RE - 2507 - Sessão: 22/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de Caxias do Sul, FLÁVIO GUIDO CASSINA e GILBERTO MELETTI contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, determinando o recolhimento de R$ 23.785,00 ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de seis meses (fls. 354-364).

Em sua irresignação (fls. 369-383), os recorrentes sustentam que a Lei n. 13.488/17, ao permitir as doações partidárias de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiadas à grei, deve ser aplicada ao caso concreto, por força do princípio da retroatividade mais benigna. Alega que a expressão “autoridade”, presente no art. 12, inc. IV, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15, é inconstitucional. Afirma que a Lei n. 9.504/97 permite que “autoridades públicas” realizem doações a partidos e candidatos no período eleitoral, sendo incongruente que haja vedação ao recebimento desses mesmos recursos fora das campanhas eleitorais. Ressalta que, após auferidas, as remunerações dos doadores ostentam natureza privada e muitos desses contam com mais de uma fonte de rendimentos, além das funções públicas. Assevera que os doadores que ocupam o cargo de “coordenador” exercem, na verdade, função de assessoramento das ações governamentais, não podendo ser considerados fontes vedadas. Aduz que o contribuinte Carlos Giovani Fontana passou a exercer o cargo de Secretário Municipal apenas em 02.02.2017, devendo ser considerada lícita a doação realizada em data pretérita. Ao final, requer a aprovação das contas ou, subsidiariamente, a avaliação dos casos específicos trazidos no recurso e que a atualização dos valores seja determinada a contar do trânsito em julgado da decisão.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 397-403v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 07.12.2017 (fl. 365), e o recurso foi interposto no dia 11 do mesmo mês (fl. 369), respeitando o prazo de 3 dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

 

Do mérito

No mérito, as contas da agremiação foram desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, consistentes em doações provenientes de ocupantes de cargos de chefia e direção demissíveis ad nutum na Administração Direta e Indireta, conforme relação constante nas fls. 287-288, totalizando R$ 23.785,00 advindos das fontes vedadas de recursos.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação primitiva, vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38

No conceito de autoridade pública previsto no dispositivo referido inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, p. 172.)

(Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

 

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

 

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…]

(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

A vedação, decorrente do entendimento firmado pela Corte Superior na aludida consulta, vem sendo confirmada pelos Tribunais, como se verifica pela seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/07 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. Federal ELAINE HARZHEIM MACEDO, 25.4.2013.)

Tal entendimento foi, inclusive, solidificado na Resolução TSE n. 23.464/15, cujas disposições de direito material disciplinam o exercício financeiro de 2016, analisado nestes autos:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

IV - autoridades públicas.

[…].

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

 

Da constitucionalidade do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95

O recorrente suscita a preliminar de inconstitucionalidade do termo “autoridade” posto no art. 12, inc. IV, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

O preceito questionado tão somente regulamenta idêntico termo positivado no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, não havendo usurpação de competência legislativa na edição da norma.

Ademais, conforme destacado nas razões de apelo, tramita no e. STF a ADin n. 5.494-DF, ajuizada pelo Partido da República - PR, em face da expressão “autoridade”, contida no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. O acompanhamento processual do feito revela que, dada a relevância da matéria suscitada, o relator Ministro Luiz Fux entendeu por submeter o pedido de medida cautelar diretamente ao Tribunal, visando ao julgamento definitivo da matéria, para o qual ainda não há sessão aprazada.

Vê-se, portanto, que não há decisão cautelar em controle objetivo de constitucionalidade ou outra espécie de pronunciamento vinculante da Corte Suprema sobre o tema. Desse modo, a norma, editada nas linhas do devido processo legislativo, ostenta presunção de constitucionalidade, devendo ser preservada e aplicada em todos os seus efeitos desde a sua vigência.

Em juízo de controle difuso da compatibilidade vertical das normas, igualmente, não vislumbro indicativos de inconstitucionalidade do preceito.

