RE - 56413 - Sessão: 25/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA TRABALHISTA contra sentença proferida pelo Juízo da 70ª Zona Eleitoral, sediada em Getúlio Vargas, a qual julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta contra a COLIGAÇÃO FRENTE TRABALHISTA, POPULAR E SOCIALISTA, VILSON ANTONIO BABICZ, EVERALDO SALVADOR e DIEGO PIVA, fundamentalmente por entender não caracterizados o abuso de poder político ou a prática de conduta vedada (fls. 193-196v.).

Nas razões de recurso (fls. 200-212), alega, em resumo, que a realização de um evento pela Prefeitura de Floriano Peixoto, no mês de junho de 2016, para “Entrega de Assinaturas do Termo de Recebimentos de Habitações”, desobedeceu à legislação eleitoral, pois foram convidados todos os beneficiários de um programa habitacional que existe desde o ano de 2011, para o recebimento de um certificado que não possuiria “qualquer finalidade”. Sustenta que o ato teve caráter “político e eleitoreiro”, no qual houve enaltecimento da Administração Municipal de então, bem como a promoção do futuro candidato da situação, na época ocupante do cargo de vice-prefeito. Colaciona doutrina e jurisprudência que julga pertinentes ao caso e entende que os atos foram graves o suficiente para afetar a legitimidade do pleito. Requer a reforma da sentença, via provimento do recurso, para que seja dada procedência à AIJE, com a aplicação dos consectários legais.

Com as contrarrazões (fls. 214-226), vieram os autos a esta instância, e a Procuradoria Regional Eleitoral exarou parecer pelo parcial provimento do recurso para condenar os recorridos, à exceção de DIEGO PIVA (fls. 232-249).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Houve publicação no DEJERS em 03.11.2017, sexta-feira, e a irresignação foi apresentada na terça-feira subsequente, dia 07.11.2017 (fl. 200); é, portanto, regular e tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

Relativamente à questão de fundo, a COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA TRABALHISTA traz irresignação no tocante ao juízo de improcedência exarado pela d. Magistrada da 70ª ZE na presente AIJE.

As razões de recurso são: (a) ocorrência de abuso de poder político, art. 22, caput, da LC n. 64/90; e (b) prática de conduta vedada, art. 73, inc. IV, combinado com os §§ 1º, 4º, 5º, 7º, 8º e 10 da Lei n. 9.504/97, de parte da adversária, a COLIGAÇÃO FRENTE TRABALHISTA, POPULAR E SOCIALISTA (PT, PTB e PPS), de VILSON ANTONIO BABICZ (prefeito de Floriano Peixoto à época dos fatos), EVERALDO SALVADOR (vice-prefeito e candidato a prefeito à época dos fatos) e DIEGO PIVA (candidato a vice-prefeito nas eleições de 2016).

Inicialmente, atenho-me aos fatos incontroversos.

Em 18.6.2016, na localidade de São Pedro-Boa Esperança, pequena comunidade do interior do Município de Floriano Peixoto, houve cerimônia realizada pelo Poder Executivo local para que fossem assinados e entregues documentos intitulados “Termo de entrega e recebimento – Programa Nacional de Habitação Rural”.

O evento, iniciado às 10h, teve a presença do prefeito de então, VILSON ANTONIO BABICZ, o qual fez uso da palavra, e do Vice-Prefeito à época dos fatos, EVERALDO SALVADOR (o qual se tornaria candidato a prefeito, semanas depois).

Houve, ainda, a realização de um almoço às 12h.

O recorrido DIEGO PIVA não se fez presente.

Foram convidados para a cerimônia todos os beneficiários do programa governamental (Habitação Rural), iniciado no Município de Floriano Peixoto no ano de 2011 (Lei Municipal n. 1139/2011), que havia contemplado, até o momento do ato, 67 moradias, ou famílias, naquela municipalidade, sem, contudo, ter concluído a totalidade das obras de alguns dos favorecidos.

O custeio majoritário do programa cabe ao Governo Federal (88%), via agentes financeiros (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), restando a participação de 6% da Prefeitura de Floriano Peixoto e, também, 6% de parte de cada beneficiário.

As acusações, como já dito, são de abuso de poder político e de prática de conduta vedada. Necessária, assim, a análise de cada um dos institutos.

