e Gilmar Henker visitaram-na e ofereceram-lhe um estágio remunerado na Secretaria da Educação, desde que garantisse seu voto - e dos sete integrantes de sua família - nos candidatos recorrentes, ocasião em que aceitou a proposta. Afirmou que, a partir de 12.9.2016, passou a trabalhar como atendente de maternal em uma escola municipal (fl. 412).

Ocorre que a única prova dos fatos alegados consiste no depoimento, individual e exclusivo, de cada eleitor supostamente corrompido, não tendo sido produzido, durante a instrução processual, qualquer outro elemento de prova a amparar as declarações de Miguel e Caroline.

Prevalece, nessa hipótese, o disposto no art. 368-A do Código Eleitoral, segundo o qual, “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

Com efeito, a sentença é clara ao fundamentar a condenação com base unicamente no testemunho dos dois eleitores supostamente aliciados:

2) Da compra de votos do eleitor Miguel Eduardo Pereira:

(...)

Ao ser ouvida em juízo, a testemunha Miguel Eduardo Pereira, devidamente compromissada, disse não possuir filiação partidária e que trabalha como professor. Confirmou ter sido o autor da declaração que consta à fl. 37 dos autos. Referiu que no dia 30 de setembro Márcio Bernardi esteve na sua casa, por volta de 21h30min, o que o deixou surpreso, mas mesmo assim o convidou para entrar. Disse que Márcio logo perguntou "o que tu quer para ir com nós? Pra ti votar em nós, no Valdir?" Márcio disse que eles tinham se reunido e decidido ir na casa do depoente e oferecer "algo mais" , um cargo que tivesse interesse, uma função de direção.

(…)

Em que pese a tentativa dos representados em desqualificar o depoimento da testemunha, tenho que não merece acolhida, uma vez que não comprovado nenhum fato que pudesse tirar a credibilidade de suas alegações, não havendo animosidade entre a testemunha e Márcio para justificar que pudesse imputar falsamente o ato praticado pelo cabo eleitoral.

(…)

Importante destacar que, conforme relato da testemunha Miguel, o cabo eleitoral Márcio manifestou expressamente que "estiveram reunidos" e gostariam de oferecer uma função de direção ao eleitor, ou algum cargo que fosse de seu interesse, para que em troca, votasse nos representados, o que comprova que Márcio estava agindo em nome dos candidatos e que esses tinham prévia ciência da proposta que seria feita para o eleitor.

No ponto, repito o exposto no item anterior que, comprovada a existência de forte e íntimo vínculo entre o cabo eleitoral Márcio e os representados durante a campanha eleitoral, demonstrando cabalmente o liame entre o autor da conduta e o candidato beneficiado, configura-se, assim, a prática de captação ilícita de sufrágio, na forma do art. 41-A da Lei 9.504/97, do que os representados devem ser responsabilizados.

Desta forma, suficientemente comprovada a captação ilícita de sufrágio praticada pelos representados, na forma do art. 41-A da Lei 9.504/97.

(...)

3) Da compra de votos da eleitora Caroline Aparecida Tavares de Morais:

(…)

Não obstante as alegações dos requeridos, o relato prestado por Caroline em juízo, de forma compromissada, foi claro no sentido de que o estágio foi oferecido pelos próprios candidatos na forma de compra de votos. Vejamos:

CAROLINE APARECIDA TAVARES DE MORAES, sem filiação partidária, confirmou que é sua a assinatura do documento da fl. 32. Referiu que está estudando para ser professora e sempre buscou emprego junto ao município, mas nunca tinha vaga. Disse que estava desempregada e no dia 09 de setembro, os candidatos Valdir e Gilmar foram até a sua casa e fizeram uma proposta de emprego se a declarante "fosse com eles" , e colocasse adesivo no carro, o que a declarante aceitou, pois precisava do emprego, e logo em seguida, dia 12 de setembro, começou a trabalhar na EMEI, creche de Segredo.

(…)

Nada há nos autos a retirar a credibilidade do depoimento prestado por Caroline, pois não tinha vinculação partidária, em que pese referido que o genitor tinha ligação com o PP, este faleceu em março/2016 e a família não se envolveu mais com política, do que não houve contraprova, ônus que competia aos representados e do qual não se desincumbiram.

