RE - 37095 - Sessão: 25/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

ISMAEL FRISON e VILMAR ZUGNO ajuizaram Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra VERA APARECIDA LISBOA VIEIRA, RENATO RODRIGUES DE OLIVEIRA, AGENOR MINOZZO, EDSON LUIS MACHADO, GIOVANNA GUIDINI, DILSO CASSOL, LUCIANO TOSCAN, MÁRIO ANTÔNIO CORTELINI, MAGNO SPAGNOL, ANTÔNIO DE OLIVEIRA, KAUANE BETINA DA SILVA, MÁRCIO DA PAZ LOUREIRO, MARINELZA LURDES DE OLIVEIRA e COLIGAÇÃO NOVA PRATA – UNIÃO E CRESCIMENTO, com base em registro fraudulento de candidatura feminina, apenas para viabilizar maior número de concorrentes masculinos.

A inicial foi indeferida pelo juízo de primeiro grau, mas a decisão foi modificada em sede recursal por este Tribunal, retornando os autos à origem para regular processamento do feito (fls. 67-69).

Após instrução, foi proferida sentença de improcedência da ação, concluindo o juízo de primeiro grau que não estava comprovado o lançamento de candidaturas femininas de forma fraudulenta.

ISMAEL FRISON e VILMAR ZUGNO interpuseram recurso. Em suas razões recursais (fls. 411-426), argumentam que a candidatura de Marinelza Lurdes de Oliveira foi fraudulenta, fato que se extrai da ausência de campanha em rádio e jornal, de movimentação financeira e de votos a seu favor. Sustentam que a sentença ignorou o depoimento da própria Marinelza, que não explica por que não votou em si mesma. Destacam que a candidata é irmã de Antônio de Oliveira - vereador e presidente do partido - e que foi escolhida exatamente por ser pessoa acessível ao referido vereador para completar o percentual mínimo de candidaturas femininas, passando a ocupar a presidência da sigla por pura formalidade. Aduzem que todas as candidatas conseguiram votos, resultado natural para quem fez campanha, por isso não é condizente que Marinelza não tenha obtido um voto sequer, especialmente diante de sua condição de presidente municipal do partido. Alegam que a versão apresentada pela candidata em juízo contradiz afirmação anterior - em entrevista - na qual declarou ter votado em si mesma. Requerem a reforma da decisão para reconhecer o abuso de poder político e a cassação do diploma dos membros da coligação recorrida.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 449-454).

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 14.11.2017 (fl. 408) e o recurso foi interposto no dia 16 do mesmo mês (fl. 411), ou seja, no prazo de 03 dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

Passando ao mérito, cuida-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral fundamentada no registro fictício de Marinelza Lurdes de Oliveira para alcançar o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim as candidaturas masculinas.

A imposição de reserva de gênero é prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Grifei.)

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral reconheceu que a burla à proporção de gênero é apta, em tese, a caracterizar fraude e autorizar o manejo da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Pode-se definir fraude como a conduta destinada a afastar a incidência de uma norma sobre determinada situação que estaria naturalmente sujeita a ela. Fraudulenta é a ação que atribui, artificialmente, uma aparência de legalidade a uma situação ofensiva ao ordenamento jurídico.

No mesmo sentido é a lição de José Jairo Gomes:

[...] a fraude implica frustração do sentido e da finalidade da norma jurídica pelo uso de artimanha, astúcia, artifício ou ardil. Aparentemente, age-se em harmonia com o Direito, mas o efeito visado – e, por vezes, alcançado – o contraria. A fraude tem sempre em vista distorcer regras e princípios do Direito (Direito Eleitoral, 13ª ed. 2017, p. 728).

Nesse norte, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral definiu, no julgamento do RESPE n. 1-49, publicado em 21.10.2015, que o termo fraude deve receber interpretação ampla para abranger todos os atos destinados a obter “resultado proibido por lei mediante ações que aparentem ser lícitas” e ser compreendido em conformidade com o art. 14, § 9º, da CF, o qual estabelece que lei complementar buscará “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego”.

Transcrevo a ementa do referido julgado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição.

Recurso especial provido.

(TSE, REE n. 149, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 21.10.2015, Página 25-26.)

A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo da participação feminina na política, espaço ocupado quase que integralmente pelo gênero masculino e onde as mulheres não encontram muitas oportunidades.

Assim, o preenchimento fraudulento das reservas de gênero frustra o intuito da norma e, ao invés de promover a participação feminina, apenas reforça a exclusão da mulher da política, em prejuízo do pluralismo, que é pressuposto para uma democracia plena.

Na hipótese, não se verifica a realização de fraude, pois, embora Marinelza não tenha obtido votos, nem mesmo o seu, as provas produzidas evidenciam que lançou sua candidatura de forma consciente e lícita e que realizou atos de campanha.