No âmbito do TSE, ao ponderar sobre o elemento finalístico da norma em comento, em resposta à Consulta n. 1428, o Ministro Cezar Peluso, relator, assim se posicionou:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Com efeito, a vedação não tem outro objetivo que não obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Como se percebe, a vedação das doações partidárias por detentores da condição de “autoridade” busca justamente garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a patrimonialização das posições públicas pela distribuição oportunística de cargos, corolários próprios do ambiente de regularidade democrática e republicana.

Desse modo, não vislumbro vício de inconstitucionalidade no vocábulo “autoridade” presente tanto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 quanto no art. 12, inc. IV, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

 

Da irretroatividade da nova Lei n. 13.488/17

Com fulcro no princípio da retroatividade in bonam partem, o recorrente pugna pela aplicação da Lei n. 13.488/17, em vigor desde 06.10.2017, no ponto em que, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, possibilitou as doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta.

Reproduzo a nova disposição em comento:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Apesar da modificação legal ser mais benéfica ao partido, este Tribunal, pondo em prevalência os princípios da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, entendeu que a licitude ou não das doações é regida pela lei vigente ao tempo do exercício financeiro, como se verifica pelo seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses.

6. Provimento parcial.

(RE n. 14-97, Rel. Des. Eleitoral LUCIANO LOSEKANN, julgado em 04.12.2017.)

Neste precedente, após longo debate, prevaleceu o entendimento exposto pelo Des. Eleitoral Eduardo Dias Bainy, ao qual aderiram os demais integrantes do Pleno. Extraio de sua manifestação as seguintes passagens, que bem expressam os motivos adotados pelo Tribunal na resolução do tema:

A controvérsia que surge é no seguinte sentido: Seria possível aplicar essa disposição a doações ocorridas antes da vigência da lei? Ou seja, seria possível convalidar doações que, à época do ato, eram consideradas ilícitas?

Penso que não, sob pena de malferimento do ato jurídico perfeito, da segurança jurídica e da isonomia processual.

Essa matéria não é nova, sendo que essa Corte e o TSE, quando chamados a apreciá-la, posicionaram-se no sentido de que o tempo rege o ato e, mesmo se tratando de norma mais benéfica, não é aplicável à hipótese a retroatividade ínsita aos feitos de natureza criminal.

Foi assim quando, recentemente, o TSE examinou a questão das doações realizadas por pessoas jurídicas após a revogação do art. 81 da Lei n.9.504/97.

[…]

Dessarte, não obstante os respeitáveis fundamentos trazidos pelo relator, penso que a orientação que assegura igualdade e é consentânea com os princípios processuais constitucionais e com o ato jurídico perfeito é aquela que aplica a nova disposição prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, levada a efeito pela Lei n. 13.488/17, as doações realizadas apenas a partir da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

No mesmo sentido, seguiram outros julgados, a exemplo do RE n. 42-39, cuja ementa segue:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos.

Na espécie, evidenciado o recebimento de recursos provenientes de Secretário de Planejamento e de Secretário de Finanças da Prefeitura. Cargos que, por deterem a condição de liderança, de chefia e direção, se enquadram no conceito de autoridade, sendo ilegítimas as contribuições. Irregularidade que atinge 53,48% das receitas do partido. Mantida, assim, a desaprovação das contas e o recolhimento do valor indevido ao Tesouro Nacional. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para cinco meses.

Provimento parcial.

(RE n.42-39, Rel. Des. JORGE LUÍS DALL'AGNOLL, julgado em 19.12.2017.)

Assim, deve incindir ao caso concreto a redação do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, vigente ao tempo das doações.

 

Da caracterização da doação de fonte vedada

Assim, verificando-se doações provenientes de detentor de cargo em comissão que desempenha função de chefia ou direção, tais verbas são originárias de fontes vedadas de recursos, por força do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme a disciplina legal vigente ao tempo das doações.

Essa situação não é modificada pelo fato de os doadores possuírem outras fontes de renda, como alega o recorrente. Primeiro, porque tal ressalva não é feita pela norma de regência; segundo, porque não é possível separar a renda das diferentes fontes, que se misturam no patrimônio da mesma pessoa física.

