RE - 68233 - Sessão: 18/09/2018 às 16:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral de Ijuí e CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETTA interpuseram recursos contra a sentença proferida pelo Juízo da 23ª Zona Eleitoral (fls. 575-605) que, julgando parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta pelo Parquet, reconheceu a ilegitimidade passiva de EDEMAR ALVES FELLER, PAULO ROGÉRIO ASSMANN e AIRTON DA PAIXÃO DE LIMA, cassou o diploma de CLAUDIOMIRO, aplicou-lhe multa de 5.000 UFIR e declarou a sua inelegibilidade pelo período de oito anos.

Em suas razões recursais, o Ministério Público Eleitoral insurgiu-se contra a decisão na parte que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva, em relação a PAULO ROGÉRIO, AIRTON e EDEMAR. Sustentou ter restado provada a atuação desses representados como cabos eleitorais de CLAUDIOMIRO, oferecendo ou entregando bens ou vantagens a eleitores para cooptar-lhes o voto, razão pela qual devem ser penalizados com as sanções pecuniárias do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em valor não inferior a R$ 35.000,00, e declarados inelegíveis pelo prazo de oito anos. Ainda, requereu a majoração da multa aplicada a CLAUDIOMIRO para um valor não inferior a R$ 35.000,00.

O recorrente CLAUDIOMIRO, a seu turno, suscitou preliminares de cerceamento de defesa, em face da ausência de oitiva de testemunha anteriormente deferida pelo juízo e de ilicitude da utilização de prova emprestada, ao argumento de não lhe ter sido oportunizado o contraditório e a ampla defesa. No mérito, rebateu os fundamentos da sentença, sustentando não ter restado provado os fatos que lhe foram imputados (fls. 2.284-2.395).

Contrarrazões às fls. 2.401-2.414 e 2.418-2.449.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral apresentou parecer pela rejeição das prefaciais, desprovimento do recurso de CLAUDIOMIRO e provimento do apelo ministerial (fls. 2.453-2.485v.).

Sobreveio petição do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Ijuí requerendo a sua admissão no feito como terceiro interessado. Aduziu ter sido diretamente prejudicado com a sentença no ponto em que declarou nulos os votos obtidos por CLAUDIOMIRO e determinou o recálculo do quociente eleitoral e partidário. Sustentou aplicável, na espécie, em caso de manutenção da sentença, o art. 175, § 4º do Código Eleitoral, pelo qual os votos devem ser computados em favor da legenda. Requereu a intimação das partes para se manifestarem a teor do art. 120 do Código de Processo Civil, o deferimento do pedido de assistência e, ao final, o provimento do recurso para que sejam computados para a legenda os votos obtidos por CLAUDIOMIRO (fls. 2.490-2.496).

Oportunizada nova vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou favoravelmente à admissão do peticionante como assistente do recorrente/recorrido CLAUDIOMIRO, frisando que a pretendida aplicação do art. 175, § 4º do Código Eleitoral está em conformidade com o parecer já exarado (fls. 2.503v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Desa. Eleitoral Marilene Bonzanini (relatora):

Questão de Ordem

Como questão antecedente à apreciação do presente recurso, registro que deixei de determinar a intimação das partes para manifestação acerca da intervenção requerida pelo PDT, como terceiro interessado, porque a matéria pode ser apreciada de ofício.

Com efeito, de uma breve análise na parte dispositiva da sentença, vislumbro a possibilidade de correção do destino dos votos, caso mantida a cassação do representado, situação em que se aplica, de fato, o art. 175, § 4º, do Código Eleitoral e não como consignado pelo juízo a quo.

Assim, tendo em vista os princípios da celeridade, da economia processual – que norteiam o processo eleitoral e, em especial, que não haverá prejuízo para o peticionante -, deixo, de plano, de admitir a intervenção.

À análise dos recursos.

Admissibilidade

As partes foram intimadas da sentença em 04.12.2017 e 05.12.2017 (fls. 2.270 e 2.398) e os recursos interpostos, respectivamente, nos dias 07.12.2017 e 11.12.2017, lembrando que não houve expediente na Justiça Eleitoral no dia 08 de dezembro, Dia da Justiça. Tempestivos os recursos e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deles conheço.

 

Preliminares

a) Cerceamento de defesa

O recorrente CLAUDIOMIRO suscitou preliminar de cerceamento de defesa em face da ausência de oitiva do Deputado Federal Pompeo de Mattos, arrolado como testemunha em sua defesa, a qual já havia sido deferida pelo juízo. Disse que, uma vez notificado, o parlamentar, usando de sua prerrogativa legal, indicou a data de 05 de julho para ser ouvido, tendo, no dia antecedente à audiência designada para a sua oitiva, informado nova data – 29 de setembro.

Referiu que a necessidade de mudança, justificada ao juízo deprecado, se deu devido à nomeação do deputado para comissão parlamentar no dia 03 de julho. Aduziu que, posteriormente, em 26 de setembro, o deputado informou a impossibilidade de comparecer na data antes indicada e que entraria em contato com o cartório eleitoral do juízo deprecante para ser ouvido no Estado do Rio Grande do Sul.

Sustentou que o argumento utilizado pelo juízo, no sentido de ser dificultosa a oitiva da mencionada testemunha, é ilegal e não justifica o indeferimento.

Invocou o art. 454, § 3º, do CPC, nos termos do qual o magistrado deveria ter designado a data, em vez de deixar de colher o depoimento da testemunha arrolada pela parte.

Entretanto, a tese não prospera.

A decisão que indeferiu a oitiva da testemunha foi vazada nos seguintes termos:

"Em relação à testemunha Darci Pompeo de Mattos a defesa insiste na oitiva, sendo pelo juízo indeferido o pedido, na medida em que foi devidamente oportunizada à testemunha sua oitiva, por duas oportunidades, como consta na precatória remetida à Brasília, não comparecendo e sequer comprovando justificativa de impedimento; Ainda, trata-se de testemunha arrolada pela defesa que em nenhum momento do processo é referido e que não presenciou os fatos, e se o fosse para abonar conduta bastaria juntada de declaração escrita...”.

 

Andou bem o juízo de primeiro grau.

A uma, porque, de fato, não foi demonstrado nos autos a pertinência da oitiva da testemunha, não havendo nenhuma referência ao seu nome no decorrer da instrução ou indício de que ela poderia conhecer os fatos relatados na inicial.

A duas, porque, como bem referido pelo juízo, a autoridade em questão teve duas oportunidades de ser ouvida, em datas por ela indicadas, tendo simplesmente ordenado à sua assessoria que entrasse em contato por telefone com a serventia do juízo deprecado para informar impossibilidade de comparecimento. Solicitado que formalizasse a comunicação, limitou-se a enviar mensagem eletrônica desprovida de quaisquer justificativas concretas.

Não desconheço a regra do art. 454, § 3º, do CPC, invocada pelo recorrente, pela qual o juiz “designará dia, hora e local para o depoimento, quando a autoridade não comparecer, injustificadamente, à sessão agendada para a colheita de seu testemunho no dia, hora e local por ela mesma indicados”. Entretanto, as circunstâncias do caso concreto levaram, acertadamente, ao indeferimento da prova.

Vejamos: A carta precatória foi expedida ao juízo eleitoral de Brasília em 06.4.2017 (fl. 1.898), tendo o Deputado Federal recebido o ofício do juízo deprecado no dia 17.5.2017 (fl. 2.075). No documento, o magistrado solicitou a compreensão do parlamentar para que respondesse ao ofício em tempo hábil de ser ouvido no prazo de 30 dias, citando a questão de ordem suscitada nos autos da Ação Penal n. 421, na qual o Supremo Tribunal Federal definiu que a autoridade, para se valer da prerrogativa, deve prestar seu depoimento em até trinta dias após ser comunicada.

Todavia, não obstante a súplica do juízo, a data indicada foi a de 05 de julho (fl. 2.080), a qual foi posteriormente desmarcada com a justificativa genérica de “atividades parlamentares” e com a informação de que “oportunamente entraremos em contato para agendarmos nova data”.

Apenas em 11 de setembro de 2017, depois de ter sido contatado pelo cartório eleitoral (fl. 2.098), sobreveio nova mensagem do deputado, dessa vez indicando a data de 27.9.2017 para ser ouvido.

Na sequência, um dia antes da audiência especialmente designada pelo juízo deprecado para colher o depoimento, sobreveio novo e-mail da assessoria do parlamentar simplesmente informando “a impossibilidade do Dep. Pompeo de Mattos participar da audiência” e que seria feito contato com o juízo de Ijuí para ser ouvido no Estado do Rio Grande do Sul (fl. 2.115).

Ora, só no período compreendido entre o recebimento do ofício da Justiça Eleitoral para que indicasse a data da audiência e essa última mensagem, passaram-se 132 dias, mais de um terço do tempo máximo previso no art. 97-A, caput e § 1º, da Lei n. 9.504/97, para tramitação do processo em todas as instâncias da justiça eleitoral:

Art. 97-A. Nos termos do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, considera-se duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1º A duração do processo de que trata o caput abrange a tramitação em todas as instâncias da Justiça Eleitoral.

Com a devida vênia, entendo que a alegação genérica de “atividade parlamentar” não serve como justificativa para não comparecimento a duas audiências cuja data foi escolhida pelo próprio deputado, uma vez que é justamente a sua atividade que possibilita a prerrogativa de escolher local e data para ser ouvido.

Tal sucessão de fatos bem justifica os fundamentos utilizados pelo juízo de que a oitiva era dificultosa, não tendo o recorrente logrado êxito em demonstrar que a testemunha pleiteada tinha algum conhecimento dos fatos a ponto de justificar tamanho arrastamento da marcha processual.

É cediço que, para ser deferida, a prova deve ser vislumbrada, ainda que em tese, como potencialmente modificadora da convicção do julgador.

Nesse sentido, pacificado na jurisprudência o entendimento de que não configura cerceamento de defesa o indeferimento de prova quando o julgador entender que ela é prescindível para o deslinde da demanda.

A respeito, a título exemplificativo, o seguinte julgado deste Tribunal:

Recurso. Registro de candidatura. Impugnação. Cargo de vereador. Inelegibilidade. Desincompatibilização. Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

Decisão do juízo eleitoral pela improcedência da impugnação e deferimento do registro de candidatura, por entender preenchidos os requisitos legais.

Preliminar afastada. Não vislumbrado cerceamento de defesa. Cabe ao magistrado verificar a pertinência ou não das provas requeridas pelas partes.

