E.Dcl. - 9898 - Sessão: 21/06/2018 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração, com pedido de atribuição de efeitos infringentes, opostos pela UNIÃO, na figura da ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, em face do acórdão (fls. 480-486v.) que, por unanimidade, deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão que rejeitou liminarmente a impugnação contra o cumprimento de sentença apresentada pela GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., determinando a baixa dos autos à origem para abertura de prazo para a juntada do demonstrativo discriminado e atualizado do débito considerado como correto e para o processamento da impugnação após o cumprimento da decisão.

Em suas razões, invoca o art. 492 do CPC/15 e afirma que o julgamento foi ultra petita por ter ido além do pedido realizado, uma vez que a agravante não requereu prazo para apresentação da memória de cálculo, limitando-se a sustentar que os valores apresentados na impugnação poderiam ser alcançados por simples cálculo aritmético. Além disso, alega que o julgado foi contraditório, seja porque na decisão agravada o juízo a quo enfrentou o mérito da impugnação, concluindo pela sua rejeição liminar, seja porque o acórdão embargado definiu que o termo final das astreintes é o do fornecimento dos dados do responsável pela publicação da propaganda, dia 09.9.2014, por ser a data do cumprimento integral da ordem judicial. Assevera também a existência de omissão, argumentando que o aresto afastou a vigência do art. 525, § 5º, e art. 537, § 1º, ambos do CPC/15, impondo a ambos uma interpretação divergente à sua redação, contrariamente ao estabelecido no art. 97 da Constituição Federal e na Súmula Vinculante do STF n. 10. Aponta, ainda, a existência de omissão, referindo que a decisão não enfrentou todas as circunstâncias jurídicas que se relacionam ao caso, nem se manifestou em relação à razoabilidade e à proporcionalidade do valor fixado a título de astreintes e à alegação de ausência de fins confiscatórios. Requer a manifestação do Tribunal sobre a constitucionalidade dos dispositivos legais considerados violados, o prequestionamento e a atribuição de efeitos modificativos à decisão embargada (fls. 491-497).

Em contrarrazões, a GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. pleiteia o não conhecimento dos embargos declaratórios com fundamento no art. 1.026, § 2º, do CPC/15, ante a inexistência dos vícios apontados e a manifesta finalidade de rediscussão do acórdão embargado. Assevera que o julgamento não foi extra petita porque a prestação jurisdicional se inseriu como desdobramento processual da pretensão e da causa de pedir expostas no recurso de agravo. Defende a ausência das contradições alegadas pela embargante, referindo que o julgado concluiu pela existência de nulidade na decisão do juízo a quo, uma vez não ter sido oportunizado o contraditório antes da rejeição liminar da impugnação. Acrescenta que a decisão agravada não se manifestou sobre o principal pedido contido na impugnação, consistente na revogação integral das astreintes, o qual não se coaduna com a rejeição liminar por ausência de memória de cálculo, invocando o princípio da cooperação processual, e os arts. 6º, 9º e 10, todos do CPC/15, e o art. 5º, inc. LV c/c § 1º, da Constituição Federal. Aponta que o acórdão não procedeu a qualquer declaração de inconstitucionalidade incidental, apenas apresentando os fundamentos da interpretação judicial aplicada aos dispositivos legais suscitados pelas partes. Com a petição, junta parecer jurídico e requer a rejeição dos embargos de declaração (fls. 510-517).

É o relatório.

 

VOTO

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

1. Da ausência de julgamento ultra ou extra petita

A União alega que a decisão foi ultra petita por ter ido além do pedido realizado pela agravante, que não requereu prazo para apresentação da memória de cálculo.

Já a Google Brasil Internet LTDA. assevera que o julgamento não foi extra petita porque a prestação jurisdicional se inseriu como desdobramento processual da pretensão e da causa de pedir expostas no recurso de agravo.

Por ultra petita, entende-se a decisão que vai além do pedido, concedendo ao autor mais do que ele pleiteou. Já a sentença extra petita pode ser definida como a sentença que julga algo diferente daquilo que foi pedido, analisando questão diversa da que foi pleiteada, sendo estranha, inclusive à causa de pedir (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 820).