(…)

O Ministério Público acrescentou que (fl. 608): “não existem indícios ou fundadas razões para duvidar do depoimento de Caroline, ainda mais considerando que, com o seu relato, a própria testemunha admitiu em Juízo ter praticado crime eleitoral (já que receber vantagem em troca de voto configura crime do art. 299 do Código Eleitoral), o que pode lhe trazer sérias consequências. Logo, não é crível que a testemunha mentiria apenas para prejudicar os representados ou beneficiar os representantes se, com isso, poderia ser responsabilizada penalmente.”

(…)

Desta forma, suficientemente comprovada a conduta praticada pelos próprios representados consistente em oferecer vantagem em troca de voto para a eleitora Caroline, a qual foi beneficiada com uma vaga de estágio remunerado, em troca de seu voto e de sua família, bem como de apoio político durante a campanha.

Como se vê, a prova testemunhal ficou restrita ao depoimento dos eleitores que, em tese, tiveram o seu voto captado na forma do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, o que resulta na impossibilidade da sua aceitação para fins de cassação do diploma, por ser exclusiva e singular, nos termos do art. 368-A do Código Eleitoral.

A título de reforço argumentativo, colaciono recente precedente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, que, ao examinar situação semelhante a que se verifica nos autos, estabeleceu a impossibilidade de cassação de mandato com amparo em declarações de uma única testemunha. Vejamos:

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO, POLÍTICO/AUTORIDADE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

Da gravação colacionada aos autos, não se percebe promessa de asfaltamento de ruas em troca de votos, mas tão somente promessas corriqueiras de campanha, incapazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, conforme entendimento do TSE.

Existência de testemunha única a noticiar a alegada compra de votos. Prova não corroborada por outros elementos. Impossibilidade de cassação de mandato com amparo em declarações de uma única testemunha, conforme art. 368-A, do Código Eleitoral.

Necessidade de prova robusta e inconteste do cometimento dos ilícitos eleitorais. Fragilidade do conjunto probatório.

RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(RECURSO ELEITORAL n. 44520, ACÓRDÃO de 12.4.2018, Relator RICARDO MATOS DE OLIVEIRA, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Tomo 077, Data 03.5.2018.)

Dessa forma, merece reforma a sentença, para o fim de ser julgada improcedente a ação relativamente à captação ilícita de sufrágio dos eleitores Miguel Eduardo Pereira e Caroline Aparecida Tavares de Morais.

2. Participação, na forma de ciência ou anuência, em compra de votos realizada por Márcio Antônio Bernardi e Marcos Benício Soares Marion

A condenação dos candidatos pelo fato envolvendo a participação, na forma de ciência ou anuência, em captação ilícita de sufrágio realizada por terceiros, não candidatos, tem como base as provas colhidas quando da prisão em flagrante de Márcio Antônio Bernardi e Marcos Benício Soares Marion, ocorrida na madrugada do dia 02 de outubro de 2016, véspera da eleição.

Os flagrados estavam em automóvel pertencente a Márcio Antônio Bernardi, motorista do veículo, e foram presos pela Polícia Militar quando se deslocavam pelo bairro central do Município de Segredo (fls. 50-114).

Na ocasião, foram apreendidos dois telefones móveis, uma arma de fogo sem registro, munição, duas cadernetas com anotações descrevendo votos de eleitores relacionados a valores em reais, dinheiro em espécie, extratos bancários e material de campanha dos candidatos a Prefeito e Vice Valdir José Rodrigues e Gilmar Henker e do candidato a Vereador Carlito, conforme auto de apreensão da fl. 66.

A juíza singular fez referência à anotação que consta na fl. 27 dos autos, na qual não há menção a jogo ou aposta, pois grafada expressamente a palavra "VOTO" ao lado de nomes e valores, como por exemplo: "João Marli 3 voto 300"; "200+200 segunda. João Alves 4 voto 400"; "Evandro Marion 100 se ganhar"; "Luis 100 se ganhar"; "Felipe 100 se ganhar". Além disso, na fl. 29 consta a descrição de carnes e ao final "Luis Fernando 2 voto".

Após autorização judicial, a Polícia Federal elaborou relatório que descreve as ligações e mensagens de texto contidas nos telefones apreendidos por ocasião da prisão em flagrante (fl. 115).

Do contexto da prova e do exame dos documentos, entendeu a magistrada que os flagrados estavam realizando captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, com o conhecimento dos candidatos recorrentes. Transcrevo o dispositivo legal:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

O envolvimento de Valdir José Rodrigues e Gilmar Henker teria sido evidenciado pelo registro dos seus números de telefone no aparelho celular pertencente a Márcio Bernardi: Valdir Rodrigues (fl. 373) e Criba (fl. 369), apelido de Gilmar.

