RE - 43036 - Sessão: 23/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (MPE) contra a sentença de fls. 308-314v., proferida pela Juíza da 21ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) cumulada com Representação por Captação Ilícita de Sufrágio movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em desfavor de PEDRO ANTONIO DORNELLES e NEUZA INEZ FELL.

Em suas razões (fls. 316-333), o Ministério Público Eleitoral alega, preliminarmente, a inobservância da igualdade de oportunidades processual e probatória decorrentes dos princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal, em razão do indeferimento da juntada de gravação ambiental amplamente divulgada por meio de aplicativo de conversação e redes sociais. Sustenta, ainda, contradição da decisão, por ter sido admitida conversa telefônica, apresentada pelos recorridos, e realizada sem a ciência da interlocutora destinatária da ligação, no curso da ação eleitoral. Assevera que a decisão deve ser cassada, para que seja oportunizada a isonomia probatória às partes. No mérito, transcreve os depoimentos das testemunhas a fim de demonstrar a ocorrência de abuso de poder e de captação ilícita de sufrágio. Argumenta que a ocultação de atividade econômica rural pelo recorrido Pedro Antônio Dornelles compromete a confiabilidade e a transparência da declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral. Aduz a existência de litisconsórcio passivo necessário em relação à Neuza Fell em decorrência de sua participação na chapa majoritária. Afirma que a concessão de auxílios financeiros realizada pelo recorrido, na qualidade de Prefeito candidato à reeleição, representa desvio de função, com potencialidade hábil a comprometer a lisura do pleito. Assegura a ocorrência de captação ilícita de sufrágio dos eleitores Clarice e Fernando. Requer a cassação da sentença, com a reabertura da instrução processual, possibilitando-se a juntada aos autos da gravação ambiental realizada pela testemunha Fernando das Neves Oestraich. Alternativamente, postula a cassação da decisão, para que seja desentranhado dos autos o CD/DVD da fl. 184 e a respectiva degravação (fls. 173/174), proferindo-se nova decisão. Relativamente à Ação de Investigação Judicial Eleitoral, pleiteia a reforma da decisão, para que seja julgada procedente a demanda, declarando-se a inelegibilidade dos demandados em virtude da prática de abuso de poder. No que se refere à Representação por Captação Ilícita de Sufrágio, pretende a reforma da decisão, a fim de que seja julgada procedente, aplicando-se a pena de multa de um mil a cinquenta mil UFIR.

Nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou, preliminarmente, pela anulação da sentença com reabertura da instrução, assegurada a juntada pelo Ministério Público Eleitoral do áudio gravado pelo eleitor Fernando das Neves Oestraich. No mérito, opina pelo desprovimento do recurso (fls. 340-349).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

1. Admissibilidade

1.1. Tempestividade

O recurso é tempestivo.

O Ministério Público foi intimado em 20.11.2017 (fl. 315v.), e o recurso foi interposto no dia 22.11.2017 (fl. 316), dentro do tríduo legal, razão pela qual dele conheço.

 

2. Preliminar de nulidade da sentença em virtude da não admissão da gravação ambiental

O Ministério Público Eleitoral postula a cassação da decisão, ao argumento de inobservância da igualdade de oportunidades processual e probatória decorrentes dos princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal, por não ter sido admitida a juntada de gravação ambiental realizada pelo eleitor Fernando das Neves Oestraich.

Compulsando os autos, observo que o requerimento de juntada de gravação clandestina foi indeferido, na origem, devido à prolação da sentença, ao fundamento de não ter sido realizada a prova mediante autorização judicial, devendo ser resguardado o direito fundamental à privacidade.

Inicialmente, importa destacar que a reserva judicial a que se refere o art. 5º, inc. XII, da CF restringe-se à interceptação telefônica, meio de prova pelo qual terceiro estranho aos interlocutores colhe a conversa.

Na situação vertente, restou incontroverso que a gravação foi realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, circunstância que prescinde autorização judicial.

Relativamente à tutela da intimidade, resguardada por força do art. 5º, inc. X, da CF, a restrição à admissão do conteúdo apenas é justificável quando a conversa em si adentrar em relações protegidas por valor jurídico superior, a fim de justificar a sua preservação.

Ressalta-se que, nesse critério de sopesamento, caso prevaleça a tutela especial da intimidade, veda-se ao interlocutor a própria exposição do conteúdo da conversa, e não apenas a disponibilização da gravação.

Ocorre que, ressalvada essa hipótese excetiva, deve ser privilegiada para admissão como meio de prova a gravação de conversas por um dos interlocutores, ampliando-se a possibilidade de produção probatória, pois existe um interesse público voltado à obtenção da solução justa dos conflitos, e que pressupõe que a verdade processual se aproxime da realidade existente no contexto fático judicializado, notadamente se considerado, nos feitos eleitorais, a proeminência da tutela da soberania popular e de sua representatividade.