Na hipótese dos autos, o vício apontado não se verifica, pois o acórdão analisou a questão da necessidade de intimação da parte impugnante em caso de ausência de juntada do demonstrativo discriminado e atualizado do débito considerado como correto à luz do princípio da cooperação ou colaboração entre as partes do processo judicial. Transcrevo o excerto do julgado (fls. 482v.-483):

Ademais, a ausência de apresentação da memória de cálculo prejudica a observância do contraditório na fase executiva, além de ofender o princípio da cooperação entre as partes do processo judicial, máxima positivada nos arts. 6°, 9° e 10 do NCPC.

Todavia, e justamente com fundamento no referido princípio, filio-me ao entendimento de que a douta magistrada a quo deveria ter intimado a impugnante para sanar o vício.

Essa questão foi enfrentada pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) em 2015, quando da aprovação de enunciados sobre a aplicação do CPC de 2015, ocasião em que se decidiu pela inaplicabilidade do referido princípio “às hipóteses de rejeição liminar a que se referem os arts. 525, § 5º, 535, § 2º e 917 do CPC/15” (<https://www.enfam.jus.br/2015/09/enfam-divulga-62-enunciados-sobre-a-aplicacao-do-novo-cpc/> Acesso em 14 mar. 2018).

Todavia, em 2017, o Conselho da Justiça Federal (CJF) também aprovou uma série de enunciados interpretativos sobre o Novo CPC, estabelecendo que “O juiz, antes de rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 5º, do CPC), deve intimar o impugnante para sanar eventual vício, em observância ao dever processual de cooperação (art. 6º do CPC)”(<http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2017/agosto/i-jornada-de-direito-processual-civil-aprova-107-enunciados-sobre-o-tema.> Acesso em 14 mar. 2018).

No caso concreto, importa ter presente que o Código de Processo Civil de 2015 consagrou expressamente o modelo cooperativo de processo e o princípio da primazia da decisão de mérito, razão pela qual tomo por imprescindível que a juíza singular fixasse prazo para a impugnante apresentar a memória de cálculo dos valores apresentados como corretos, somente rejeitando a impugnação liminarmente em caso de inércia no cumprimento da decisão. (Grifei.)

Segundo Fredie Didier Jr., os princípios do devido processo legal, da boa-fé processual e do contraditório são a base do princípio da cooperação (O princípio da cooperação: uma apresentação. Revista de Processo. São Paulo, n. 127, p. 75-79, set. 2005).

Além disso, a cooperação pode ser conceituada como o dever de todos os sujeitos processuais de adotar condutas de acordo com a boa-fé e a lealdade, cooperando com maior eficiência e transparência do procedimento (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009).

Conforme ensina Ravi Peixoto, o princípio da cooperação:

[...] advém de uma releitura do princípio do contraditório, a partir da constitucionalização do processo, retirando o magistrado, na condução do processo, de uma posição assimétrica em relação às partes para equipará-los, devendo haver um diálogo, uma comunidade de trabalho entre as partes e o magistrado para a obtenção de uma decisão adequada e mais condizente com uma democracia participativa. (O princípio da cooperação e a construção de um sistema comunicativo das nulidades sob a ótica da teoria do fato jurídico processual. Revista de Direito Privado. Vol. 60/2014, p. 99 – 125, 2014).

No caso dos autos, considerando o efeito devolutivo em profundidade, que é ínsito aos recursos, o acórdão concluiu que a decisão agravada violou o princípio da cooperação ao rejeitar liminarmente a impugnação ao cumprimento de sentença sem antes assinar prazo para que a parte pudesse sanar o vício referente à ausência de memória de cálculo.

A rejeição liminar da impugnação por ausência de apresentação do cálculo contábil é, justamente, um dos fatos e dos fundamentos jurídicos que foram sustentados nas razões de agravo de instrumento como causa de pedir para amparar o requerimento de reforma da decisão agravada, sendo indevido o entendimento de que a questão não poderia ser enfrentada porque não foi objeto de pedido recursal.

O efeito translativo possibilita ao órgão destinatário do recurso não se ater apenas ao pedido de nova decisão, permitindo-lhe apreciar e julgar fora das razões ou contrarrazões suscitadas pelas partes, como questões de ordem pública, não consistindo este ato em julgamento extra, ultra ou citra petita (NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais – Teoria Geral Dos recursos. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 411).