Exigência de afastamento de três meses anteriores à data do pleito para os membros de conselhos municipais, porquanto equiparados a servidores públicos, nos termos do art. 1º, inc. II, al. “l”, da LC n. 64/90. Na condição de membro do conselho municipal da saúde, provada a sua desincompatibilização por meio da declaração firmada pelo presidente do aludido órgão, no sentido do desligamento das funções em tempo hábil.

Provimento negado

(TRE/RS - RE n. 23550, Relatora Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, PSESS em 11.10.2016) (Grifei.)

No mesmo sentido, entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2008. AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSOS ESPECIAIS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONDUTA VEDADA. ABUSO DE PODER. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. O art. 130 do CPC permite ao juiz determinar a produção das provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias, o que não configura cerceamento de defesa.

2. A Corte de origem, analisando o conjunto fático-probatório dos autos, entendeu por atribuir, a cada um dos agravantes, as três infrações - captação ilícita de sufrágio, conduta vedada e abuso do poder político - ante a "coautoria nas condutas, a identidade de desígnios e a unidade de benefícios recíprocos". Adotar conclusão diversa demandaria, efetivamente, o revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial (Incidência dos Enunciados nos 7/STJ e 279/STF).

3. O bem jurídico a ser protegido com a proibição do abuso é de titularidade coletiva, sendo suficientes, para demonstrar o liame entre a prática da conduta e o resultado do pleito, a sua gravidade e aptidão para macular a igualdade na disputa.

4. Agravos regimentais desprovidos.

(Recurso Especial Eleitoral nº 872331566, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 116, Data 25.6.2014, Página 62.)

 

Esclareço, por fim, tendo em vista os argumentos trazidos em sede de memoriais, que muito embora conste nos autos degravação de diálogo ocorrido entre Darci Pretto e o Deputado Pompeo de Mattos, trata-se de material que apenas está no processo porque foi juntado aos autos cópia integral do Procedimento Preparatório, mas tal conversa não embasou a inicial, tampouco a condenação, ao menos não neste processo. 

Por essas razões, a preliminar deve ser rejeitada.

 

b) Ilicitude da utilização de prova emprestada

O recorrente CLAUDIOMIRO alegou a ilicitude da utilização de provas produzidas no bojo de procedimento preparatório instaurado. Argumentou que não lhe foram oportunizados o contraditório e a ampla defesa no processo de origem, tendo o próprio sentenciante reconhecido que a observância a tais princípios era inviável. Invocou precedentes do TSE visando confortar a sua tese.

Tais provas consistem em documentos resultantes de diligência, buscas e apreensões e interceptações telefônicas, efetivadas mediante autorização judicial nos autos do Procedimento Preparatório n. 00795.00305/2016 instaurado pelo Ministério Público Eleitoral.

Dentre outros materiais e documentos, foi apreendido, na residência de CLAUDIOMIRO, um notebook, no qual estava armazenada uma conversa entabulada entre ele e o então prefeito de Ijuí acerca da campanha eleitoral. Mencionado diálogo, ao que tudo indica, gravado pelo primeiro, faz parte do acervo probatório contra o qual se insurge o recorrente.

Razão não lhe assiste.

Primeiramente, esta Corte já teve oportunidade de apreciar preliminar idêntica suscitada pela mesma parte nos autos do RE n. 391-33.2016.6.21.0023, relativos à prestação de contas de campanha de CLAUDIOMIRO, de relatoria do Desembargador Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, julgado em 21.9.2017, tendo, por unanimidade, rejeitado a prefacial.

Do corpo do acórdão, extraio o seguinte excerto:

Pelo que consta na petição da fl. 16 e v., o Ministério Público afirma que os documentos contestados são “provas obtidas nos autos dos expedientes números 363-65.2016.6.21.0023, 366-20.2016.6.21.0023 e, 368-87.2016.6.21.0023”.

A numeração identifica ações em trâmite na 23ª Zona Eleitoral – Ijuí, das quais a mais antiga foi protocolada em 01.10.2016, o que afasta o argumento de ser documentação não judicializada. Nesses feitos, foram autorizadas a interceptação telefônica e a ordem de busca e apreensão de documentos, em procedimento que foi denominado “Operação Caixa de Pandora” (fl. 41).

Observo também que a documentação foi admitida nos autos como prova emprestada, com expressa autorização judicial para o compartilhamento (fl. 17), e que o recorrente teve oportunidade de sobre essa se manifestar, o que permite a análise conjunta da preliminar de nulidade pelo aproveitamento de provas imputadas unilaterais.

Os documentos juntados aos autos não foram produzidos pelo Ministério Público, e sim mediante apreensão de documentos e realização de interceptação telefônica, circunstâncias a afastarem caráter de unilateralidade.

Veja-se que, após a juntada da documentação, o recorrente teve vista dos autos. Oportunizada, portanto, sua manifestação, bem como prestigiado o contraditório.

Para fins de confirmar a inviabilidade do acolhimento das preliminares suscitadas, colaciono precedentes do Tribunal Superior Eleitoral no sentido da admissibilidade de prova emprestada em processo no qual não tenham sido parte, originariamente, as partes agora atuantes, bem como a licitude de transposição de prova produzida em outra espécie de ação:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AIJE. VEREADOR. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO COMPROVADOS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS. DESPROVIMENTO.

[...]

8. É lícita a utilização de prova emprestada de processo no qual não tenha sido parte aquele contra quem venha a ser utilizada, desde que lhe seja permito o contraditório. Precedente.

[...]

(Recurso Especial Eleitoral n. 958, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 229, Data 02.12.2016, Página 45-46.)

 

ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. VEREADORA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. GRAVAÇÃO TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA EMPRESTADA. LICITUDE DA PROVA. MANUTENÇÃO DE DECISÃO AGRAVADA.

1. Não há omissão no acórdão regional quando o TRE se manifesta expressamente sobre a suposta ilicitude da prova e conclui que a interceptação telefônica foi produzida de maneira lícita, porquanto se fundamentou em ordem de autoridade judicial competente, determinada no âmbito de investigação criminal, nos termos da Lei nº 9.296/1996.

2. Conforme já decidiu o TSE, "é assente na jurisprudência deste Tribunal e na do Supremo Tribunal Federal a possibilidade de transposição para o processo eleitoral de prova produzida na seara penal, quando licitamente obtida por meio de interceptação telefônica realizada com autorização judicial para instruir investigação criminal" (AgR-REspe nº 453-31/SC, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 1º.10.2015).

3. O TRE assentou que foram atendidos os requisitos legais para realização da interceptação telefônica, tendo sido concedida a oportunidade às partes de exercer o contraditório e a ampla defesa no âmbito do processo eleitoral. É inviável proceder a novo enquadramento jurídico dos fatos para fins de alterar a conclusão regional quanto ao caráter lícito da prova, pois o acórdão está em consonância com o entendimento do TSE. Precedente.

4. Decisão agravada mantida por seus fundamentos. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 804040, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 211, Data 04.11.2016, Página 172-173.)

 

Na presente ação, a inicial já foi instruída com cópia do procedimento preparatório. Tão logo produzido e juntado o relatório da análise referente à extração de dados do notebook (fls. 1510-1552), antes da instrução processual, foi intimado o recorrente (fls. 1.565-1568), o qual teve a oportunidade de se manifestar e assim o fez (fls. 1.570-1574).

Dessa forma, as provas estiveram ao alcance do investigado desde o início, o qual teve oportunidade de exercer plenamente o contraditório e a ampla defesa.

Acrescento não calhar, ainda, a alegação de que a decisão judicial que autorizou a extração de dados, no já citado procedimento preparatório, carece de fundamentação necessária a embasar a violação à privacidade e à intimidade do recorrente.

A decisão que autorizou a busca e apreensão de aparelhos de telefone celular, tablets e computadores foi fundamentada à exaustão e a extração de dados, como consequência, devidamente autorizada.

No mesmo sentido, diferentemente do alegado no item 3.19 (fl. 2.298), o acesso aos dados do computador não se deu sem autorização judicial. Da mesma forma, o ROHC 51.531, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, invocado e citado, em parte, pelo recorrente, não se presta como paradigma para o caso concreto, uma vez que, na situação lá tratada, a autoridade policial realizou apreensão de aparelho celular e acessou os respectivos dados, ambas as medidas desprovidas de autorização judicial.

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça firmou convicção no sentido de não haver nulidade quando a decisão que determina a busca e apreensão está suficientemente fundamentada e determina, expressamente, o acesso aos dados armazenados nos aparelhos eventualmente recolhidos. Vejamos:

PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO "LAVA-JATO". MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. APREENSÃO DE APARELHOS DE TELEFONE CELULAR. LEI 9296/96.

OFENSA AO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA.

DECISÃO FUNDAMENTADA QUE NÃO SE SUBORDINA AOS DITAMES DA LEI 9296/96. ACESSO AO CONTEÚDO DE MENSAGENS ARQUIVADAS NO APARELHO.

POSSIBILIDADE. LICITUDE DA PROVA. RECURSO DESPROVIDO.

I - A obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei 9296/96.

II - O acesso ao conteúdo armazenado em telefone celular ou smartphone, quando determinada judicialmente a busca e apreensão destes aparelhos, não ofende o art. 5º, inciso XII, da Constituição da República, porquanto o sigilo a que se refere o aludido preceito constitucional é em relação à interceptação telefônica ou telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos.

III - Não há nulidade quando a decisão que determina a busca e apreensão está suficientemente fundamentada, como ocorre na espécie.

IV - Na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal.

V - Hipótese em que, demais disso, a decisão judicial expressamente determinou o acesso aos dados armazenados nos aparelhos eventualmente apreendidos, robustecendo o alvitre quanto à licitude da prova.

Recurso desprovido.

(RHC 75.800/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15.9.2016, DJe 26.9.2016)(Grifei.)

 

Com essas ponderações, afasto as preliminares.

Mérito

Cuida-se de apreciar os recursos interpostos pelo Ministério Público Eleitoral - MPE e por CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETTA (eleito ao cargo de vereador no município de Ijuí, no pleito de 2016) nos autos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), cumulada com Representação, proposta pelo Parquet, julgada parcialmente procedente pelo Juízo da 23ª Zona Eleitoral de Ijuí (fls. 2.250-2.269), por infração aos arts. 30-A e 41-A da Lei das Eleições e cometimento de abuso do poder econômico.

Ao exame individualizado dos recursos:

Do recurso do Ministério Público Eleitoral

O MPE recorreu da decisão no ponto em que julgou extinta a ação sem julgamento do mérito em relação aos investigados PAULO ROGÉRIO ASSMANN, AIRTON DA PAIXÃO DE LIMA e EDEMAR ALVES FELLER e pleiteia a majoração da pena de multa aplicada a CLAUDIOMIRO.