Seguindo essa linha de raciocínio, é certo que a percepção de proventos decorrentes do cargo público, por quem já possui outra fonte de rendimentos, confere a esses doadores maiores e melhores condições de realizar doações, pois sua renda é complementada pelo cargo público. Nesse contexto, amplia-se a possibilidade de que a força econômica adicional seja objeto de apropriação pela máquina partidária, justificando ainda mais as finalidades da norma proibitiva.

Por seu turno, os argumentos de que os recursos teriam sido utilizados em campanha e de que a  Resolução TSE n. 23.463/15 permite as doações eleitorais efetuadas por detentores de cargos de livre nomeação e exoneração, dirigidas a partidos e candidato, igualmente não socorrem o apelante.

Ainda que, de fato, o rol de fontes vedadas de recursos previstas às campanhas não contemple as doações de “autoridades”, os regimes jurídicos aplicáveis a cada modalidade de contas, partidárias ou eleitorais, são material e procedimentalmente distintos, exigindo, por isso, contabilidades e processos individualizados e separados. Por tais motivos, são irregulares quaisquer confusões entre as receitas e despesas das diferentes espécies de prestações de contas.

Em reforço, anoto as considerações expendidas no parecer técnico conclusivo (fl. 287):

A alegação do partido de que utilizou parte destes recursos na campanha eleitoral de 2016, conforme transferências realizadas da conta de recursos ordinários para a de movimentação de recursos de campanha não pode ser acolhida ante a falha nos procedimentos, que ensejariam estorno dos valores na conta ordinária e crédito, com identificação do doador, na conta eleitoral, bem como, na dinâmica de fornecimento de recibos eleitorais, totalmente diferenciado, conforme a espécie de recurso recebido.

Desse modo, inviável a aplicação analógica da disciplina das contas eleitorais com o fim de afastar das contas partidárias fonte vedada expressamente determinada pela lei, pois contemplam naturezas, objetos, finalidades e requisitos de elaboração diversos.

No tocante aos detentores de cargos de Coordenador na Prefeitura Municipal de Caxias do Sul e na Agência de Desenvolvimento Social da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social - FGTAS, aos quais o recorrente atribui o exercício de funções exclusivas de assessoramento, convém a transcrição dos dispositivos legais que fixam as atribuições de cada uma das funções públicas, respectivamente:

Lei Complementar Municipal n. 321/08, de Caxias do Sul:

As atribuições básicas para o provimento do Cargo em Comissão de Coordenador de Governo, código 2.2.1.18.8:

I - São atribuições básicas:

a) exercer a Coordenadoria, de acordo com diretrizes programáticas e estratégicas definidas pelo governo municipal;

b) programar, organizar, dirigir, orientar, controlar e coordenar as atividades da respectiva Coordenadoria;

c) promover reuniões com os servidores para coordenação das atividades operacionais da respectiva Coordenadoria;

d) elaborar e implementar diretrizes na sua área de atuação, orientando e assessorando as demais unidades de governo;

e) coordenar as relações com entidades, organizações, comunidades e outros afetas a sua área;

f) submeter à consideração superior os assuntos que excedam à sua competência; e

g) executar outras atribuições correlatas conforme determinação superior.

 

Lei Estadual n. 14.432/14, Estado do Rio Grande do Sul:

EMPREGO/FUNÇÃO: COORDENADOR DE AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Descrição Analítica

1. coordenar as atividades da Agência de Desenvolvimento Social da região, em consonância com as diretrizes e metas emanadas da direção;

2. coordenar a implantação e acompanhar a execução de novos programas, ações, projetos e atividades a serem desenvolvidos pelas Agências FGTAS/Sine na região;

3. responder pela carga patrimonial dos materiais sob sua coordenação;

4. representar a Fundação em sua região;

5. coordenar e acompanhar outras tarefas correlatas.

