E.Dcl. - 100000219 - Sessão: 09/04/2018 às 18:00

RELATÓRIO

O Tribunal Superior Eleitoral, ao apreciar Agravo de Instrumento no Recurso Especial (fls. 289-296), reconheceu ofensa aos arts. 275 do CE e 93, inc. IX, da CF, declarando a nulidade do acórdão proferido por este TRE-RS na análise dos embargos de declaração (fls. 234-237v.), em razão de ter repelido a aplicabilidade tanto das normas da legislação tributária quanto da civil, no tocante ao redirecionamento da execução fiscal à sucessão do executado, determinando o retorno dos autos para novo julgamento.

Os embargos de declaração (fls. 226-229v.) foram opostos pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) contra acórdão deste Tribunal (fls. 216-222v.) que, nos autos do RE n. 100002-19.2008.6.21.0150, não conheceu o recurso ordinário e recebeu o reexame necessário, para, afastada a prescrição intercorrente, julgar extinto o processo de execução fiscal por ausência de interesse processual, nos termos do art. 330, inc. III, do Código de Processo Civil.

Em síntese, a embargante aponta a existência de omissão e contradição, requerendo o acolhimento dos presentes embargos, com pedido de efeitos infringentes, para ser reconhecido o seu interesse processual à época da propositura da demanda, admitindo-se o redirecionamento da ação em face dos herdeiros do executado.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento dos embargos de declaração (fls. 310-315).

É o breve relatório.

VOTO

Admissibilidade Recursal

Os aclaratórios foram opostos tempestivamente, uma vez que a intimação ocorreu em 16.11.2016 (fl. 224) e a petição recursal protocolizada em 18.11.2016 (fl. 226), obedecendo-se o prazo de três dias previsto no art. 275, § 1º, do Código Eleitoral.

Preenchidos, também, os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

No mérito, a embargante aduziu ter sido omisso e contraditório o acórdão deste Tribunal que reconheceu a ausência de interesse processual da Fazenda Pública, diante da impossibilidade de redirecionar-se a execução fiscal contra o espólio, em razão de o óbito do executado ter ocorrido antes da sua efetiva citação, em desacordo com a jurisprudência e a Súmula n. 392 do STJ.

Apontou a embargante que, tratando-se de crédito não tributário, o redirecionamento da execução fiscal deve seguir o regramento previsto na legislação civil, o que autoriza o prosseguimento da ação contra os sucessores do executado.

Os aclaratórios servem para afastar obscuridade, contradição ou omissão e sanear erros materiais que emergem da decisão judicial, nos termos do art. 275, caput, do Código Eleitoral c/c o art. 1.022 do Código de Processo Civil.

Para melhor compreensão, trago à colação trecho da decisão objeto dos presentes embargos de declaração:

[…]

b) Da carência de ação

O executado Renato Selhane de Souza faleceu, conforme certidão de óbito (fl. 40), em 19.11.2010, após a propositura da execução fiscal. Porém, antes da sua citação válida.

A Fazenda Pública (fl. 77), diante do fato, requereu, com fundamento nos artigos 131, II e III, do Código Tributário Nacional - CTN, bem como no artigo 43 do Código de Processo Civil o redirecionamento da execução fiscal para a “sucessão do de cujus”, o que foi acolhido (fl. 83).

Primeiramente, conforme visto alhures, inaplicável o disposto no artigo 131 do CTN, vez que o crédito perseguido – multa eleitoral – tem natureza não tributária.

Seguindo, nos termos do art. 4º, III, da Lei 6.830⁄80, “a execução fiscal poderá ser promovida contra o espólio”.

Dessa forma, caso ainda não iniciado o inventário, poderá a execução ser direcionada ao administrador provisório; se já iniciado, ao inventariante e, se realizada a partilha, aos herdeiros, que respondem nos limites da herança.

Verifica-se, no entanto, que o óbito ocorreu antes da constituição do crédito e, em que pese não ter natureza tributária, também não é possível a aplicação do disposto no art. 43 do CPC/73 – vigente à época do fato –, uma vez que o executado Renato nunca chegou efetivamente a figurar como parte no polo passivo.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao afirmar a impossibilidade do redirecionamento da execução fiscal antes da constituição do crédito que se operacionaliza com a efetiva citação:

'PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO FISCAL - CDA EXPEDIDA CONTRA PESSOA FALECIDA ANTERIORMENTE À CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O ESPÓLIO - IMPOSSIBILIDADE.

1. Esta Corte firmou o entendimento de que o redirecionamento da execução fiscal contra o espólio só é admitido quando o falecimento do contribuinte ocorrer depois de ele ter sido devidamente citado nos autos da execução fiscal.

2. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no AREsp n. 188050 / MG 2012/0119215-6, Relatora Min. Eliana Calmon, Data de Julgamento: 17.9.2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 18.12.2015.)

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL PROPOSTA CONTRA DEVEDOR JÁ FALECIDO. CARÊNCIA DE AÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ALTERAÇÃO DO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO PARA CONSTAR O ESPÓLIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 392/STJ.

1. O redirecionamento da execução contra o espólio só é admitido quando o falecimento do contribuinte ocorrer depois de ele ter sido devidamente citado nos autos da execução fiscal. Precedentes: REsp 1.410.253/SE, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJe 20/11/2013; AgRg no AREsp 373.438/RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, DJe 26/09/2013; AgRg no AREsp 324.015/PB, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, DJe 10/09/2013; REsp 1.222.561/RS, minha relatoria, Segunda Turma, DJe 25/05/2011.