A partir do exame das conversas contidas no aparelho e do depoimento prestado por Miguel Eduardo Pereira para comprovar o fato anterior - no qual o eleitor afirmou que Márcio lhe ofereceu um cargo público em troca do voto nos recorrentes -, a juíza a quo concluiu que Márcio “era ativo cabo eleitoral dos representados, entrando em contato seguidamente com VALDIR e GILMAR inclusive para fins de comprar votos”.

A sentença adotou, como razões de decidir, a manifestação ministerial apresentada em sede de alegações finais, merecendo transcrição o seguinte trecho:

Veja-se que na mensagem originária do n. 9585-4957 (Josi mulher do jefe), esta fala para MÁRCIO tentar convencer "ele" da proposta de pagamento pelo voto de "Jefe" . Ele, obviamente, é o representado Valdir, único que poderia pagar ou aceitar a proposta.

Nas mensagens enviadas por "TATO" , este fala para MÁRCIO que alguém iria falar com "alencar" (José Ferron, ex-prefeito, do qual o representado VALDIR RODRIGUES era Vice-Prefeito na gestão 2013-2016). Em outra mensagem, "TATO" fala para MÁRCIO que "tem que falar com o valdir urgente".

Outrossim, em outro diálogo, "NÍTIO" , outro cabo eleitoral dos representados, no dia da eleição, pergunta a MÁRCIO se este estava entregando rancho, porque alguém teria filmado MÁRCIO passando os alimentos para o Pálio, ao passo que Márcio responde: "agora não".

Em outra mensagem, a figura de "Jardel" afirma que tinha que ser MÁRCIO a levar o dinheiro para ele (isso na noite anterior à eleição, dia 01º/10).

Portanto, Excelência, a íntima relação e, inclusive, o contato frequente de MÁRCIO com VALDIR e GILMAR estão comprovadas nos autos.

Daí a se afirmar que quando MÁRCIO afirmou à MIGUEL "nos reunimos", estava obviamente a falar de VALDIR e GILMAR.

A atividade partidária de Márcio, embora negada por ele, foi atestada pelas testemunhas Miguel (fl. 412), Rodrigo (fl. 412) e Michele (fl. 539).

Veja-se que os diálogos são claros no sentido da atividade de cabo eleitoral praticada por Márcio, sendo que o relatório de chamadas realizadas e recebidas de fls. 374/376 demonstra considerável quantidade de ligações nos dias 01 e 02 de outubro/2016, véspera do pleito eleitoral, e do conteúdo das mensagens verifica-se que Márcio efetuou entrega de ranchos, bem como de valores, em troca de votos pelo 15, partido dos representados.

Ao ser ouvido em juízo, para fins de justificar as mensagens, Márcio afirmou que às vezes auxilia as pessoas que lhe pedem favor para transportar ranchos, mas sem cunho eleitoral, não sabendo explicar o pedido realizado por volta de meia-noite no domingo, dia das eleições. Referiu que "acha que as mensagens foram remetidas para ele por engano, tanto que nem as respondeu".

No entanto, nenhuma prova nesse sentido foi produzida pelos representados, ônus que lhes incumbia, e que poderia dar amparo à tese apresentada por Márcio.

Pelo contrário, a análise do contexto de todos os fatos acima referidos é no sentido de que, efetivamente, Márcio teve participação ativa na campanha eleitoral dos representados, atuando como cabo eleitoral e, nessa função, praticou atos de captação ilícita de sufrágio. (Grifei.)

Com muito respeito ao entendimento da magistrada sentenciante, considero que é por demais frágil e insegura a dedução de que, na mensagem enviada a Márcio por pessoa de nome Josi, aparentemente esposa de Jefe, pedindo para “tentar convencer ele” sobre a proposta de pagamento em troca do voto de “Jefe”, o pronome “ele” fazia referência a qualquer dos candidatos recorrentes. O casal de eleitores envolvidos sequer foi ouvido em juízo e nenhuma outra prova foi produzida para comprovar essa conclusão.

De igual modo, tenho que a mensagem enviada pelo contato de nome “TATO”, na qual menciona que Márcio “tem que falar com o valdir urgente”, não confere certeza sobre a anuência ou ciência dos candidatos em suposta captação ilícita de sufrágio praticada por Márcio.