Conforme ZILIO, por exemplo, as restrições ao abuso de poder político (ou de autoridade) visam proteger a normalidade ou legitimidade do pleito, ao passo que as condutas tidas como vedadas têm o escopo de assegurar bem jurídico diverso, qual seja, a igualdade entre os candidatos, a paridade de armas na disputa eleitoral (Direito Eleitoral, 4ª edição, 2014. Verbo Jurídico Editora, p. 504 e 549).

Portanto, o rigor técnico indica a ocorrência do ajuizamento de AIJE por abuso de poder político, a qual tem, no seu bojo, uma representação por prática de conduta vedada a agente público.

O abuso de poder econômico e político está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

Cabe considerar que a vedação ao abuso de poder é norma aberta, com a finalidade de impedir comportamentos que extrapolem o exercício regular da capacidade econômica e de posições públicas capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, cite-se a doutrina de VELLOSO e AGRA:

O abuso de poder econômico e do político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade. (Elementos de Direito Eleitoral, 2ª ed., 2010, p. 377) (Grifei.)

Considerando que a vedação ao abuso preserva de forma direta a legitimidade do pleito, será ilícita aquela conduta tendente a afetá-la. A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade, sem a necessidade da demonstração de que, sem a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diferente - note-se o presente caso, em que os recorridos foram, inclusive, derrotados nas urnas.

É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. 

[...] 

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. 

Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663) (Grifei.)

Desde já, assevero que a prova dos autos é insuficiente, não sendo possível sancionar os recorridos com as graves penas previstas pela legislação de regência, mormente a declaração de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos, com os elementos constantes nos autos. Relativamente ao abuso de poder em forma lata, não há suficiente demonstração da gravidade das circunstâncias – ainda que aguerridamente alegada.

Por exemplo, o convite realizado a todos os beneficiários do programa, desde o ano de 2011, se por um lado merece censura pelo exagero, como aliás registrado na sentença, por outro demonstra que a ação governamental não era novidadeira, uma inovação com caráter eleitoreiro, às vésperas do início do período eleitoral.

Na verdade, existia desde antes da gestão da qual participaram os recorridos (a qual compreendeu os anos de 2013 a 2016).

Portanto, inegável que o caráter continuado do programa habitacional colabora para afastar o abuso de poder político, sendo necessário, apenas, perquirir se o evento de entrega de certificados foi de tal forma abusivo que se possa condenar os recorridos. Penso que não, ainda que possa haver ressalvas relativamente a alguns atos praticados.

Nessa linha, o convite para aqueles futuros beneficiários, ou seja, cujas casas ainda não haviam sido terminadas na data da celebração. De fato, soa estranho convidar, para assinar um “termo de entrega e recebimento”, alguém que não receberá moradia na ocasião.

Todavia, em número de 8 (oito) ou 12 (doze, fl. 65) de um total de 67 (sessenta e sete), perfazem nítida minoria, diminuindo em muito a possibilidade de configurar atuação abusiva politicamente. Na realidade, indica um daqueles típicos exageros dos ocupantes de cargos públicos no sentido de potencializar os próprios feitos, ampliando-lhes a real dimensão.

Exagero que, contudo, não pode ser considerado como ilícito eleitoral de abuso de poder político ou prática de conduta vedada, ao argumento de necessidade de moralização, por exemplo.

Ainda, e em mera argumentação contrafactual: se o evento de inauguração fosse, na totalidade, relativamente a casas não finalizadas, estaria melhor demonstrada a finalidade eleitoreira.

Mas, ao contrário, ainda que o Município de Floriano Peixoto tenha pequeno porte, com 1.813 eleitores, inegável que o convite feito a poucas famílias que se encontravam apenas na expectativa de receber moradia não pode ser considerado ato tendente a ferir a legitimidade do pleito, do mesmo modo que não é possível construir convencimento pela aplicação de sanção com base na aritmética, afirmando-se que a presença de (cerca de) 120 pessoas no evento configura, por si só, elemento grave.

Ora, a maioria das pessoas já era, de fato, beneficiada pelo programa.

A potencialidade lesiva é de ser aferida mediante uma postura minimalista da Justiça Eleitoral. A maior parcela dos presentes já havia recebido a moradia e, portanto, diminuta era a capacidade de um evento, com as características apresentadas, ter caráter de influenciar na legitimidade da eleição – aliás, na época, sequer oficializados eram os candidatos.

