RE - 2252 - Sessão: 29/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de CAXIAS DO SUL contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de doações advindas de fontes vedadas - ocupantes de cargos demissíveis ad nutum - e da inobservância da destinação do percentual mínimo dos recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas para promover e difundir a participação política das mulheres. A decisão determinou, ainda, a suspensão do recebimento de repasses de recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de 06 (seis) meses; a devolução de R$ 17.187,20 ao Tesouro Nacional, sem a aplicação de multa; e o recolhimento de R$ 150,00 ao Fundo Partidário, acrescidos de multa de 20%, com a devida correção monetária e juros moratórios desde a data da utilização dos recursos (fls. 251-260).

Em sua irresignação (fls. 265-275), o recorrente sustentou que o legislador reconheceu o erro trazido pela expressão “autoridade” e, por intermédio da Lei n. 13.488/17, excluiu da vedação as contribuições dos filiados a partidos políticos, o que seria aplicável ao caso. Defendeu que a aplicabilidade retroativa da lei mais benigna é princípio aplicável na legislação eleitoral. Afirmou a inconstitucionalidade do termo “autoridade” e a natureza privada das contribuições apontadas como oriundas de fonte vedada. Alternativamente, argumentou que as doações devem ser consideradas lícitas no período eleitoral e que os cargos apontados exercem apenas função de assessoramento. Em relação aos recursos do Fundo Partidário, alegou que, diante da ausência de abertura de conta específica pelos candidatos, os recursos foram repassados ao partido, que fez as doações com a anuência de servidora do cartório eleitoral, o que não pode ser considerado falta grave. Ao final, requer o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a decisão e, alternativamente, acaso mantida a condenação de devolução ao Tesouro Nacional, que a atualização dos valores seja determinada a contar do trânsito em julgado da decisão.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 281-288v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no DEJERS em 07.12.2017, quinta-feira (fl. 262), e a interposição ocorreu em 11.12.2017, segunda-feira, (fl. 265), respeitando o prazo de 03 (três) dias previsto no § 1º do art. 52 da Resolução TSE n. 23.464/15 e no art. 258 do Código Eleitoral.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, o recurso merece conhecimento.

Adentro a análise do mérito com o exame do recebimento de recursos de origem vedada. Na hipótese, são apontadas doações provenientes de ocupantes dos cargos de secretário municipal, coordenador, assessor de governo, diretor executivo, subprefeito e dentista coordenador (fls. 155-159).

A sentença afastou do rol de fontes vedadas o cargo de Assessor Político ocupado por Marcelo de Gregori (fls. 251-260), apurando o total arrecadado em R$ 17.187,20.

Inicialmente, consigno que entendo pela aplicação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 em sua dicção original, ou seja, sem as modificações trazidas pela Lei n. 13.488/17, que facultou as doações de filiados a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta.

Acerca do tema, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; RE n. 14-97, Relator Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC n. 96183/DF, Relator Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, deve ser aplicado à solução do caso concreto o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise, a qual vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

O recorrente sustenta, paralelamente, a inconstitucionalidade do termo “autoridade” contido no dispositivo acima transcrito, que também está reproduzido no art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Sem razão.

Em primeiro lugar, os dispositivos constantes em leis ordinárias possuem presunção de constitucionalidade, até manifestação do Poder Judiciário em sentido contrário, seja em sede de controle difuso ou concentrado.

Ademais, no caso específico, o Ministro Relator, Luiz Fux, aplicou o art. 12 da Lei n. 9.868/99 para submeter ao Plenário do STF a manifestação sobre a ação como um todo, abstendo-se de manifestar-se acerca de medida liminar pleiteada.

Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

E, finalmente, lembro que, em sede de controle concentrado, há a prerrogativa do STF de modular os efeitos da decisão, circunstância que afasta, por completo, a alegação de “dano irreparável” – a Suprema Corte pode, inclusive, determinar eventuais compensações financeiras que entenda pertinentes às agremiações partidárias.

Afastada a arguição de inconstitucionalidade, cumpre enfrentar a alegação acerca da natureza privada das contribuições apontadas como oriundas de fonte vedada.

Para tanto, repriso que a Resolução TSE n. 23.464/15, cujas disposições de direito material disciplinam o exercício financeiro de 2016, define que:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

IV - autoridades públicas.

[…].

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

O recebimento de valores oriundos de doadores que detêm cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta caracteriza a vedação de que trata a norma.

Tal vedação é objetiva, sendo indiferente o fato de os doadores possuírem outras fontes de renda, como alega o recorrente. Primeiro, porque ressalva dessa natureza não é feita pela norma de regência; segundo, porque não é possível individualizar a origem da renda utilizada nas doações.

Do mesmo modo, a percepção de proventos decorrentes do cargo público por quem já possui outra fonte de rendimento confere a esses doadores maiores e melhores condições de realizar doações devido à majoração da renda propiciada pelo cargo público. Assim, a máquina partidária pode acabar sendo alimentada com os recursos de origem pública, justificando ainda mais a norma proibitiva.

O recorrente segue argumentando que as doações devem ser consideradas lícitas no período eleitoral, cabendo a aplicação da Resolução TSE n. 23.463/15 e, como fundamento, se vale da decisão proferida na Consulta n. 89-73, deste Tribunal.

Ocorre que a Resolução n. 23.463/15 é inaplicável na hipótese por regulamentar especificamente a arrecadação de valores para financiamento de campanhas eleitorais, enquanto aqui se examina exercício financeiro. Na Consulta invocada, o Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes consignou expressamente esse entendimento acerca da necessária diferenciação. Vejamos:

Tendo em vista a existência de um regramento específico para as contas de campanha (de partidos políticos e candidatos), e outro para as contas anuais dos partidos (de exercício financeiro), o TSE estabeleceu, no art. 1º, § 1º, da Res. TSE n. 23.463/15, que a aplicação da resolução específica das contas de campanha restringe-se ao período eleitoral. Fora desse interregno de tempo, os recursos arrecadados pelos partidos políticos são regulados pela resolução que trata das finanças e contabilidade partidárias.