A meu ver, tais indícios são insuficientes para se alcançar a conclusão de que haveria uma íntima relação e um contato frequente de Márcio com os candidatos Valdir e Gilmar envolvendo captação ilícita de sufrágio.

Ademais, conforme já referido anteriormente, não merece ser considerado para fins de condenação, porque isolado nos autos, o depoimento prestado por Miguel Eduardo Pereira no sentido de que Márcio lhe teria oferecido, por ordem do candidato Valdir José Rodrigues, um cargo público em troca do voto.

Quanto à prova oral, o policial militar que participou da operação, Rodrigo do Nascimento, foi ouvido como testemunha e declarou que, na agenda com anotações relacionadas à eleição, estava escrito, por exemplo: “João, 4 votos, R$ 400,00”, “Pedro, 4 votos, R$ 200,00 + R$ 200,00 na segunda”, “José + R$100,00 se ganhar”, “fulano de tal + R$100,00 se ganhar”, “Luis, 3 votos, R$ 300,00”; e,  também, informações de carne, como por exemplo “Pedro 7 kgs de carne”. Referiu que, na condição de policial militar, acompanhou todos os atos políticos no município, e que Márcio Antônio Bernardi e Marcos Benício Soares Marion eram cabos eleitorais assíduos do PMDB e estavam sempre presentes em todos os atos do partido, tais como nos comícios. Afirmou, também, ser comum a realização de apostas no município no sentido de quem ganharia as eleições (fl. 412).

Michele da Silva, Capitã da Polícia Militar, também prestou depoimento, dizendo que os dois rapazes foram presos em flagrante com arma, material eleitoral do partido 15, um recibo de depósito que tinha relação com algum posto de combustível, e um caderno com anotações que mencionava a quantidade de votos e o valor correspondente, o que chamou muito a atenção da polícia, e que, por ocasião da prisão, os indivíduos flagrados afirmaram que estavam fazendo campanha para o partido político e que eram cabos eleitorais (fl. 539).

Em juízo, Márcio Antônio Bernardi, proprietário e condutor do automóvel, afirmou não ter filiação partidária e negou ter trabalhado como cabo eleitoral durante as eleições, referindo que ganhou, durante a campanha, o material encontrado em seu veículo. Confirmou que o caderno de anotações era seu, justificando ter sido um dos organizadores que coletavam apostas relacionadas ao resultado final da eleição ou ao número de votos por seção de votação. Explicou que os valores entregues pelos apostadores eram depositados nas contas bancárias pertencentes a Jair Rodrigues e Elisandra Demichei, que as emprestavam para posterior repasse dos valores aos vencedores. Essa circunstância justificaria os comprovantes de depósito localizados no automóvel, nas quantias de R$ 10.000,00 para a conta de Jair Rodrigues e de R$ 5.000,00 para a conta de Elisandra Demichei. Márcio declarou ter realizado várias apostas junto com Elisandra Demichei, Sadi de Oliveira e outras pessoas, as quais foram pagas após o pleito. Disse, também, que às vezes auxilia algumas pessoas no transporte de ranchos de alimentação, mas sem cunho eleitoral, e que as mensagens de texto enviadas para o seu telefone, tratando da entrega de ranchos, devem ter sido remetidas por engano, razão pela qual não as respondeu.

Ouvidos na audiência de instrução, na condição de informantes, Jair Rodrigues e Gilmar Marion confirmaram que, durante a campanha, eram realizadas apostas vinculadas ao resultado da eleição (fl. 412).

Jair Rodrigues reconheceu ter emprestado sua conta bancária para a realização de apostas relacionadas ao pleito, mas negou-se a dizer para quem entregou o dinheiro correspondente à premiação, no valor de R$ 10.000,00 (fl. 30).

Nada obstante tenha a julgadora singular concluído que os depoimentos dos informantes não são suficientes para infirmar a conclusão de que o conteúdo das anotações constantes nas cadernetas apreendidas com Márcio referiam-se à compra de votos, entendo que as provas coligidas não apresentam a força necessária para conduzir à cassação dos candidatos e à consequente realização de nova eleição municipal em Segredo.

Em igual sentido, as declarações prestadas pelos policiais militares Rodrigo (fl. 412) e Michele (fl. 539), no sentido de que Márcio comparecia aos comícios de campanha realizados pelo PMDB, partido dos candidatos, não bastam para comprovar a participação dos recorrentes nas infrações supostamente cometidas por Márcio .