Nessa perspectiva, cabe destacar o posicionamento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, firmado em sede de repercussão geral:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.” (RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgamento em 19.112009, Plenário, DJE de 18.12.2009.)

No caso dos autos, as conversas gravadas pelo eleitor Fernando das Neves Oestraich não tratavam de tema especialmente protegido pela privacidade. Ao contrário disso, observa-se que a preliminar suscitada pela defesa fundamenta-se na ausência de conhecimento de um dos interlocutores e, por conseguinte, na de sua aquiescência, bem como na falta de prévia autorização judicial.

Salienta-se que, em sentido diametralmente oposto, a sentença admitiu gravação ambiental juntada pela defesa, à fl. 184, por considerar a prova atinente à defesa dos representados. Por essa razão, a fim de garantir a ampla defesa e o contraditório, elementos integrantes do devido processo legal, nos termos do art. 5º, inc. LIV e LV da CF, deve ser admitida a juntada da gravação, conforme requerido pelo órgão ministerial recorrente, entendimento que se harmoniza com a pacífica posição deste Tribunal:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria.

Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, p. 4.)

 

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico e político. Art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Prefeito, vice e vereador. Cassação do registro. Inelegibilidade. Eleições 2016.

1. Matéria preliminar afastada. A arguição de ilegitimidade passiva é matéria que se confunde com o mérito, cuja análise depende do enfrentamento do conjunto probatório para determinar a responsabilidade ou benefício dos candidatos com o alegado abuso de poder. Não evidenciado qualquer indício de adulteração dos arquivos de áudio, restando despicienda a produção de prova pericial. Indeferido o pedido de conversão do feito em diligências, providência dispensável para o esclarecimento dos fatos.

2. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro, em local público, e sem causa legal de reserva de sigilo. Situação diversa da interceptação telefônica, hipótese que estaria sujeita à autorização judicial.

3. A investigação da ocorrência de abuso de poder tem como escopo evitar a prática de condutas que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica, bem como a utilização de prerrogativas auferidas pelo exercício de função pública, capazes de causar indevido desequilíbrio à isonomia entre os candidatos. A captação de apoio político de adversários para que desistam de suas campanhas e passem a apoiar outras, mediante a oferta de dinheiro ou promessas de outras benesses, quando devidamente comprovada, ultrapassa o comportamento legítimo e regular de uma disputa política.

4. Caderno probatório a revelar dúvida sobre o comportamento do candidato que teria sido beneficiado com as vantagens, bem como acerca das circunstâncias que envolvem o fato. Inexistência de imputação direta ao candidato reeleito a justificar alteração no resultado do pleito. Prevalência da vontade do eleitor. Preservação dos valores democráticos e republicanos por meio da confirmação da eleição. Provimento.

(TRE-RS - RE: 30112 ARROIO GRANDE - RS, Relator: DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Data de Julgamento: 28.3.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 56, Data 03.42017, p. 5) (Grifei.)

Nesse sentido, agrego às razões de decidir o seguinte trecho do parecer ministerial exarado às fls. 343v.-344:

No presente caso, a gravação serve à comprovação da prática de ilícito eleitoral – captação ilícita de sufrágio -, tutelando, pois, indiretamente a legitimidade e normalidade das eleições, insculpidos no artigo 14, §9º, da Constituição Federal, e diretamente a liberdade do eleitor e o equilíbrio de oportunidade aos candidatos, como corolários da cidadania, soberania popular e do regime democrático previstos nos artigos 1º e 14 da Carta Maior.

Daí se verifica a adequação da gravação. Trata-se de expediente proporcional, pois permite a efetivação da tutela da soberania popular e da democracia representativa em face de singelo afastamento da tutela à intimidade. Nesse sentido, reitera-se que a intimidade não pode ser empregada para acobertar práticas ilícitas.

[…]

No tocante à gravação ambiental do presente caso, tem-se que a mesma foi efetuada por ocasião de visita previamente agendada realizada pelo eleitor ao candidato a Prefeito, no curso da campanha eleitoral, e a gravação foi realizada por um dos interlocutores, no caso o eleitor.

Vale acrescentar que também não há infringência de direitos fundamentais, como o direito à privacidade ou intimidade, porquanto, pelo que se depreende da prova oral, o motivo da visita foi exatamente discutir os termos da compra de voto, de modo que, naquele momento, a conversa não envolvia questões da vida privada, mas sim a prática de um ilícito eleitoral. Assim, padece de nulidade a sentença, pois proferida com cerceamento ao direito de prova da parte autora.

Desse modo, a sentença deve ser anulada para que, com a reabertura da instrução processual, seja oportunizada a juntada da gravação ambiental realizada pelo eleitor Fernando das Neves Oestraich, proferindo-se nova decisão.

 

3. Dispositivo

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, oportunizando-se a juntada da gravação ambiental realizada pelo eleitor Fernando das Neves Oestraich.

É como voto, senhor Presidente.