Afirma ter restado provada a participação desses recorridos na prática do ilícito de captação ilícita de sufrágio, sustentando que o terceiro não candidato pode figurar no polo passivo da demanda, uma vez que a pena de multa e declaração de inelegibilidade, nos termos do art. 41-A da Lei das Eleições, é aplicável a candidatos, partidos e coligações.

Adianto que o apelo não merece guarida.

Isso porque o caput do art. 41-A da Lei das Eleições, além de referir de forma expressa condutas praticadas por candidato, estabelece sanção apenas àquele (candidato) que pratique ou seja beneficiado pelos fatos, consentindo ou anuindo com a conduta ilícita.

Transcrevo abaixo o dispositivo em comento:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.

 

A matéria foi reiteradamente apreciada pelo c. Tribunal Superior Eleitoral, o qual assentou, em consolidada jurisprudência, que terceiros não-candidatos não detêm legitimidade para responder pela infração do art. 41-A, conforme exemplificam as ementas dos seguintes precedentes daquela Corte Superior:

ELEIÇÕES 2014. RECURSOS ORDINÁRIOS. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS EM PROL DA CANDIDATURA DA IRMÃ DO PREFEITO. CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE PODER E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO PARA A RESPONSABILIZAÇÃO DE CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. RESCISÃO DECONTRATOS TEMPORÁRIOS APÓS AS ELEIÇÕES E ANTES DA POSSE DOS ELEITOS. CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA VEDADA NO CASO CONCRETO APESAR DE NÃO PRATICADA NA CIRCUNSCRIÇÃO DO PLEITO. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA AO NÃO CANDIDATO.

(...)

Impossibilidade da condenação do não candidato por captação ilícita de sufrágio.

13. Somente o candidato tem legitimidade para responder pela captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997.

Precedentes do TSE.(Recurso Ordinário nº 1032, Acórdão, Relator(a) Min. ROSA WEBER, Publicação: DJE - Diário justiça eletrônico, Data 06.4.2018) (Grifei)

 

ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE RECURSAL AFASTADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE TERCEIRO NÃO CANDIDATO. AUSÊNCIA DE PROVAS

ROBUSTAS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL. DESPROVIMENTO.

(...)

2. Somente o candidato possui legitimidade para figurar no polo passivo de representação fundada no art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral.

(TSE, Recurso Ordinário nº 133425, Acórdão, Relator(a) min Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 44, Data 06.3.2017, Página 81) (Grifei)

 

 

ELEIÇÕES 2016. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA J. LEI COMPLEMENTAR 64/90, ARTIGO 1º, INCISO I. CONDENAÇÃO. CONDUTA VEDADA. AGENTE PÚBLICO. MULTA. CANDIDATO. CASSAÇÃO. INTERPRETAÇÃO.

(...)

12. Consoante pacífica jurisprudência deste Tribunal, na hipótese de captação ilícita de sufrágio, somente o candidato que praticou a compra de voto ou a ela anuiu tem legitimidade para compor o polo passivo da representação

(...)

Recursos especiais providos, por maioria.

(TSE – REspe n. 40487 – Rel. Min. Henrique Neves da Silva – PSESS 27.10.2016.) (Grifei)

 

Embora se trate de tema doutrinariamente controvertido, este Tribunal alinhou-se ao entendimento do TSE, consoante jurisprudência a seguir colacionada:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CANDIDATOS AOS CARGOS DE PREFEITO E VICE. NÃO ELEITOS. VEREADORA ELEITA. PREFEITO E VEREADOR À ÉPOCA DOS FATOS. SECRETÁRIO MUNICIPAL. SERVIDOR PÚBLICO. EMPRESÁRIO. ELEIÇÕES 2016. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS. ART. 30-A DA LEI N. 9.504/97. ABUSO DE PODER. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. CONDUTAS VEDADAS. ART. 73 DA LEI N. 9.504/97. PRELIMINAR DE OFÍCIO RELATIVA À ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS TERCEIROS NÃO CANDIDATOS PARA RESPONDEREM POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NO PONTO. AFASTADAS AS ARGUIÇÕES DE NULIDADE DA PROVA, DO PROCESSO E DA CONDENAÇÃO BASEADA EM INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. REJEITADAS AS PREFACIAIS DE OMISSÃO NA PETIÇÃO INICIAL. MÉRITO. OFERTA DE TERRENOS PÚBLICOS EM TROCA DE VOTOS. COBRANÇA DE PERCENTUAL SOBRE VENCIMENTOS DE SERVIDORES MUNICIPAIS COMISSIONADOS. COBRANÇA DE VALORES DE EMPRESAS QUE POSSUÍAM CONTRATO COM A PREFEITURA. USO DE BENS IMÓVEIS E DE SERVIÇOS CUSTEADOS PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL EM BENEFÍCIO DE CAMPANHA ELEITORAL. OFERTA DE BENESSES EM TROCA DO VOTO. COMPROMETIDA A LEGITIMIDADE DO PLEITO E A LIBERDADE DE ESCOLHA DOS ELEITORES. MULTA. INELEGIBILIDADE. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO. PREQUESTIONADA A MATÉRIA DE DEFESA.

(...)

2. Preliminar de ofício. Ilegitimidade passiva ad causam dos terceiros não candidatos, para responderem por captação ilícita de sufrágio. Diretriz jurisprudencial fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Extinção do processo, sem resolução do mérito com relação a dois recorrentes, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil. Prosseguimento do feito em relação aos demais demandados não concorrentes ao pleito, também responsabilizados pela prática de abuso de poder e condutas vedadas.

(…)

(Grifei.)

(TRE/RS – RE n. 68276 – Rel. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes – J. 02.4.2018) (Grifei)

 

 

Mais recentemente, em acórdão da minha lavra, assim novamente se manifestou este Regional:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. TERCEIRO NÃO CANDIDATO. CONDENAÇÃO. MULTA. PRELIMINAR DE OFÍCIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ART. 485, INC. VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Preliminar de ofício. Ilegitimidade passiva de terceiro que não concorreu ao pleito. O caput do art. 41-A da Lei das Eleições faz referência de forma expressa às condutas praticadas por candidato, estabelecendo sanção apenas àquele que pratica ou que seja beneficiado pelos fatos, consentindo ou anuindo com a conduta ilícita. Inaplicável para quem não possui a condição de candidato.

Extinção sem resolução do mérito.

(TRE-RS – RE 617-11 – Rel. DESA. ELEITORAL MARILENE BONZANINI – J. Sessão de 16.8.2018)

 

Logo, tratando-se da Representação fundada no art. 41-A, os terceiros não-candidatos não detêm legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, devendo ser mantida a sentença que julgou extinta a representação sem resolução do mérito em relação a PAULO ROGÉRIO ASSMANN, AIRTON DA PAIXÃO DE LIMA e EDEMAR ALVES FELLER.

O pedido de majoração da multa aplicada a CLAUDIOMIRO será apreciado oportunamente, caso mantida a condenação.

Do recurso interposto por CLAUDIOMIRO

Em suas razões, CLAUDIOMIRO alegou inexistir nos autos comprovação de que tenha doado, oferecido, prometido ou entregue algo em troca de voto, tendo a sentença condenatória se baseado em meras ilações do Ministério Público. Sustentou não ter sido identificado nenhum eleitor que tivesse recebido benesse em troca do voto.

De início, esclareço que a ação foi proposta pelo Ministério Público Eleitoral em face da suposta captação ilícita de sufrágio que teria sido praticada por CLAUDIOMIRO, durante a campanha eleitoral de 2016, consistente, basicamente, na distribuição de vales-combustíveis e de ranchos a eleitores, como forma de captar-lhes o voto.

A inicial foi instruída com farta documentação extraída do procedimento preparatório n. 00795.00305/2016 instaurado, pelo Ministério Público Eleitoral, a partir de diligência realizada no Posto Burmann, na data de 30.9.2016 (relatório às fls. 770-776), que deflagrou a chamada operação “Caixa de Pandora”. Com a diligência, teria vindo à tona um esquema de distribuição de combustíveis em troca de voto, comandado, no que interessa a estes autos, pelo representado CLAUDIOMIRO e seus cabos eleitorais.

Dentre as medidas efetivadas no mencionado procedimento preparatório, tem-se a realização de buscas e apreensões em que foram recolhidos vales-combustíveis, blocos de compras de mercados locais e computador, do qual foram extraídos os dados.

A primeira busca foi realizada no Posto Burmann em 1º de outubro de 2016, véspera das eleições, e resultou na apreensão, entre outros, dos seguintes documentos:

- 41 vales-combustíveis de 05 e 10 litros, dentre os quais 18 com a sigla CP e 23, contendo a inscrição “haver” e a sigla PZ;

- um cheque emitido por CLAUDIOMIRO, datado de 24.9.2016, no valor de R$ 8.184,00 pré-datado para 10.11.2016;

- agenda contendo anotações que evidenciam a aquisição de combustível por CLAUDIOMIRO no valor de R$ 2.260,00 (Termo de Conferência às fls. 791-799 e Relatório às fls. 849-867).

Ao ser ouvido no Ministério Público, o gerente do posto, João Carlos Bevilaqua, informou que a sigla “CP” correspondia a Claudiomiro Pezzetta e que todos os vales com as siglas “PZ” e “CP” eram de CLAUDIOMIRO.

Segundo os frentistas Lucas Zervieski de Conz e Luciano Andrade da Costa, também ouvidos na fase preparatória, alguns clientes teriam afirmado que receberam os vales dos então candidatos Darci Pretto e CLAUDIOMIRO e, ainda, que o sistema de vales é normal, mas aumentou muito no mês de setembro.

Na sequência, o MPE promoveu, mediante autorização judicial, outras medidas, como interceptações telefônicas, mandados de busca e apreensão e quebra de sigilo fiscal, as quais teriam comprovado a existência de outras práticas delituosas por parte de CLAUDIOMIRO, como distribuição de ranchos e pagamento de jantares a eleitores.