Ademais, há a responsabilidade pelos custos do evento. Parece claro que a prefeitura arcou com as despesas com a sonorização e, como afirmado na sentença, não há provas de que a Cooperativa de Crédito Rural Horizontes Novos, de Novo Sarandi, CREHNOR, tenha contribuído financeiramente para o evento (fl. 84).

Houve discussão entre as partes sobre o pagamento do almoço – mas o documento constante na fl. 69 deixa claro a venda de “fichas”, ao custo de R$ 20,00, e a quantidade de almoços pagos, 100 (cem), em valores posteriormente quitados por VILSON BABICZ, em setembro de 2016 – R$ 2.000,00. A quantia total arrecadada, ainda conforme a resposta ao Ofício da Magistrada da 70ª ZE, foi de R$ 3.212,00, sendo que R$ 1.212,00 foram resultantes de pagamentos feitos pelos presentes (bebidas e assemelhados), de maneira individual, no dia da realização do evento.

Ou seja, não se tratou de um evento suportado em sua totalidade pela Administração Pública, ou por uma candidatura (ainda que futura), não se podendo falar em abuso de poder, conforme o acerto da sentença. Os convidados arcaram com mais de um terço dos gastos do almoço.

O convite, aliás, era de caráter absolutamente facultativo, deixando claro que, no caso de o beneficiário não comparecer, devia apresentar-se em agência bancária próxima para a assinatura do já referido “termo”.

Referente à prática de conduta vedada, a irregularidade atribuída, em específico, é a seguinte:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito. As hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira).

E a sentença entendeu não ter sido desobedecida a norma de regência, fundamentalmente nos seguintes termos, os quais adoto expressamente como razões de decidir:

[...]

No caso em apreço, em que pesem os argumentos do representante, entendo que não ficou configurada a conduta descrita na norma supramencionada. Isso porque não se implementaram benesses sem prévia autorização legislativa e execução orçamentária do Programa de Habitação, bem como existiu contraprestação pecuniária por parte dos beneficiários do referido programa, mesmo não sendo na sua totalidade, mas pelo menos em parte. Ademais, no evento organizado para entrega dos certificados, houve contraprestação por parte dos beneficiários, os quais pagaram, ao menos, parte do valor do almoço, inexistindo qualquer outro fato trazido na inicial que eventualmente pudesse ser enquadrado nesta conduta vedada.

Irretocável. Explico.

Em que pesem as aguerridas linhas do recurso interposto, não se vislumbra tenha havido “comício eleitoral antecipado” (fl. 203).

As provas dos autos não dão suporte a essa alegação.

Não há como elaborar a afirmação com tal contundência.

Pode ter havido o enaltecimento relativamente à administração pública da ocasião, mas não há prova de desequilíbrio em favor de agremiação ou candidato.

Há, de fato, uma situação regulamentada pelas normas de regência, exatamente para evitar o uso da máquina pública para fins eleitoreiros. Evidente que algum integrante da situação governamental há de ser candidato e, portanto, será vinculado (aliás, para o bem e para o mal) com a gestão em curso.

Uma derradeira circunstância que traz necessidade de atenção é a suposta inutilidade dos certificados entregues, os quais, conforme a coligação recorrente, “não possuíam qualquer finalidade”.

Tal situação, igualmente, não faz incidir a norma de regência. Observe-se que é bastante comum tal prática: a utilização de símbolos para o registro de determinado ato de governo. Em âmbito federal, cito os exemplos apenas pela notoriedade que lhes é inerente, os casos de obras da Copa do Mundo, de 2014, e das Olimpíadas, de 2016: houve inúmeras inaugurações, entregas de chaves e de outros emblemas de gestão sem que, contudo, possa ser atribuída a pecha de conduta vedada.

Mais um elemento, apenas a título argumentativo: lembro que a Copa do Mundo ocorreu entre 12.6.2014 e 13.7.2014, e a Olimpíada entre 05.8.2016 e 21.8.2016, ou seja, em períodos inclusive mais próximos das eleições do que o evento sob exame, 18.6.2016, e tais eventos eram, de uma forma ou de outra, vinculados aos governos (federal, estadual ou municipal) de então.

Em resumo, realizou-se evento de enaltecimento de um ato de gestão sem que fosse, contudo, comprovada a vinculação a partido político, coligação ou candidato. Um dos gestores ocupava o cargo de vice-prefeito, tornando-se candidato posteriormente, o que não é vedado pela legislação.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença pelos próprios fundamentos.