De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são normas de ordem pública as constitucionais, as processuais, as administrativas, as penais, as de organização judiciária, as fiscais, as de polícia, as que protegem os incapazes, as que tratam de organização de família, as que estabelecem condições e formalidades para certos atos e as de organização econômica (VINCENZI, Brunela Vieira de. MACHADO, César Rossi. A complexidade da Ordem Pública entre outras culturas. Revista Eletrônica Consultor Jurídico, São Paulo, 11 jun. 2009. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2009-jun-11/conceito-ordem-publica-complexo-situacoes-culturais-distintas>. Acesso em 15.5.2018).

Para se garantir a ordem pública processual, é necessária a correta identificação e aplicação das normas processuais, bem como do exercício do controle da regularidade processual por todos os sujeitos processuais e, em especial, pelo juiz, de modo adequado e tempestivo, visando resolver concreta e proporcionalmente os eventuais defeitos e suas consequências, a fim de que a prestação da tutela jurisdicional seja legítima.

E, nessa linha, o reconhecimento de inobservância do princípio da cooperação, por ser matéria de ordem pública, é questão passível de conhecimento de ofício.

Dessa forma, verifica-se que a decisão embargada apenas adequou a situação fática aos termos legais, de acordo com a máxima jurídica da mihi factum dabo tibi jus (“dá-me os fatos que te darei o direito”).

Não se constata, por conseguinte, a ocorrência de julgamento extra ou ultra petita.

2. Da inexistência de contradição e de omissão no exame das circunstâncias jurídicas relacionadas ao feito

A embargante afirma a existência de contradição no aresto, apontando que a decisão agravada tratou do mérito da impugnação e que o acórdão embargado fixou o termo final das astreintes. Além disso, assevera que o acórdão foi omisso ao deixar de examinar todas as circunstâncias jurídicas relacionadas no feito.

Em primeiro lugar, é preciso ter presente que o acórdão embargado não analisou a matéria de fato deduzida na impugnação ao cumprimento de sentença e na petição de agravo de instrumento justamente porque verificou a necessidade de correção de um vício processual, consistente na falta de aplicação do princípio da cooperação judicial, concluindo pela baixa dos autos à origem para realização da intimação da parte impugnante.

Como consequência dessa conclusão, o julgamento do mérito recursal restou prejudicado.

Por essas razões, é equivocada a afirmação de que o Tribunal estabeleceu a data de encerramento da cominação de astreintes e foi omisso quanto às demais questões suscitadas pelas partes.

O julgado tão somente fez referência ao conteúdo da decisão agravada, esclarecendo que “a juíza a quo consignou o entendimento de que o dever de pagamento das astreintes permanece até o dia do fornecimento dos dados do responsável pela publicação da propaganda, 9.9.2014, por ser a data de cumprimento integral da ordem judicial”.

Para bem esclarecer a questão, colaciono o excerto da decisão agravada em que o juízo de origem faz esse apontamento:

Em relação ao termo final, acolho a manifestação da impugnada, no sentido de considerar como data de cumprimento da obrigação, o dia que foi juntado aos autos os dados relativos ao responsável pela inserção do vídeo na plataforma YouTube (09/09/2014), vez que, neste momento, ocorreu a satisfação integral da decisão.

De igual modo, não se verifica, na hipótese em tela, o enfrentamento de todas as questões de mérito sustentadas na impugnação, dado que esta circunstância não se coaduna com a hipótese de rejeição liminar utilizada pela magistrada singular.

Dessa forma, não se verifica a alegada contradição e omissão no decisum

3. Da ausência de omissão decorrente da interpretação conferida ao art. 525, § 5º, e art. 537, § 1º, ambos do CPC/15

Nas razões de embargos, a União sustenta que o acórdão, não obstante tenha aplicado as disposições do CPC/15, afastou a vigência do art. 525, § 5º e do art. 537, § 1º, afrontando a cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal, bem como a Súmula Vinculante n. 10 do STF, incorrendo em omissão.

Sem razão à embargante.

A decisão expressamente considerou a vigência dos dispositivos referenciados, conferindo-lhes adequada interpretação, não só para harmonizá-los ao ordenamento jurídico, mas, notadamente, para permitir a sua incidência no caso concreto.