Nos termos do relatório que instrui a inicial, em busca e apreensão realizada na casa de CLAUDIOMIRO no dia 18.10.2016 (fls. 724-739), foram recolhidos:

a) 12 vales-combustíveis de 10 litros, com a inscrição “haver” e a sigla PZ, no valor de R$ 39,50 cada;

b) bloco de autorização de compra do Mercado Santo Antônio, numerado de 501 a 550, pertencente a Paulo Rogério Assmann (conforme anotação à fl. 1.000), com os números 501 a 515 já preenchidos, autorizando a compra de ranchos, galetos, pães e refrigerantes. As ordens eram retiradas, na maioria, por Airton da Paixão de Lima, conhecido como Pretinho;

c) blocos de autorização de compras da Fruteira Rei das Frutas, já utilizados os números 5801 a 5827, somando mais de 298 kg de galeto, além de pães e refrigerantes. O esquema, nesse estabelecimento, teria sido operado por Edemar Feller e Airton da Paixão.

d) anotações relativas à entrega de materiais de construção, tais como, areia, tijolos, terra, pedra, cimento e outras, como “ver máquinas, ver iluminação pública, ver estágio para filha Gilberto, encascalhamento, tubos e patrolamento” (fl. 17).

e) um aparelho notebook do recorrente CLAUDIOMIRO, no qual estava armazenada a gravação de uma conversa ocorrida entre aquele e Fioravante Batista Ballin, então prefeito de Ijuí, a respeito da campanha eleitoral.

A interceptação telefônica, por seu turno, revelou um diálogo entre CLAUDIOMIRO e Edemar Feller tratando da necessidade de agilizar o agendamento de uma cirurgia de olhos para uma moradora de Ijuí e uma conversa entre João Carlos Beviláqua (gerente do Posto Burmann) e Edson Burmann reconhecendo o que chamaram de “farra dos combustíveis” e elogiando a ação do Ministério Público.

Na defesa de fls. 1.457-1.491 e nos memoriais apresentados às fls. 2.155-2.248 CLAUDIOMIRO sustentou que a maioria dos documentos que instruem a inicial não tem relação com os fatos a ele imputados, alguns porque se referem a terceiros, outros por serem documentos particulares antigos do recorrido, sem qualquer relação com o pleito.

Alegou que, não tendo sido identificado nenhum eleitor, estar-se-ia tutelando direitos difusos e que os veículos que abasteciam e apresentavam os vales estavam adesivados com propaganda do candidato, o que afastaria qualquer acusação de compra de votos.

Disse que o cheque de R$ 8.184,00 se refere a pagamento de dívidas particulares atinentes a abastecimento de veículos seus e de seus familiares.

Sustentou a licitude da utilização de vales-combustíveis para abastecimento de veículos a serviço da campanha eleitoral.

Afirmou que não foram 41 veículos abastecidos no dia anterior à eleição, mas apenas 17, os quais teriam sido utilizados na campanha, bem ainda que a sigla CP referia-se à campanha.

Argumentou que o aumento do fluxo de clientes no posto na véspera da eleição não pode ser a ele atribuída nem constituiria razão para condenação.

Sobre o bloco de compras do Mercado Santo Antônio, aduziu que era de propriedade de Paulo Assmann, sem qualquer relação com a campanha eleitoral. O relativo à Fruteira Rei das Frutas, corresponderia à alimentação dos colaboradores da campanha eleitoral, custeadas por eles mesmos.

Afirmou que a conversa telefônica a respeito da realização de cirurgia para a eleitora Catarina ocorreu em 12.10.2016, depois da eleição, não tendo nenhuma relação com o pleito, bem ainda que as anotações encontradas na sua residência diziam respeito à sua atividade parlamentar, vez que sempre buscou encaminhar demandas dos cidadãos de Ijuí.

O julgador de primeiro grau, reconhecendo as práticas de captação ilícita de sufrágio, de gastos ilícitos de recursos, descritas no Art. 41-A e 30-A da Lei n. 9.504/97 e o abuso de poder econômico, julgou procedentes os pedidos e cassou o diploma do recorrente CLAUDIOMIRO, aplicando-lhe multa de 5.000 (cinco mil) UFIR e declarando a sua inelegibilidade pelo prazo de oito anos.

Do cotejo das argumentações das partes com as provas produzidas, tenho como acertado o juízo de procedência.

Os ilícitos embasadores da condenação, no que diz respeito à representação, estão assim disciplinados na Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei n. 9.840, de 28.9.1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

 

Art. 30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

 

Pelo que se extrai da norma, para que reste configurada a conduta prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 é necessária a conjugação de quatro elementos: a) a conduta seja praticada pelo candidato, por si ou por interposta pessoa; b) que haja doação, oferecimento, promessa ou entrega de vantagem de qualquer natureza; c) que seja direcionada a eleitor; e d) que haja a finalidade de obtenção do voto.

No dizer de Rodrigo Lopez Zílio,

“A captação ilícita de sufrágio é uma das facetas da corrupção eleitoral que pode ser resumida como ato de compra de votos. Tratando-se de ato de corrupção, a captação indevida de sufrágio necessariamente se caracteriza como uma relação bilateral e personalizada entre o corruptor e o corrompido. Em síntese, a captação ilícita de sufrágio se configura quando presentes os seguintes elementos a) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc); b) a existência de uma pessoa física (o eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter votos); d) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição. 1Zílio. Rodrigo Lopez. Direito Eleitoral. Editora Verbo. 2016. 5â ed. p. 573.

 

O entendimento do e. Tribunal Superior Eleitoral é de que não é indispensável, para a configuração do ilícito, a precisa identificação do eleitor:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2002. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO. DEPUTADO DISTRITAL UTILIZAÇÃO. NOME. COOPERATIVA. DISCURSO POLÍTICO. OFERTA. ELEITORES. LOTES. PREÇOS IRRISÓRIOS. CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. INCIDÊNCIA. ART. 41-A DA LEI NS 9.504/97.

- Para a caracterização do ilícito do art. 41-A da Lei ne 9.504/97, "(...) não se torna necessário que o ato de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo próprio candidato. É suficiente que, sendo evidente o benefício, do ato haja participado de qualquer forma o candidato ou com ele consentido". Não é indispensável, outrossim, a identificação dos eleitores que receberam os benefícios e vantagens. - Hipótese em que as provas carreadas para os autos estão a corroborar a tese de que o recorrido efetivamente foi o responsável pela iniciativa da venda facilitada de lotes que era feita em prol de sua candidatura por intermédio de entidade cooperativa. - Recurso provido. (Recurso Ordinário ns 787, Acórdão de, Relator(a) Min. Francisco César Asfor Rocha, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 10.02.2006, Página 132)

 

Razoável esse entendimento, a meu juízo, uma vez que a captação ilícita de sufrágio, em regra, é praticada “na surdina”, de forma mascarada, o que dificulta a obtenção da prova. O que se percebe nos processos desta natureza é que o eleitor corrompido, quando chamado em juízo, pouco esclarece a respeito dos fatos, chegando, não raras vezes, a mudar o depoimento prestado nos procedimentos preparatórios, seja por receio de represálias dos corruptores, seja pelo fundado receio de responder pelo ilícito na forma passiva.

De qualquer sorte, no caso concreto, existem elementos que tornam os eleitores, no mínimo, identificáveis, como por exemplo, a tabela com placas de veículos que abasteciam no momento da realização de diligência realizada e nome dos respectivos proprietários (fls. 775-776).

Ademais, a própria defesa alega que as pessoas que abasteciam eram filiadas ao seu partido, ou seja, trata-se de um grupo determinado de eleitores, plenamente identificáveis, fato que, no dizer de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral – 12. ed. - São Paulo: Atlas, 2016. pg.729), enquadra a oferta de vantagem, se comprovada, na moldura do art. 41-A da lei eleitoral.

Pois bem.

Analisei, de forma pormenorizada, o depoimento das testemunhas e informantes ouvidas em juízo, sob o crivo do contraditório, e destaco o seguinte:

COLINS LUCAS MOREIRA – policial, participou do cumprimento do mandado de busca e apreensão no posto de combustível, onde se apreenderam, na área administrativa próxima dos caixas, vales-combustíveis com as siglas PZ, um cheque emitido por CLAUDIOMIRO, no valor de “oito mil e alguma coisa”. Não participou do cumprimento do segundo mandado de busca e apreensão. Participou de diligência anterior, na qual chamou a sua atenção o grande número de veículos abastecendo, portando adesivos de candidatos. Alguns clientes, aparentemente, não realizavam pagamento, apenas entregavam papéis; outros se dirigiam ao caixa e assinavam algum documento. Confirmou a apreensão de vales conforme relatado na inicial com a sigla PZ e a inscrição “haver” – além de papeizinhos com quantidades de combustíveis, de cinco e dez litros. Participou também da medida de interceptação telefônica. Indagado pela promotora, respondeu ter chamado a sua atenção uma conversa de CLAUDIOMIRO com o ex-prefeito Ballin, na qual ele, CLAUDIOMIRO, relata praticamente todos os gastos de campanha, citando que, na semana da conversa, já teria pago o valor de R$ 8.184,00 ao Posto Burmann, além de falar de outros lugares em que estaria devendo e que Pretinho estaria pedindo muitos litros de combustíveis para ele e que já estava apavorado com a situação.

EDSON MAURÍCIO PALÁCIO FAGUNDES – policial, foi feito um monitoramento e, no dia seguinte, véspera da eleição, uma busca e apreensão. A delegacia de polícia fica na diagonal ao posto. Foram apreendidos valezinhos que entende serem os vistos no procedimento do dia anterior, com várias siglas, como JP, JB. Foram encontrados cheques também, de valores consideráveis. Não participou das buscas e apreensões. Referiu que naquele dia o movimento era muito maior e que os veículos estavam adesivados com propaganda dos candidatos CLAUDIOMIRO, Darci e Pretto, algum da candidatura majoritária e outro que não lembra o nome, mas que possivelmente era Adelar. Fizeram um levantamento posterior levantando as placas dos carros que haviam sido filmados. Diz que no dia da busca e apreensão realizaram uma prisão em flagrante do proprietário de uma Belina que entregou um dos “papeizinhos quadrados” junto com um santinho ao frentista. Esclareceu, depois, que a prisão não era relacionada a CLAUDIOMIRO. Encontraram materiais de outro candidato no veículo. Lembra que apreenderam vales, canhotos de cheques, dois ou três cheques, sendo um de oito mil e pouco e vales que estavam meio escondidos no balcão do posto. Na interceptação, ficou com cinco alvos, mas não tem certeza se ficou com a escuta de CLAUDIOMIRO, especificamente, porque eram muitas. Chamou a sua atenção a quantidade de materiais que foram apreendidos nas residências, como mais valezinhos de combustíveis e outros de ranchos e ranchinhos, anotações de galetos e de valores que ainda deveriam ser pagos aos mercados. Constataram que os valores dos cheques fechavam com as anotações encontradas na casa de CLAUDIOMIRO. Chamou a atenção a quantidade definida de combustível, de 05 a 10 litros. Perguntado sobre a destinação dos alimentos, respondeu que foi detectada conversa em que CLAUDIOMIRO refere que estaria patrocinando uma janta mas desistiu de ir porque ficou sabendo que a polícia estaria “cuidando isso aí”, então não iria para não arriscar.