[…]

A divergência de hipóteses de fontes vedadas não foi estabelecida ao acaso, merecendo apontar que as resoluções de campanha e de exercício financeiro foram editadas na mesma composição do TSE e quase na mesma data: a Res. TSE n. 23.463/15 foi publicada pelo TSE no dia 15.12.2015 e a Res. TSE n. 23.464/15 em 17.12.2015.

A diferença de proibições é histórica e explica-se porque a previsão de fontes vedadas de arrecadação para campanhas e para o exercício financeiro dos partidos políticos não é idêntica, uma vez que a matéria é regulamentada por legislações diferentes.

A arrecadação de recursos para campanhas tem como base normativa a Lei das Eleições, enquanto que os recursos partidários são regidos pela Lei dos Partidos Políticos.

Especificamente quanto aos recursos repassados por autoridades, verifica-se que as resoluções do TSE que regulamentaram as prestações de contas das eleições de 2006, 2008, 2010, 2012 e de 2014, tal qual a resolução da eleição de 2016, não previam como fonte vedada o repasse de recursos de autoridades, proibição estabelecida aos partidos políticos desde 1995 pelo art. 31, inciso II, da Lei n. 9.096/95.

Assim, nada obstante a posição da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que para as campanhas eleitorais devem ser aplicadas, por analogia, as vedações previstas na normatização específica das contas das agremiações partidárias, penso que não há como fazer equiparação, tendo em vista a existência de previsão normativa própria para campanhas eleitorais, a qual é, historicamente, diversa da regulamentação financeira dos partidos, e a consideração de que, em se tratando de norma restritiva e de caráter sancionatório, a interpretação deve ser restritiva, e nunca extensiva.

Como esclarecido, a matéria é regulamentada por legislações diferentes, não cabendo postular a aplicação de outro regulamento no caso dos autos, senão a Resolução TSE n. 23.464/15.

Na mesma senda, o argumento de que os recursos teriam sido utilizados em campanha (e em campanha de candidata, atendendo à destinação específica do Fundo Partidário) igualmente não socorre o apelante. Os regimes jurídicos aplicáveis a cada modalidade de contas são material e procedimentalmente distintos, exigindo, por isso, contabilidades e processos individualizados e separados. Por tais razões, mostra-se irregular a confusão entre as receitas e despesas das diferentes espécies de prestações de contas.

Em relação à exigência contida no art. 22 da Resolução TSE n. 23.464/15, é de se destacar que a aplicação de recursos em campanha de candidata - mesmo que, em tese, considerada regular a movimentação realizada pelo partido, o que não é o caso - não atende ao disposto na norma que visa à aplicação de recursos do Fundo Partidário para a criação ou a manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, a serem realizados de acordo com as orientações e  a responsabilidade do órgão nacional do partido político.

A alegação de que o procedimento teria recebido anuência de servidora do Cartório Eleitoral, sequer identificada, não é suficiente para eximir o recorrente do cumprimento das disposições constantes na norma regulamentadora da matéria.

Assim, o emprego dos recursos não atendeu à determinação legal, de forma a ser mantida integralmente a sentença também nesse ponto.

No entanto, considerando que houve impugnação recursal alertando para a necessidade de análise dos cargos considerados como fontes vedadas, verifiquei que Alexandre Prestes Bortoluz desempenhou, no período de 04.10.2015 a 31.12.2016, o cargo de Assessor de Governo (fl. 131), tendo efetuado doação ao partido no valor de R$ 174,46 (fl. 54).

Tal cargo - Assessor de Governo - não pode ser considerado “de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta”, de modo que a contribuição deve ser subtraída do total apontado na decisão recorrida, remanescendo a necessidade de devolução de R$ 17.012,74 ao Tesouro Nacional, sem a aplicação de multa.

Considerando, ainda, que o partido arrecadou, no exercício, o valor total de R$ 80.284,20, tenho que se mostra mais proporcional a redução do período de suspensão do recebimento de repasses de recursos provenientes do Fundo Partidário para 03 (três) meses.

Deve ser mantida a determinação de devolução de R$ 150,00 ao Fundo Partidário, acrescidos de multa de 20%, com a devida correção monetária e juros moratórios desde a data da utilização dos recursos.

Por fim, a fixação, pela sentença, do marco temporal da atualização monetária e dos juros moratórios sobre os valores a serem recolhidos está em conformidade com o insculpido no art. 60, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

Art. 60. (…).

§ 1º Incide atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

Não constato haver elemento que justifique demarcar data diversa para a atualização dos valores.

Assim, a decisão recorrida deve ser parcialmente reformada, tão somente para afastar o recolhimento dos valores doados pelo titular do cargo de Assessor de Governo, no período estipulado na fundamentação, e para reduzir o prazo de suspensão do recebimento de repasses de valores do Fundo Partidário para 03 (três) meses.

Ante todo o exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu parcial provimento para manter a desaprovação das contas do Partido do Progressista (PP) de Caxias do Sul relativas ao exercício financeiro de 2016, determinando a suspensão do recebimento de repasses de recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de 03 (três) meses; a devolução de R$ 17.012,74 ao Tesouro Nacional, sem a aplicação de multa; e o recolhimento de R$ 150,00 ao Fundo Partidário, acrescidos de multa de 20%, com correção monetária e juros moratórios desde a data da utilização dos recursos.