Da coleta das declarações de Márcio, a juíza a quo destacou que seu envolvimento político restou demonstrado pelo fato de sua esposa, que exerce a função de diretora de creche municipal, e de Marcos Benício Marion, que o acompanhava e também foi preso em flagrante, serem parentes do Vereador Luis Carlos, eleito pelo PMDB. Além disso, apontou que Marcos Benício Marion exercia o cargo de Dirigente de Núcleo de Atendimento ao Agricultor durante a administração do PMDB no município.

Apesar do raciocínio exposto na sentença, entendo que tais circunstâncias também não evidenciam a participação dos candidatos em eventuais infrações eleitorais praticadas por Márcio e Marcos, mormente porque não demonstrado de que forma contribuiriam para reforçar a responsabilidade dos candidatos no fato apurado.

Ademais, a referência individual, existente em mensagem de texto, sobre suposta entrega de ranchos efetuada por Márcio não se afigura suficiente para considerar-se comprovada a prática - ou o benefício advindo - de captação ilícita de sufrágio pelos candidatos por meio da doação de alimentos.

Nesse ponto, discordo da conclusão sentencial de que cabia a Márcio comprovar não ter realizado a infração, justificando o recebimento da mensagem, a qual sequer faz referência à contrapartida pelo voto. Ora, cediço que o ônus da acusação cabe a quem alega e, no caso concreto, os autores não lograram demonstrar as práticas ilícitas imputadas aos candidatos e, muito menos, o especial fim de agir consistente no condicionamento da entrega da vantagem ao voto do eleitor.

Ausente a prova robusta e incontroversa da prática de captação ilícita de sufrágio, é inadmissível a condenação com base em meras presunções quanto ao encadeamento dos fatos e ao proveito eleitoreiro, em afronta à soberania popular.

Colaciono, com idêntico raciocínio, os seguintes precedentes do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FRAGILIDADE DAS PROVAS. RECURSO DESPROVIDO.

1. Não se caracteriza a ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral se a matéria sobre a qual se alegou omissão fora amplamente debatida no acórdão. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, "a resolução judicial do conflito, não obstante contrária ao interesse de quem a postula, não se equipara, nem se identifica, para efeito de acesso à via recursal extraordinária, com a ausência de prestação jurisdicional" (AI nº 179.378 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 29.4.2003).

2. O art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 tutela justamente a livre vontade do eleitor, combatendo, com a razoável duração do processo, as condutas ofensivas ao direito fundamental ao voto. Exigem-se, pois, provas seguras que indiquem todos os elementos previstos naquela norma (doar, oferecer, prometer ou entregar alguma benesse, com a finalidade de obter o voto de eleitor individualizado; e a participação ou a anuência do candidato), sendo que a ausência de qualquer deles deve, obrigatoriamente, levar à improcedência do pedido.

3. As premissas que fundamentaram o voto condutor do acórdão regional revelam a fragilidade do conjunto probatório dos autos. Inviável o novo enquadramento jurídico dos fatos.

4. Decisão agravada mantida por seus fundamentos. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 186684, Acórdão, Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 24, Data 02.02.2017, Página 394-395.)

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. REVOLVIMENTO. FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. A aplicação das sanções previstas no art. 41-A da Lei das Eleições exige prova robusta de que o candidato participou de forma direta com a promessa ou a entrega de bem em troca do voto ou, de forma indireta, com ela anuiu ou contribuiu, não bastando meros indícios e presunções. Precedente.

2. As declarações prestadas pelo corréu só poderiam constituir elemento de convicção se respaldadas por outras provas, o que não ocorreu na espécie.

3. Se a Corte Regional, soberana na análise do acervo fático-probatório dos autos, assentou a ausência de comprovação dos ilícitos investigados, dada a fragilidade das provas coligidas, a modificação desta esbarraria no óbice das Súmulas nos 7/STJ e 279/STF.

4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 38578, Acórdão, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 19.8.2016, Página 124.)

Dessa forma, à míngua de outros elementos de prova, considero que a sentença recorrida merece ser reformada, pois a participação dos candidatos supostamente beneficiados com o ato ilícito não deve ser presumida. Sua anuência deve estar seguramente demonstrada em evidências robustas, o que não é o caso dos autos.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso para o fim de reformar a sentença e julgar improcedente a ação, afastando as condenações impostas.