Reitero, por oportuno, que a nova codificação processual estabelece como diretriz para aplicação de seus preceitos a observância do princípio da cooperação (art. 6º) e do contraditório (art. 9º), excepcionando, no último caso, de forma taxativa, as hipóteses em que é permitida a sua incidência de forma mitigada, dentre as quais não se inserem os dispositivos mencionados pela embargante.

Ressalta-se que a interpretação conferida às disposições normativas não afronta a Constituição Federal, uma vez que não foi declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos, tampouco negada a sua vigência. Ao contrário disso, pondero que o posicionamento adotado confere máxima efetividade ao direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa, positivados no art. 5º, inc. LV, do texto constitucional.

Por elucidativo, destaco os referidos trechos do acórdão embargado (fls. 482v.-484):

[...]

Inicialmente, quanto à ausência de memória de cálculo, mediante leitura conjunta dos §§ 4º e 5º do artigo 525 do Código de Processo Civil, verifica-se que a impugnação ao cumprimento de sentença será liminarmente rejeitada quando não for apontado o valor correto ou não apresentado o demonstrativo discriminado e atualizado do débito, o que não ocorreu na espécie.

Não há como desconsiderar ser reprovável a conduta da agravante em não atender o referido comando legal, seja pela literalidade do dispositivo e facilidade de seu cumprimento, seja pelos altos valores envolvidos no feito.

Entendo ser desarrazoada a alegação de que as importâncias apresentadas corretas são verificáveis por meio de meros cálculos aritméticos, seja porque a agravante apresentou três valores, em ordem sucessiva (R$ 30.000,00, R$ 675.000,00 e R$ 2.745.000,00), seja porque há necessidade de atualização do débito.

Ademais, a ausência de apresentação da memória de cálculo prejudica a observância do contraditório na fase executiva, além de ofender o princípio da cooperação entre as partes do processo judicial, máxima positivada nos arts. 6o, 9o e 10 do NCPC.

Todavia, e justamente com fundamento no referido princípio, filio-me ao entendimento de que a douta magistrada a quo deveria ter intimado a impugnante para sanar o vício.

[…]

Nesse ponto de vista, não parece ser adequada a interpretação literal do § 1º do art. 537, no sentido de que o dispositivo tutelaria apenas a multa vincenda, excluindo do seu âmbito a multa vencida. O raciocínio contrariaria robusta jurisprudência firmada nos tribunais superiores, inclusive em recursos repetitivos, conforme inúmeros julgados trazidos à colação pela agravante. Cito, ainda, o seguinte precedente do STJ, prolatado sob a égide do Novo CPC:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. ORDEM JUDICIAL DETERMINANDO QUE A RÉ RETIRE GRAVAMES DE VEÍCULO NO DETRAN, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. PARÂMETROS DE FIXAÇÃO.

(...)

2. No tocante especificamente ao balizamento de seus valores, são dois os principais vetores de ponderação: a) efetividade da tutela prestada, para cuja realização as astreintes devem ser suficientemente persuasivas; e b) vedação ao enriquecimento sem causa do beneficiário, porquanto a multa não é, em si, um bem jurídico perseguido em juízo.

3. O arbitramento da multa coercitiva e a definição de sua exigibilidade, bem como eventuais alterações do seu valor e/ou periodicidade, exige do magistrado, sempre dependendo das circunstâncias do caso concreto, ter como norte alguns parâmetros: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e de resistência do devedor; iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss).

4. É dever do magistrado utilizar o meio menos gravoso e mais eficiente para se alcançar a tutela almejada, notadamente verificando medidas de apoio que tragam menor onerosidade aos litigantes. Após a imposição da multa (ou sua majoração), constatando-se que o apenamento não logrou êxito em compelir o devedor para realização da prestação devida, ou, ainda, sabendo que se tornou jurídica ou materialmente inviável a conduta, deverá suspender a exigibilidade da medida e buscar outros meios para alcançar o resultado específico equivalente.

5. No tocante ao credor, em razão da boa-fé objetiva (NCPC, arts. 5° e 6°) e do corolário da vedação ao abuso do direito, deve ele tentar mitigar a sua própria perda, não podendo se manter simplesmente inerte em razão do descaso do devedor, tendo dever de cooperação com o juízo e com a outra parte, seja indicando outros meios de adimplemento, seja não dificultando a prestação do devedor, impedindo o crescimento exorbitante da multa, sob pena de perder sua posição de vantagem em decorrência da supressio. Nesse sentido, Enunciado n° 169 das Jornadas de Direito Civil do CJF.