JOÃO CARLOS BEVILÁQUA – Gerente do Posto Burmann: Trabalha há 35 anos para a família dos proprietários do estabelecimento. Desde o tempo que está em Ijuí, 1992, a família de CLAUDIOMIRO é cliente do posto. Dentre os vales apreendidos, alguns eram para uso particular e outros para a campanha. Indagado pelo juízo sobre ser normal as quantidades de combustível, de 05 e 10 litros, diz não saber o significado disso nem o destino. Diz que CLAUDIOMIRO “judiava” muito em relação aos pagamentos; o cheque de R$ 8.184,00 referia-se a um acerto de contas de compras anteriores, pagos com cheques devolvidos, que iam se acumulando. Os vales feitos à caneta foram feitos por ele, depoente, já os impressos foram feitos por outros funcionários do posto, mas a maioria assinados por ele; as siglas CP e PZ relacionam-se a CLAUDIOMIRO PEZZETA. Abasteciam na conta de CLAUDIOMIRO a esposa, filho, um funcionário de nome Paulo, irmãos e sobrinho.

Diz que quando está na agenda é porque foi pago; o caixa era fechado diariamente; os vales apreendidos referiam-se ao movimento do dia ou no máximo de dois dias. Confirma que os 18 vales com a sigla CP (fl. 859) e os 23 com a sigla PZ (fl. 861) apreendidos no dia 1º de outubro de 2016 referiam-se a compras antecipadas de combustíveis mediante o fornecimento de haveres. Indagado pela promotora, menciona que o controle interno n.º 16741 datado de 01.10.2016, no valor de R$ 643,00 (aos 22'18''), localizado dentro de um envelope identificado com o nome de CLAUDIOMIRO, referia-se a saldo devedor proveniente de acerto de contas, tendo ficado esse valor pendente de pagamento, esclarecendo que era uma dívida. Perguntado pela promotora como tinha certeza que CLAUDIOMIRO iria lhe pagar se tinha tanta dívida, respondeu que “mas ele não tinha tanta dívida”; ele vinha comprando há muitos anos, que existia uma amizade entre a família Pezzetta e a dos donos do posto e criaram esse hábito; que não pode afirmar se os vales eram utilizados apenas por pessoas da família de Pezzetta.

Ao ser questionado pela promotora sobre os vales, respondeu que “esses vales diversas pessoas abasteciam lá no posto”, disse que pessoas da família, outros que trabalhavam para ele e outras pessoas, que não consegue afirmar porque não conhece todo mundo; que a data dos vales eram mais do período de três meses da campanha eleitoral, que nos últimos dias da campanha teve mais movimento por causa do “corre-corre do dia”; referiu que CLAUDIOMIRO gastou, em dinheiro, quatro ou cinco mil reais no período de julho até as eleições, dos quais cerca de mil reais foram transformados em vales.

Na audiência instrutória, foi reproduzido trecho da conversa entre CLAUDIOMIRO e o então prefeito Ballin, em que foi feito referência ao pagamento de R$ 8.184,00 ao posto Burmann para que o depoente (JOÃO CARLOS BEVILÁQUA) se manifestasse a respeito, tendo ele dito que “não foi gasto tudo isso aí”, que tinha cheques devolvidos e “fiados” antigos, que tinha muito respingo do passado, que havia uma dívida de uns seis mil reais, então ele, depoente empolgou-se e pediu um cheque maior para não se incomodar mais à frente, mas que era um cheque caução, porque já havia se estressado anteriormente com Pezzetta por causa de conta.

Diz que às vezes chegava um funcionário da Câmara que trabalhava para CLAUDIOMIRO e pedia um número de vales e ele emitia os haveres.

LUCAS ZERVIESKI DE CONZ – frentista do Posto Burmann: No dia da busca e apreensão estava trabalhando no turno da noite. Faz um pouco de tudo no posto. O cliente que apresentar um vale com assinatura de funcionário do posto consegue abastecer normalmente. CLAUDIOMIRO vai toda semana ao posto e gasta de R$ 100,00 a 200,00. Quando começou a trabalhar, CLAUDIOMIRO abastecia três carros, mas na data do depoimento eram três os carros abastecidos. Os vales eram de 05, 10 e 20 litros de combustível e eram recebidos pelo posto como dinheiro. Teve cliente que, ao abastecer, disse ter recebido o vale de candidato, mas não lembra qual cliente teria feito essa afirmação, pois eram muitos os vales. Não sabe dizer se fora do período eleitoral CLAUDIOMIRO utilizava-se dos vales. Os vales ficavam no posto só até o fechamento do caixa, sendo descartados depois; assim, aqueles existentes no caixa eram os recebidos no dia. Reiterou o informado por ocasião da sua oitiva no Ministério Público de que alguns clientes que apresentavam os vales portavam adesivos de CLAUDIOMIRO mas que nenhum teria dito que recebera os vales em troca de voto. Confirmou que CLAUDIOMIRO atrasava os pagamentos.

LUCIANO ANDRADE DA COSTA – frentista do Posto Burmann há quatro anos. Estava trabalhando na noite da busca e apreensão. Diz que CLAUDIOMIRO tem dois ou três carros e costuma abastecer no posto duas a três vezes por semana. Assina a nota e acerta mensalmente, sendo essa a prática de 50% dos clientes do posto. Não sabe precisar qual o gasto mensal do CLAUDIOMIRO. Não viu CLAUDIOMIRO distribuir vale combustível. No dia da busca e apreensão estava trabalhando no caixa. Os vales ficavam no caixa até o respectivo fechamento, o que ocorre diariamente. Aqueles apreendidos referem-se ao movimento daquele dia. O gerente era o responsável pela emissão dos vales. Os carros que abasteciam continham propaganda política de diversos candidatos. A questão de vale sempre existiu no posto, por isso não estranha muito. Perguntado se anteriormente os vales também eram de valores pequenos, respondeu que “não muito”.

FIOVARANTE BATISTA BALIN – enfermeiro, prefeito à época dos fatos, ouvido como informante por ser investigado, em outro processo, em face da gravação de conversa encontrada no notebook apreendido na casa de CLAUDIOMIRO. Iniciou seu depoimento abonando a conduta de CLAUDIOMIRO e disse serem normais os contatos com os candidatos. Afirmou que o teor da conversa não passou de um “choro” de CLAUDIOMIRO sobre as dificuldades enfrentadas na candidatura, em face da realidade e de falta de recursos do partido, choro esse que não teria levado a sério.

Balin, embora tenha iniciado o seu depoimento dizendo fazer questão de ser ouvido para esclarecer os fatos, ao ser confrontado com a conversa gravada, reproduzida na audiência pela promotoria, em trechos intercalados, passou a responder que nada sabia, que desconhecia as situações relativas a fatos tratados na própria conversa. Exemplificativamente, afirmou não ter repassado nenhum recurso à campanha de CLAUDIOMIRO, mas depois de reproduzido trecho da conversa sinalizando o contrário, alegou que os valores repassados por ele a CLAUDIOMIRO, mencionados na conversa, referiam-se a assuntos pessoais sem qualquer vinculação às eleições, “coisas do passado”. Mas não esclareceu os que seriam as tais coisas do passado.

Ouvidas, ainda, as testemunhas abonatórias, conforme segue:

PEDRO JAIR SILVA – funcionário público municipal, exercente da função de agente municipal de saúde. Colaborou com a campanha de 2012, mas com a de 2016 não, porque estava com um familiar adoentado. Tomou conhecimento dos fatos apenas pela imprensa. Afirmou que ao ter encontrado CLAUDIOMIRO na rua, esse teria se queixado de que estava sem dinheiro para a campanha. Atribui a boa votação do candidato ao trabalho por ele desenvolvido quando foi secretário da saúde.

JORGE LUIZ MARTINS – servidor público, filiado ao PDT. Trabalhou na campanha à vereança da “Dona Helena”, mas se machucou e ficou em casa por dois meses. Não tem conhecimento sobe os fatos objetos da ação. Nem viu CLAUDIOMIRO na campanha.

RUBENS KORB – Cargo em comissão do Município há 12 anos, ouvido como informante por ser compadre de AIRTON, arrolado no polo passivo da ação. Não tinha conhecimento dos fatos. Participou muito pouco da campanha porque tem a mãe acamada e a esposa é deficiente visual, razões pelas quais ficava pouco tempo na rua. Atribuiu a votação de CLAUDIOMIRO ao histórico do parlamentar. Disse ser filado ao PDT há mais de vinte anos. Referiu que depois do expediente os cargos em comissão saíam da prefeitura para fazer campanha. No sábado formavam um grande grupo, incluindo pessoas contratadas pelos partidos para trabalhar na campanha.

Prossigo.

Ao contrário do alegado pela defesa, os 41 vales-combustíveis apreendidos no posto na véspera da eleição foram utilizados naquele dia, conforme se depreende do depoimento de João Carlos Beviláqua e do frentista Lucas Zervieski De Conz, que afirmaram de modo peremptório que o caixa é fechado diariamente.

Foram 41 vales-combustíveis emitidos pelo estabelecimento comercial em favor de CLAUDIOMIRO, os quais foram utilizados por diversas pessoas na véspera da eleição. A tese de que teriam sido utilizados para abastecer veículos, em campanha, não convence.

Com efeito, não foi arrolada uma testemunha sequer que confirmasse essa versão, lembrando que, em se tratando de pessoas que teriam abastecido veículos a serviço da campanha eleitoral, ou seja, colaboradores engajados na campanha, seria prova de fácil obtenção. Igualmente, apesar da referência genéria, no recurso, à realização de carreata como forma de justificar a utilização de vales-combustíveis, não foi demonstrada a concretização de nenhum evento nesse sentido.

A alegação de que a quantia se destinava a acerto de contas anteriores revela-se ainda mais insubsistente quando cotejada com outras provas produzidas nos autos, a saber:

a) Informações prestadas pelo gerente do posto: uma, de que ao receber o cheque, se empolgou e pediu para o emitente acrescentar uma quantia a mais, que ficaria de crédito para CLAUDIOMIRO ir gastando nos meses seguintes, vez que ele costumava dar trabalho, atrasando os pagamentos; outra de que o controle interno datado de 01.10.2016, de R$ 643,00, assinado por CLAUDIOMIRO, referia-se a uma dívida, um saldo que teria ficado num acerto de contas (aos 22'18'' do CD à fl. 1755).