Em seu depoimento, Marinelza afirmou ter realizado campanha no centro do município, pois em seu bairro sofreu muita represália. Disse ter sido uma campanha violenta, na qual suportou ameaças e intimidações, inclusive com a casa de sua mãe sendo apedrejada. Afirmou ter mantido sua vida profissional e compromissos pessoais, o que dificultava sua campanha. Declarou, ainda, que optou por votar em outra pessoa quando notou que não teria chance de vencer a disputa eleitoral.

Seu irmão, Antônio de Oliveira, em seu depoimento, confirmou as ameaças que sua família sofreu, inclusive com o lançamento de pedras contra sua casa e a casa de seu pai. Afirmou que sua irmã, Marinelza, efetivamente realizou campanha eleitoral, como qualquer outro candidato.

Luci Cassol, ouvida como informante, disse ter visto Marinelza por diversas vezes no comitê do partido. Afirmou ter visto a candidata participar de uma passeata promovida pela coligação no seu bairro e confirmou ter ouvido, de terceiros, que Marinelza e Antônio estavam sofrendo ameaças em meio à eleição.

Fabíola, também ouvida como informante, confirmou que via Marinelza no comitê do partido realizando campanha, e que a própria informante distribuía panfletos da candidata a eleitores que lá compareciam.

A testemunha Eliane de Freitas disse ter visto Marinelza fazendo campanha no centro e participando da passeata realizada em seu bairro. Afirmou ter recebido visita da própria candidata em sua residência. Afirmou também ter acompanhado a candidata em visita a dois parentes seus para realizar campanha.

Como se verifica, os depoimentos são condizentes com as informações colhidas e com a prova testemunhal, todas apontando no sentido de que Marinelza efetivamente realizou campanha eleitoral.

Divergências pontuais verificadas entre os diferentes depoimentos limitam-se a detalhes e não prejudicam a confiabilidade da prova produzida.

A afirmação da candidata de que Luci fez campanha em seu favor, situação negada pela própria informante, pode decorrer da crença de que Luci, além de cuidar da parte financeira da campanha, também realizava atos de propaganda no comitê, tal como Fabíola Cerciná.

Ademais, houve gastos de campanha, como demonstra cópia da prestação de contas juntada aos autos (fls. 320-330), com o gasto de R$ 100,00 em publicidade impressa (fl. 325).

Diante das provas produzidas no sentido da efetiva realização de campanha eleitoral, ainda que tímida, a relação de parentesco da candidata com Antônio de Oliveira, vereador e presidente do partido, nada evidencia a respeito da pretendida fraude.

O depoimento de Marinelza revela uma pessoa insatisfeita com as dificuldades da campanha e com pouco engajamento político, preocupada em conciliar seus compromissos profissionais com os atos de propaganda eleitoral. Além do mais, a candidata informou que não tinha dinheiro para investir em sua campanha. Talvez o fato de ser irmã de vereador e presidente de partido tenha sido a circunstância facilitadora que a levou a tentar vida na política, sem a qual jamais teria sido candidata.

Nessas condições, o fato de Marinelza não ter votado em si mesma mostra-se razoável, pois evidente a ausência de entusiasmo com sua campanha, o que levaria à inevitável derrota nas urnas.

Todavia, a campanha sem entusiasmo ou desmotivada não é sinônimo de fraude. Ao contrário, apenas reflete o pouco apoio às mulheres, realidade que se busca modificar com a política de cotas de gênero.

O fato de ter ingressado na política já como presidente do diretório municipal, em substituição ao seu irmão, sendo esta uma decisão acertada ou não, diz respeito à organização interna do partido e que, diante da prova dos autos, nada tem a contribuir para a solução do caso.

Da mesma forma, a obtenção de votos por outras candidatas da coligação nada demonstra a respeito da pretendida fraude.

Apurados os fatos, não restou comprovada a fraude alegada. Marinelza confirmou sua intenção livre e consciente de lançar a candidatura, realizou campanha e produziu materiais de propaganda. A modicidade do investimento e o diminuto empenho na campanha não são suficientes para a caracterização da fraude pretendida, conforme orientação jurisprudencial:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. REGISTRO DE CANDIDATURA. FRAUDE. QUOTAS DE GÊNERO. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegada prática de fraude com o registro de candidaturas fictícias, em relação à nominata proporcional do partido, para o cumprimento da quota mínima de 30% por gênero.

2. Acervo probatório a demonstrar que as candidatas buscaram votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo seu registro como simulacro de candidatura. Precedentes no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

3. Provimento negado. (TRE/RS, Relator Dr. Eduardo Dias Bainy, julgado em 11.7.2017.)

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 76677, ACÓRDÃO de 03.6.2014, Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Página 6-7.)

Assim, não caracterizada a fraude pretendida, deve ser mantida a sentença de improcedência da ação.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.