6. Na hipótese, o importe de R$ 408.335,96 a título de astreintes, foge muito da razoabilidade, tendo em conta o valor da obrigação principal (aproximadamente R$ 110.000,00). Levando-se em consideração, ainda, a recalcitrância do devedor e, por outro lado, a possibilidade de o credor ter mitigado o seu prejuízo, assim como poderia o próprio juízo ter adotado outros meios suficientes para o cumprimento da obrigação, é razoável a redução da multa coercitiva para o montante final de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

7. Recurso especial parcialmente provido.

(AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016) - Grifei.

De igual modo, ao analisar o § 1º do art. 537 do CPC, o jurista Daniel Amorim Assumpção Neves ensina que, em princípio, o dispositivo vedaria a redução do valor das astreintes vencidas, mas que essa redação não foi aprovada pelo Senado Federal no texto final do Novo CPC:

O § 1° prevê que o juiz, de ofício ou a requerimento, pode modificar o valor e a periodicidade da multa, regra já existente no art. 461, § 6º, do CPC/73, quando a multa se tornar insuficiente ou excessiva ou quando o obrigado demonstrar o cumprimento parcial da obrigação ou justa causa para o seu descumprimento.

(…)

Nesse tocante havia uma significativa novidade no projeto de lei aprovado na Câmara que foi retirada do Novo CPC pelo Senado. Havia previsão expressa no sentido de que a mudança do valor da multa só se aplicaria para o futuro. Primeiro, porque o dispositivo falava em “multa vincenda” e depois porque afirmava expressamente que a mudança não teria “eficácia retroativa”. Como se pode notar no projeto de lei aprovado na Câmara, o valor consolidado das astreintes não poderia ser reduzido pelo juiz, em entendimento que contraria a posição majoritária da jurisprudência. O projeto de lei aprovado na Câmara consagrava o que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça chamou de “indústria das astreintes”, quando o exequente abdica da satisfação do seu direito para manter a aplicação da multa durante longo espaço de tempo. A retirada da expressão “sem eficácia retroativa” do texto final do art. 537, § 1°, do Novo CPC continua a permitir a redução do valor consolidado da multa. 

(Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015, 2ª ed., RJ, Forense, SP: Método, 2015, p. 347/348).

Conforme se vê, é perfeitamente possível à digna magistrada modificar o valor de astreintes vencidas.

Logo, não há omissão alguma a ser sanada.

4. Da inocorrência de omissão quanto à razoabilidade e à proporcionalidade do valor fixado a título de astreintes e à alegação de ausência de fins confiscatórios

Por fim, a embargante argumenta que o acórdão foi omisso ao não se manifestar a respeito da razoabilidade e da proporcionalidade do valor fixado para as astreintes, bem como em relação à ausência de fins confiscatórios na determinação.

Não prospera, contudo, a alegação.

Constou expressamente da decisão o não enfrentamento da matéria fática concernente à quantia executada, seja em razão da necessidade de correção do vício processual, relativo à falta de aplicação do princípio da cooperação judicial, seja em decorrência da ausência de apresentação do cálculo atualizado.

Cumpre colacionar, novamente, as razões de decidir (fl. 484v.):

Além disso, a presente decisão não enfrenta o mérito da impugnação em virtude da falta de juntada do cálculo atualizado da importância considerada devida, e o precedente invocado não se amolda à hipótese dos autos.

Assim, nada há a aclarar no particular.

Destarte, os embargos devem ser acolhidos em parte apenas para complementar as razões de decidir no sentido de que o reconhecimento da inobservância do princípio da cooperação, por ser matéria de ordem pública, é questão passível de conhecimento de ofício, em nada interferindo no resultado do julgamento do acórdão embargado, ou seja, sem a atribuição de efeitos modificativos.

Quanto ao pedido de prequestionamento, conforme o art. 1.025 do CPC, “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento apenas para integrar às razões de decidir que o reconhecimento da inobservância do princípio da cooperação, por ser matéria de ordem pública, é questão passível de conhecimento de ofício, em nada interferindo no resultado do julgamento do acórdão embargado.