Ora, no dia 24 de setembro CLAUDIOMIRO teria emitido um cheque de valor nominal maior do que o montante devido, ficando com um crédito, de quantia não esclarecida, para gastar nos próximos meses e, já no dia 1º de outubro, teria uma dívida com o estabelecimento no valor de R$ 643,00, decorrente de acerto anterior, feito em valor menor que o devido que teria resultado nesse saldo devedor.

O confronto dessas informações, a meu ver, neste contexto, afeta a credibilidade da testemunha João Beviláqua, gerente do posto.

b) Cheques emitidos pelo recorrente em favor do Posto Burmann, compensados pelo banco sacado, os quais foram constatados mediante quebra de sigilo fiscal:

Cheque 001626, sem data de emissão, pré-datado para 13.7.2016, no valor de R$ 156,50 (fl. 405);

Cheque 001628, emitido em 17.6.2016, pré-datado para 17.7.2016, no valor de R$ 100,00 (fl. 406);

Cheque 001631, emitido em 28.6.2016, pré-datado para 28.7.2016, no valor de R$ 222,75 (fl. 412);

Cheque 001632, emitido em 02.6.2016, pré-datado para 02.8.2016, no valor de R$ 252,80 (fl. 416);

Cheque 001639, emitido em 08.7.2016, pré-datado para 22.8.2016, no valor de R$ 1.825,00 (fl. 431);

O último cheque relacionado, no valor de R$ 1.825,00, foi devolvido pelo banco sacado por ausência de fundos (extrato fl. 414). Na busca realizada na casa de CLAUDIOMIRO, na data de 18.10.2016, foi apreendida a cártula com uma anotação grampeada com os seguintes dizeres “Pezetta 24/08 - Pagou R$ 1.500,00 do ch devolv de R$ 1.825,00” (fl. 725).

Conquanto assista razão ao recorrente no sentido de que tais cártulas tenham sido emitidas antes do período eleitoral, o que afastaria a sua finalidade eleitoreira, elas demonstram, por outro lado a) um padrão de gastos de CLAUDIOMIRO; b) pagamentos que inicialmente eram realizados em quantias pequenas, de R$ 100,00 a R$ 252,80, subiram para R$ 1.825,00 próximo do período eleitoral e c) em 24.8.2016 CLAUDIOMIRO resgatou o cheque devolvido de R$ 1.825,00 mediante o pagamento de R$ 1.500,00, tendo ficado devendo ao posto a quantia de R$ 325,00.

Não foi demonstrada pela defesa a existência de outras dívidas junto ao posto. Nenhum controle, nenhuma planilha, nada que corroborasse a tese de “respingos do passado”, como dito pelo gerente do posto a justificar a emissão do aludido cheque de R$ 8.184,00.

Essas circunstâncias, por si só, já seriam suficientes para embasar um juízo condenatório, mas ganham relevo quando examinadas em conjunto com a conversa entabulada entre CLAUDIOMIRO e o então Prefeito Ballin – que, por razões não esclarecidas, foi gravada pelo primeiro (gravação ambiental) e armazenada no notebook apreendido na sua residência. Dela, se extrai a seguinte fala (fl. 1.520):

Pezzetta – Ó, olha aqui no Posto Burmann, que eu paguei essa semana, ó, dia vinte e quatro, oito mil, cento e oitenta e quatro, aqui, ó. Isso aqui foi no mercado, cento e poucos pila. Aqui, no posto da Quinze de Novembro, comprei ali embaixo pra dá pro Feller, mil trezentos e dezesseis. O Ênio, mil novecentos e setenta só no dia vinte e quatro, aí, lá no Ênio tem mais, olha aqui. Isso no último talão, porque tenho outros (…).

 

A temática que norteou essa conversa foi, do início ao fim, a campanha eleitoral, especialmente o volume de gastos, verificando-se claramente a irresignação do então candidato CLAUDIOMIRO com o custo da campanha.

Logo, cristalino o fato de que o cheque de R$ 8.184,00 emitido no dia 24.9.2016, apreendido no Posto Burmann, teve como finalidade o pagamento de combustível utilizado em prol da campanha eleitoral.

Considerando o porte do município de Ijuí, com pouco mais de 64.000 eleitores, inadmissível um gasto dessa monta para abastecer veículos a serviço da campanha, até porque o próprio recorrente informou na sua prestação de contas a quantia de R$ 996,75 a esse título.

Essas circunstâncias, aliadas aos 41 vales-combustíveis apreendidos no Posto Burmann na véspera da eleição, idênticos aos 12 vales recolhidos depois da eleição na casa de CLAUDIOMIRO, todos datados de 28.9.2016 e com as siglas CP e PZ, siglas essas confirmadamente relacionadas a Claudiomiro Pezetta, leva à inexorável certeza de que tiveram como causa subjacente à captação ilícita de sufrágio.

Outro fato a corroborar a conclusão de que os malfadados vales serviram como instrumento de captação ilícita de sufrágio é a própria informação do recorrente de que o seu gasto oficial de campanha, com combustíveis, foi no valor de R$ 996,75.

Isso porque, só no dia 1º de outubro, foram apreendidos 41 vales no Posto Burmann. Se fossem todos de cinco litros, nos valores de R$ 19,50 ou R$ 19,75 (fl. 8), teríamos a quantia mínima de R$ 799,50, mas os vales, convém lembrar, eram de 05 e 10 litros, os últimos de R$ 38,90, o que eleva o total para além da quantia declarada na prestação de contas.

Por essa razão, inverossímil a tese da defesa de que os vales compunham gasto oficial declarado em campanha, pois isso significaria que, da data do registro de candidatura até a véspera da eleição, o candidato não teria realizado nenhum outro gasto com combustível.

Incorporo ao voto, como razões de decidir, parte da fundamentação contida no RE n. 391-33, da Relatoria do Desembargador Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, relativo à prestação de contas do ora recorrente, julgado em 21.9.2017, em que o eminente Colega bem apreendeu as peculiaridades do caso:

Trago relevo à apreensão do cheque emitido pelo candidato (pessoa física) em 24.9.16, pós-datado para 10.11.2016, no valor de R$ 8.184,00, em favor de POSTO BURMANN. A cártula, examinada em conjunto com os demais documentos constantes do processo, permite concluir que o recorrente adquiriu considerável quantidade de combustível e o distribuiu em forma de vales durante a campanha eleitoral, omitindo tais gastos em sua prestação de contas. A alegação de que o combustível destinava-se ao uso do candidato e de sua família não se sustenta, tanto em razão da quantidade de produto que tal valor representa quanto pela apreensão de outros documentos que autorizam tomar como válida a declaração de que o gasto mensal do recorrente junto ao estabelecimento girava em torno de R$ 1.500,00 (fls. 37-38v.).(Grifei.)

 

O relator foi seguido por unanimidade, tendo o Desembargador Sílvio Ronaldo de Moraes, em voto-vista, se manifestado no seguinte sentido:

No mérito, a prova coligida aos autos permite concluir que o candidato Claudiomiro Gabbi Pezzetta prestou contas da campanha eleitoral de 2016 declarando gastos de R$ 10.045,26 e omitindo despesas no valor de R$ 12.142,00, que foram localizadas pela Justiça Eleitoral mediante deferimento de ordem de busca e apreensão e de interceptação telefônica.

Conforme listagem feita pelo voto condutor, a quantia de R$ 12.142,00 é resultado da soma de despesas com combustível não declaradas pelo candidato: a) cheque de pagamento de combustível no valor de R$ 8.184,00 (fls. 25 e 82); b) anotações de aquisição de combustível, no valor de R$ 2.260,00 (fl. 32); c) anotações de aquisição de combustível, apontando R$ 1.000,00 e R$ 55,00 (fl. 34); d) impresso do posto de combustível, no valor de R$ 643,00 (fl. 135).

A quantia averiguada supera em 120,8% o total de gastos declarados nas contas.

Lida com atenção a peça recursal submetida a esta instância, tenho que as razões apresentadas, no sentido de que o gasto refere-se a combustível utilizado pelo prestador e sua família, sem relação com a campanha, não foi suficientemente demonstrada.

Embora o processo de prestação de contas não seja expediente destinado à apuração de ato ilícito, os elementos de prova juntados aos autos permitem concluir, ao menos, pela omissão de despesas, raciocínio que não logrou ser infirmado pelo recorrente. (Grifei.)

 

Quanto à alegação do recorrente no sentido de que os veículos que abasteciam mediante apresentação de vales continham adesivo do candidato e eram filiados ao seu partido político, anoto que tal fato não afastaria, de per si, a acusação de captação ilícita de sufrágio e, de qualquer sorte, conforme consta no relatório referido na própria peça recursal, alguns dos veículos possuíam adesivos de candidatos, não todos.

Na mesma linha, ao contrário do alegado, não há distorção entre os fatos narrados na inicial no sentido de que “não foi observado o pagamento em qualquer espécie...” e o conteúdo do relatório de diligência em que consta “não foi possível identificar se houve pagamento” (expressão que, na verdade, está atrelada apenas ao veículo IBB-1061).

Trata-se apenas de modos diferentes de dizer que os observadores não viram a realização de pagamento pelos clientes.

Mesmo que assim não fosse, tais fatos não alteram a circunstância de terem sido apreendidos os vales, as anotações e o cheque no posto, no dia seguinte à diligência.

Com essas considerações, alinho-me ao entendimento do juízo monocrático no sentido de configurada a prática do ilícito previsto no art. 41-A da Lei das Eleições, de cuja sentença extraio o seguinte trecho, o qual agrego as minhas razões de decidir:

No caso em comento tenho que efetivamente há provas robustas e suficientes a amparar a pretensão posta.

 

Atinente à prova, tenho que farta a indicar a caracterização da prática da conduta indevida pelo requerido CLAUDIOMIRO, especialmente pelos depoimentos colhidos em juízo (CDs das fls. 1653; 1755, 1878, 1881), pelos diálogos gravados mediante interceptação telefônica autorizada judicialmente, pelos documentos apreendidos quando do cumprimento dos Mandados de Busca e Apreensão, das quebras de sigilo bancário, interceptações telefônicas, provas colhidas tanto na instrução própria do presente feito, quanto na colheita realizada por ocasião do PA. 00795.00305/2016.