Disso, colho a percuciente análise dos estatutos funcionais respectivos procedida pelo magistrado sentenciante:

Sobre o enquadramento dos cargos de "Coordenador de Governo" na Prefeitura Municipal de Caxias do Sul e de "Coordenador de Agência de Desenvolvimento Social", novamente não assiste razão à tese da defesa, pelas próprias atribuições indicadas em fls. 312-313. Da leitura das atribuições dos cargos, constata-se claramente que os ocupantes dos cargos referidos executam várias atividades equivalentes à de chefia e direção, destacando-se que, em nenhum deles, consta como atribuição "assessoria". No artigo 83, da Lei Complementar Municipal nº 321, ao dispor sobre as atribuições do cargo de Coordenador, define, entre outras, no Inciso I, letra b: programar, organizar, dirigir, orientar, controlar e coordenar as atividades da respectiva coordenadoria. Na Lei Estadual 14.432, que define as atribuições do cargo de Coordenador de Agência de Desenvolvimento, várias apresentam similaridade com chefia e direção, em destaque: "coordenar a implantação e acompanhar a execução de novos programas, ações, projetos e atividades a serem desenvolvidas pelas Agências FGTAS/Sine na Região.

Percebe-se, portanto, que as atribuições legais dos cargos em questão não estão restritas ao assessoramento, mas, pelo contrário, abarcam diversas outras atividades de gerenciamento e direção, razão pela qual estão subsumidos ao conceito de autoridade insculpido no art. 12, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em relação à doação de R$ 200,00, realizada por Carlos Giovani Fontana, que o recorrente sustenta ter ocorrido anteriormente à posse em cargo público, entendo que, igualmente, acertada a sentença combatida ao caracterizá-la como fonte vedada.

Com efeito, a Portaria n. 118.436/2016, da Prefeitura de Caxias do Sul, presente à fl. 265, demonstra o ato administrativo de nomeação, apesar de realizado em 28.01.2016, produziu seus efeitos jurídicos “a contar de 02 de fevereiro de 2016”, como expressamente consignado no documento.

A contribuição em debate, por sua vez, ocorreu justamente nesse primeiro dia de ocupação do novo cargo, consoante se denota da data de crédito presente no extrato bancário de fevereiro (fl. 30) e do Demonstrativo de Contribuições Recebidas (fl. 192), esse último confeccionado pelo próprio prestador de contas e, sobre o qual, não se ofereceu retificação.

Desse modo, não prosperam as pretensões recursais quanto aos abatimentos dos casos específicos mencionados.

Mostra-se acertada a discriminação do montante de R$ 23.785,00 como advindo de fontes vedadas. A gravidade da irregularidade e o volume de recursos envolvidos, que corresponde ao percentual de 45,3%  das receitas auferidas no ano de 2016 (R$ 52.413,47), impõe a desaprovação das contas.

A determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional e a suspensão do repasse de quotas do fundo partidário são consequências específicas do recebimento de recursos de fonte vedada, como se extrai do art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em relação ao tempo de suspensão do fundo partidário, fixado pela sentença em 6 meses, este Tribunal, em consonância com o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, tem admitido a incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, para realizar a dosimetria da sanção pelo tempo de 1 a 12 meses.

Destarte, considerando que o total de recursos de fonte vedada, mostra-se adequada a fixação da suspensão de repasses do Fundo Partidário pelo período de 06 meses, nos termos da sentença.

Conforme bem apontado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a multa de até 20% da quantia ilicitamente auferida, prevista no art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15, restou fundamentadamente afastada pela sentença. Ausente recurso do Ministério Público Eleitoral, o ponto não é objeto de devolução ao Tribunal, razão pela qual é incabível o seu revolvimento.

Finalmente, a fixação, pela sentença, do marco temporal da atualização monetária e dos juros moratórios sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional está em conformidade com o insculpido no art. 60, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

Art. 60. (…).

§ 1º Incide atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

Portanto, deve ser mantida integralmente a decisão recorrida.

Ante todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.