2. Nos termos da Súmula 392/STJ: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”.

3. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no REsp n. 1515580 / RS 2015/0031795-4, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 07.5.2015, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 13.5.2015)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. CDA EXPEDIDA CONTRA PESSOA FALECIDA ANTERIORMENTE À CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. NULIDADE. REDIRECIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 392⁄STJ. MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DO ART. 543-C DO CPC. OBRIGAÇÃO DOS SUCESSORES DE INFORMAR SOBRE O ÓBITO DO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL E DE REGISTRAR A PARTILHA. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. O redirecionamento contra o espólio só é admitido quando o falecimento do contribuinte ocorrer depois de ele ter sido devidamente citado nos autos da execução fiscal, o que não é o caso dos autos, já que o devedor apontado pela Fazenda municipal faleceu antes mesmo da constituição do crédito tributário. Precedentes: REsp 1.222.561⁄RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 25⁄05⁄2011; AgRg no REsp 1.218.068⁄RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 08⁄04⁄2011; REsp 1.073.494⁄RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 29⁄09⁄2010. [...]

4. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido.

(AgRg no AREsp n. 324.015  ⁄  PB, Relator Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 10.9.2013.)

Não é possível, assim, responsabilizar a sucessão/espólio do executado, uma vez que inexistente na Certidão de Dívida Ativa - CDA a sua indicação como devedor.

É que a presunção de legitimidade da CDA alcança as pessoas nela referidas, sendo inadmissível a alteração do título executivo para modificar o sujeito passivo da execução.

A Súmula n. 392 do STJ, a propósito, prevê: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”

Há, portanto, flagrante nulidade, carecendo a execução de título hábil.

Diante da inviabilidade do redirecionamento e de substituição da CDA, tratando-se de matéria de ordem pública, é de se reconhecer, pois, de ofício, a ausência de interesse processual da Fazenda Pública.

Ressalto que, no ponto, assiste razão à embargante.

A Lei n. 4.320/64, em seu art. 39, dispõe acerca dos créditos em favor da Fazenda Pública:

Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.

§ 1º Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título.

§ 2º Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.

§ 3º O valor do crédito da Fazenda Nacional em moeda estrangeira será convertido ao correspondente valor na moeda nacional à taxa cambial oficial, para compra, na data da notificação ou intimação do devedor, pela autoridade administrativa, ou, à sua falta, na data da inscrição da Dívida Ativa, incidindo, a partir da conversão, a atualização monetária e os juros de mora, de acordo com preceitos legais pertinentes aos débitos tributários.

§ 4º A receita da Dívida Ativa abrange os créditos mencionados nos parágrafos anteriores, bem como os valores correspondentes à respectiva atualização monetária, à multa e juros de mora e ao encargo de que tratam o art. 1º do Decreto-lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-lei nº 1.645, de 11 de dezembro de 1978.

§ 5º A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional.

 

In casu, o acórdão deste Tribunal (fl. 221) afirmou ser o crédito de natureza não tributária: “Primeiramente, conforme visto alhures, inaplicável o disposto no art. 131 do CTN, vez que o crédito perseguido – multa eleitoral – tem natureza não tributária.”

A substituição ou emenda da Certidão de Dívida Ativa é uma faculdade conferida à Fazenda Pública em observância ao princípio da economia processual.

Tal procedimento é admitido até a prolação da sentença nos embargos à execução, consoante dispõe o § 8º do art. 2º da Lei n. 6.830/80, in verbis:

Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

[...]

§ 8º Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos.

O § 8º do art. 2º da Lei n. 6.830/80 preceitua que: “Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos.”

O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o supramencionado dispositivo, editou o enunciado de Súmula n. 392, pacificando o entendimento de que: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”

Referido entendimento – que impossibilita alteração do sujeito passivo – está atrelado à corresponsabilidade pelos créditos tributários lançados e inscritos em nome de terceiros, ao passo que, nesse caso, a Fazenda Pública não pode ingressar diretamente em juízo, não sem o prévio processo administrativo respectivo.

Todavia, no que se refere ao caso dos autos, crédito de natureza eleitoral – não tributário –, está constituído por meio de título executivo judicial, no âmbito desta Justiça especializada.

Desse modo, aplicável a legislação civil e processual civil na espécie.

Nesse sentido, é o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 310-315):

Não se olvida que é pacífico o entendimento perante o STJ no sentido de que o redirecionamento da execução contra o espólio, em se tratando de dívida de natureza tributária, só é admitido quando o falecimento do contribuinte ocorrer depois de ele ter sido devidamente citado nos autos da execução fiscal, consoante se extrai do julgamento do AgIntnoResp 1681731, de 07/11/17.

No entanto, a hipótese dos autos afasta a incidência dos dispositivos do CTN, porquanto não se trata de dívida de natureza tributária, não se aplicando, portanto, o que disposto na Súmula 392 do STJ.

No entender deste Procurador, a constituição do crédito ora em execução independia da prévia citação do falecido devedor originário. Isso porque se trata de crédito decorrente de decisão judicial, tendo sua constituição se perfectibilizado a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória. Independe, portanto, de prévio lançamento como condição ou pressuposto de exequibilidade.

Por essa razão, e por não ter natureza tributária, é possível o redirecionamento desta execução, mesmo que ainda não perfectibilizada a citação do executado, com base na legislação civil e processual civil, conjugada com os dispositivos da LEF.

Portanto, devem ser acolhidos os embargos declaratórios para, corrigindo-se a contradição apontada, admitir o redirecionamento da execução aos herdeiros de Renato Selhane de Souza, com fundamento no art. 43 do Código de Processo Civil (1973) – aplicável à época –, pois quando do seu ajuizamento o executado estava vivo e era parte legítima para responder à ação.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e pelo acolhimento dos embargos declaratórios opostos pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) para, conferindo-lhes efeitos infringentes, determinar o retorno dos autos à origem e o prosseguimento da execução fiscal em desfavor dos sucessores do executado.