 

Fato é que os elementos carreados, sobretudo o conteúdo dos diálogos interceptados e documentos apreendidos, noticiam a existência de um esquema de compra de votos por parte do candidato representado CLAUDIOMIRO.

 

O procedimento investigatório teve início com o recebimento de notícia pelo Ministério Público Eleitoral de que vales de combustíveis estavam sendo utilizados por eleitores, vales estes que haviam sido previamente adquiridos por candidatos ao pleito municipal e eram entregues pro candidatos da eleição proporcional em troca da promessa/obtenção de voto.

 

E com o cumprimento de Mandado de Busca e Apreensão junto ao estabelecimento comercial denominado Posto Burmann em 1º de outubro de 2016, sábado véspera do pleito eleitoral, e localização da cártula de cheques do Banrisul em nome do representado CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETTA, agência 0220, conta nº 35.0.33842.0-1, cheque nº 001645, no valor de R$ 8.184,00 (fl. 856), é que vinculou-se o representado à investigação então em curso.

 

Além da cártula de cheque de expressivo montante, foram apreendidos 18 vales de combustível do estabelecimento "Posto Burmann" nos quais consta a quantidade de litros, o tipo de combustível e a sigla "CP", além de estar gravado a caneta a data e o valor monetário a qual correspondeu a litragem de combustível (fl. 859 do relatório nº 07/2016, fls. 849/867).

 

Também foram apreendidos 23 vales do Posto Burmann contendo número de controle interno, com informações como a sigla "PZ", data (todos do dia 28 de setembro de 2016), valor em reis e a palavra "haver", gravados a caneta (fl. 861 do relatório nº 07/2016, fls. 849/867).

 

Aqui, a despeito de toda a alegação defensiva, é inegável que as siglas "CP" e "PZ" constantes nestes vales se referem ao representado Claudimiro Pezzeta.

 

Ainda, apreendida no referido Posto de combustíveis agenda de anotações na qual consta, no dia 23 de setembro de 2016, anotação "CLAUDIOMIRO PEZZETTA 2.260,00" (fl. 863 do relatório nº 07/2016, fls. 849/867), na página do dia 22 de agosto de 2016 consta a anotação “CLAUDIOMIRO PEZZETTA (TIRAR NOTAS) 1.000,00" e "CLAUDIOMIRO PEZZETTA 55,00" (fl. 865 do relatório nº 07/2016, fls. 849/867).

 

Com a quebra de sigilo bancário de CLAUDIOMIRO foram localizadas diversas cártulas de cheques em favor do Posto Burmann emitidas por este durante o período eleitoral, sendo elas dos valores de R$ 156,50, R$ 100,00, R$ 222,75, R$ 252,80, R$ 165,50, R$ 1.825,00 (respectivamente fls. 405, 406, 412, 416, 423, 431).

 

Não bastasse, na residência do candidato CLAUDIOMIRO foram encontrados 12 vales de combustíveis, todos com a inscrição "PZ" e a palavra "haver", no valor de R$39,50 cada (fls. 726/728). Tal fato corrobora com a afirmação acima de que "PZ" é a referência ao candidato ora representado.

 

Este tema – distribuição de vales-combustíveis no período eleitoral – tem sido recorrente nesta Corte e reconheço que nem sempre a prova da captação ilícita é segura para a condenação, levando à improcedência das demandas.

No caso dos autos, muito embora não se tenha depoimento de eleitores confirmando o recebimento ou promessa de recebimento de combustíveis em troca do voto, estou convicta de que os elementos dos autos comprovam o especial fim de agir de CLAUDIOMIRO.

No mesmo sentido foi o julgamento recente do Recurso Eleitoral n. 479-34, da relatoria do Desembargador Eleitoral Luciano André Losekann, o qual nem de longe se equipara ao presente caso se consideradas as circunstâncias como o volume de vales apreendidos e pagamentos de elevado valor, em especial o cheque de mais de R$ 8.000,00.

Naqueles autos, houve apreensão de dois vales-combustíveis, tendo esta Corte, por maioria, entendido como configurado o ilícito com base nas circunstâncias do caso. Extraio do corpo do voto condutor o seguinte:

Ninguém sai por aí, seja em período eleitoral, seja fora deste, distribuindo vales-combustível de forma desinteressada. E, por outro lado, ninguém aceita benesse dessa natureza sem desconfiar do interesse escuso por trás da oferta, ou quando menos, não deveria aceitar.

 

O Tribunal Superior Eleitoral pacificou o entendimento de que a entrega indiscriminada de combustível por candidatos, durante o período eleitoral, revela o dolo específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor, como se observa na seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. CARREATA. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL. AUSÊNCIA DE CONTROLE DO DESTINATÁRIO. PEDIDO IMPLÍCITO DE VOTOS. ILÍCITO

CONFIGURADO. DESPROVIMENTO.

1. A captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, aperfeiçoa-se com a conjugação dos seguintes elementos: (i) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41-A (i.e., doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (ii) o fito específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor e, por fim, (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, p. 520).

2. A mera doação de combustível a eleitores correligionários e cabos eleitorais para participação em carreata, a princípio, não caracteriza a captação ilícita de sufrágio, (REspe n° 409-20/PI, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 27.11.2012 e AgR-RCED n° 726/GO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 3.11.2009).

3. In casu, o Tribunal de origem assentou que a distribuição de combustível deu-se de forma indiscriminada, isto é, a entrega ocorreu em benefício de qualquer eleitor, independentemente se participante de carreata ou não.

4. A entrega irrestrita de combustível a qualquer destinatário subverte a ratio essendi da construção jurisprudencial que admite a distribuição de combustível a apoiadores voluntários para a participação em carreatas. Assim, a doação de combustível, quando realizada indiscriminadamente a eleitores, evidencia, ainda que implicitamente, o fim de captar-lhes o voto, caracterizando o ilícito eleitoral descrito no art. 41-A da Lei n° 9.504/97.

5. No caso vertente, houve entrega de combustível indiretamente pelos candidatos, durante o período eleitoral, de forma indiscriminada, o que revela o dolo específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor.

Portanto, restam evidentes na espécie os elementos indispensáveis à configuração do ilícito eleitoral previsto no art. 41-A da Lei das Eleições.

6. Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 35573, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 209, Data 31.10.2016, Página 7) (Grifei)

 

No que tange à distribuição, por CLAUDIOMIRO, de gêneros alimentícios adquiridos nos Supermercados Rei das Frutas, Soberano e Santo Antônio, valho-me da elucidante análise do juízo a quo, a qual agrego às minhas razões de decidir, no seguinte sentido:

Com a quebra de sigilo bancário do candidato CLAUDIOMIRO (fls. 383/455) constatou-se cheques utilizados para aquisição de gêneros alimentícios nos Supermercados Rei das Frutas, Soberano e Santo Antônio os quais não transitaram por sua conta oficial de campanha, valores de R$ 157,00, R$ 948,50, R$ 119,03, R$ 202,00, R$ 307,78, R$ 158, 90, R$ 186,15, R$ 264,40, R$ 249,81, R$319,16, R$ 351,74, R$ 231,86 (respectivamente fls. 407, 417, 420, 421, 425, 428, 439, 443, 444, 451, 453).

Valores estes que somados se apresentam muitos superiores em tal curto período ao de uma família média, ainda que esta tivesse total descontrole na alimentação.

A prova testemunhal esclarece o funcionamento da compra dos ranchos.

 

JORGE RODRIGUES (CD da fl. 1653), proprietário do supermercado Fruteira Rei das Frutas, esquivando-se durante o depoimento, registro e facilmente perceptível, narrou que o requerido CLAUDIOMIRO e seus familiares são clientes há anos do estabelecimento, gastando o requerido cerca de R$ 3.000,00 mensais no estabelecimento, não havendo aumento nos gastos do requerido no período eleitoral. Que "Pretinho" (AIRTON DA PAIXÃO) também é cliente do supermercado, gastando também em média R$ 3.000,00 ao mês (aqui, com o devido acato, os valores não conferem com a realidade econômica deste). Mencionou que não ofertam vales aos clientes, mas sim convênio, assinando o comprador o "canhotinho" que sai do caixa. Para outra pessoa além do titular realizar compras por este convênio precisa estar autorizado, no caso do requerido CLAUDIOMIRO, apenas "Pretinho" possui tal autorização. Não emprestou qualquer montante ao requerido CLAUDIOMIRO nem possuía dívida com ele. Aduziu que a cártula de cheque da fl. 743 se refere à compra de um cavalo que realizou da pessoa de Dionatan Pezzetta, irmão do requerido. Quanto às ordens de compras apreendidas na residência do de CLAUDIOMIRO e acostadas às fls. 1231/1233 disse que são as que apenas "Pretinho" está autorizado a comprar e quanto aos outros nomes constantes nas ordens, não soube informar, acreditando que estavam juntos. Acredita que estas compras se referem a alguma janta que o requerido faria. Quanto às compras usuais de CLAUDIOMIRO, referiu que adquire carne, cerveja, pão arroz, massa, e as compras usuais da semana. Informou que possui alcunha de "Fritz". Novamente questionado quanto às ordens de compras nas quais contam nomes de "Pretinho", "Feller", "Pingo", disse que as que "Pretinho" pegava ele pagava durante a semana. CLAUDIOMIRO realizava compras toda semana no estabelecimento, não sabendo qual sua destinação. Questionado sobre algumas cártulas de cheques acostadas aos autos, disse se referirem a gastos pessoais semanais de CLAUDIOMIRO. Não sabe a que se refere a anotação de nome "Pezzeta" no valor de R$ 14.352,62, aduzindo não ser sua letra e que em nenhum momento o requerido ficou devendo este valor.

 

CELSO LUIS BECKER (CD da fl. 1653), proprietário do estabelecimento Supermercado Santo Antônio, disse que os requeridos CLAUDIOMIRO e PAULO são seus clientes esporádicos. No que se refere às autorizações de compras apreendidas na fl. 1229, esclareceu que "é um bloquinho de compras que a gente tem com alguns clientes ["] é um bloquinho de 50 folhas que a gente dá pro cara comprar durante o mês e tem um canhotinho que fica grudado no bloquinho e a outra parte que é tipo um chequezinho que fica pra mim, no caso para ele acertar no final do mês. É um fiado". Dos requeridos, apenas PAULO usa essa forma de compra, reconhecendo o bloco de fl. 1229 como sendo dele. A pessoa que faz a compra geralmente assina no bloco, especialmente para facilitar a posterior cobrança, ficando o canhoto com o titular do bloco. Que em uma época, acreditando ser por volta do mês de setembro, o requerido PAULO deixou autorizado no estabelecimento que forneceria vales para algumas pessoas que estariam trabalhando com ele em uma reforma. Que a pessoa de "Pretinho" não recorda por nome, mas lembra de tê-lo reconhecido através de fotografia como sendo pessoa que já esteve em seu estabelecimento. O gasto mensal do requerido PAULO era sempre superior a R$ 1.000,00, mas que no período eleitoral esse gasto aumentou, não sabendo precisar quanto, acreditando ter sido o dobro. Mencionou que o requerido CLAUDIOMIRO não ficou devendo valores no supermercado, não se utilizando desse modo de compras através de blocos. Tem conhecimento que PAULO trabalha para CLAUDIOMIRO. Não sabe a destinação das compras realizadas nas fls. 1229/1230.

 

OSMAR JOSÉ RODRIGUES (CD da fl. 1653), proprietário do Supermercado Soberano, aduziu que o requerido CLAUDIOMIRO é cliente de seu estabelecimento há anos, gastando de R$ 100,00 a R$ 300,00 em compras quinzenais ou semanais, geralmente nas sextas-feiras e compras usuais para churrasco, como carnes, carvão, cerveja. Não conhece a pessoa de nome "Enio". Que não trabalha com o sistema de vales para o requerido CLAUDIOMIRO.

 

Pelas declarações do proprietário do estabelecimento Supermercado Santo Antônio, CELSO LUIS BECKER, denota-se que várias pessoas ("Pretinho", "Maninho", Paulo Kiko", "Guza") compareciam no estabelecimento portando apenas a cártula do bloco de compras, bloco este que foi apreendido na residência de CLAUDIOMIRO quando do cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão (fls. 1229/1230).

 

Veja-se que celso, proprietário do estabelecimento, nega que o requerido Claudiomiro utilizasse no seu estabelecimento do "boquinho" para compras. Contudo, na residência de Claudiomiro foi apreendido exatamente um desses bloquinhos.

 

Outrossim, basta cotejar o bloco do estabelecimento Supermercado Santo Antônio apreendido na residência do requerido Claudiomiro, fls. 1229-1230, para se verificar nos canhotos que todas as compras deste bloco no citado estabelecimento datam do mês de setembro de 2016, ou seja, exatamente no período em que a campanha eleitoral estava no seu ápice.

 

Também apreendido na residência do requerido bloco de ordem de compra da Fruteira Rei das Frutas do qual utilizadas diversas cártulas em nome de diferentes pessoas, como "Feller", "Maninho", "Pretinho", "Guza", "Kiko" (fls. 1231/1233), por coincidência, os representados no feito como co-autores dos fatos e participantes ativos e efetivos na campanha eleitoral do representado Claudiomiro. Por esse motivo, não merece qualquer crédito o depoimento prestado em juízo pelo proprietário da Fruteira Rei das Frutas quando afirmou que apenas "Pretinho" era autorizado a comprar no supermercado em nome do candidato CLAUDIOMIRO.

 

Da análise de ambos os blocos de autorização de compras apreendidos com o representado se conclui não ser mera coincidência que as alcunhas constantes como dos responsáveis pelas retiradas das mercadorias se repetem. Ou seja, as pessoas que retiraram ranchos ou fizeram compras tanto no Supermercado Santo Antônio como na Fruteira Rei das Frutas foram, em sua maioria, sempre as mesmas, não merecendo crédito o relato da testemunha VALDIR LOPES ao afirmar também possuir a alcunha de "Pretinho" e ter prestado serviços a PAULO ASSMANN e, em razão disso, recebeu vale-compras no Supermercado Santo Antônio.

 

Da oitiva dos proprietários dos estabelecimentos, colhe-se o seguinte:

JORGE RODRIGUES – proprietário da Fruteira Rei das Frutas Ltda. Diz que CLAUDIOMIRO gasta em média R$ 3.000,00 por mês no seu estabelecimento e que na época de campanha não houve incremento nos gastos. Não fornece vales, mas tem um convênio pelo qual a pessoa assina o canhotinho emitido pelo caixa e o conveniado pode autorizar um terceiro a comprar no seu nome. A única pessoa que tem autorização para comprar no nome de CLAUDIOMIRO é “Pretinho”. CLAUDIOMIRO vai toda semana no estabelecimento, mas não sabe dizer o destino das compras realizadas.

CELSO LUIS BECKER – proprietário do Supermercado Santo Antônio, disse que CLAUDIOMIRO é seu cliente esporádico. Os blocos de compra são controles de vendas a fiado. Paulo usava esse sistema de compras. O bloco de compra da fl. 1229 era do Paulo, o qual sempre retirava as compras, mas num determinado período teria autorizado outras pessoas, as quais estariam trabalhando numa obra para ele, a retirarem mercadorias. Paulo gastava sempre acima de R$ 1.000,00 mensais, valor esse que aumentou no período eleitoral, não sabendo precisar quanto, mas que deve ter dobrado. Pezzetta nunca ficou devendo, quando ia comprar pagava com cheque pré-datado, cartão ou dinheiro. Não sabe dizer porque o bloco de Paulo foi apreendido na casa de CLAUDIOMIRO. Paulo era cliente há uns dois anos. Não sabe se houve compra de rancho para distribuição. Quem pagou pelas compras relativas aos blocos apreendidos foi o Paulo. No período eleitoral CLAUDIOMIRO não aumentou as idas ao supermercado. Ao contrário, até diminuiu.

OSMAR JOSÉ RODRIGUES – Proprietário do Mercado Soberano: CLAUDIOMIRO é cliente há anos e gasta uma média de R$ 100,00 a R$ 300,00 quinzenalmente. Costuma ir pelo menos uma vez por semana ao estabelecimento, geralmente às sextas-feiras para comprar carne, carvão e cerveja.

Ainda, foi ouvido em audiência VALDIR LOPES, vulgo Pretinho, trabalhador autônomo da construção civil. Disse possuir uma equipe de nove funcionários, aos quais costuma dar vale-compras, sendo que ele mesmo retira as mercadorias. Chegou a retirar vários ranchos para os funcionários. Não recebeu oferta de ranchos em troca de votos. Disse que se o patrão para quem estiver trabalhando não possuir dinheiro para pagar o serviço, costuma pegar alguma coisa, como vale-alimentação, para os funcionários e até para ele. Relatou ter construído uma casa para Paulo ao preço ajustado de R$ 7.500,00, do qual teria recebido metade em vales para compras de gêneros alimentícios retirados no Mercado Santo Antônio.

Os blocos relativos ao Mercado Santo Antônio pertenciam, segundo o proprietário daquele estabelecimento, a Paulo Rogério Assmann, cabo eleitoral de CLAUDIOMIRO. As mercadorias eram retiradas por outras pessoas, merecendo destaque os diversos canhotos com a anotação “Pretinho”, alcunha atribuída a Airton da Paixão de Lima, chefe de gabinete do vereador CLAUDIOMIRO.

No canhoto número 501, datado de 09.9.2016, identifica-se as anotações “6 ranchos” e o nome Pretinho. Os canhotos seguintes, até o número 504, também estão identificados com Pretinho, mas sem outros dados.

O bloco de compras emitido pelo Mercado Rei das Frutas, por seu norte, contava com os canhotos relativos aos números 5801 a 5827 preenchidos. Desses, constata-se a alcunha “Pretinho”, nos números 5810 e 5811, ambos datados de 22.9.2016 com as anotações “6 ranchinhos” e “4 ranchinhos”.

Na sequência, o número 5812 contém a anotação “Pretinho” e 5 ranchinhos, datado de 22.6.2016. Analisando-se a ordem cronológica dos números e de todas as datas anotadas nos canhotos, conclui-se, facilmente, que a data de 22.6 foi lançada por equívoco e deve ser lida como 22.9 (fl. 1232).

Com isso, a pessoa identificada como “Pretinho” está relacionada à retirada de nada mais nada menos do que 15 (quinze) ranchinhos apenas no dia 22.9.2016 junto ao Mercado Rei das Frutas, o que afasta por completo a versão da defesa de que os canhotos identificados com a alcunha Pretinho referiam-se a pagamento da obra da casa da mãe de Paulo Assmann, construída pelo empreiteiro Valdir Lopes, cujo apelido também seria Pretinho, o qual recebia os vales como forma de pagamento para si e para repassar aos pedreiros.

Isso porque o empreiteiro, ao ser ouvido como testemunha, afirmou possuir em torno de nove funcionários.

Ainda que se admitisse a improvável hipótese de que toda essa equipe de nove pessoas teria sido utilizada para construir uma casa pequena – a considerar pela mão de obra de apenas R$ 7.500,00 (fl. 2342) –, foram 15 os ranchos retirados num único dia.

Mais do que isso, Valdir Lopes afirmou em juízo que cerca da metade do pagamento da mão de obra foi feito mediante fornecimento de gêneros alimentícios e a outra metade em dinheiro, parcelado mensalmente. Ocorre que segundo informado pela testemunha, a parcela recebida em gêneros alimentícios foi retirada somente no Mercado Santo Antônio.

Ora, a versão, que já era frágil, desmorona de vez.

Alega o recorrente que os vales-ranchinho cujos canhotos foram encontrados na sua residência relacionavam-se a pagamento de mão de obra efetuado por Paulo Assmann, que por coincidência era seu cabo eleitoral, a um empreiteiro. E o próprio empreiteiro disse em juízo que as retiradas de mercadorias só ocorreram no Mercado Santo Antônio, o que torna não esclarecidos os 15 ranchos retirados por pessoa de alcunha Pretinho no Mercado Rei das Frutas e macula a credibilidade da mencionada testemunha.

Além disso, os demais canhotos de ordem de compra revelam quantidades expressivas de gêneros alimentícios não esclarecidos pelo recorrente, senão vejamos:

Só de galeto, foram retiradas as seguintes quantidades:

Dia 16.9 – 10 kg;

Dia 16.9 – 25 kg;

Dia 21.9 – 30 kg;

Dia 23.9 – 10 kg;

Dia 24.9 – 35 kg;

Dia 27.9 – 25 kg;

Dia 27.9 – 14 kg;

Dia 27.9 – 10 kg, + 15 ranchinhos;

Dia 27.9 – 10 kg;

Dia 28.9 – 23 kg;

Dia 29.9 – 12 kg;

Dia 29.9 – 15 kg;

Dia 29.9 – 10 kg;

Dia 30.9 – 10 kg;

Dia 30.9 – 15 kg;

Dia 30.9 – 12 kg;

Dia 30.9 – 12 kg;

Dia 01.10 – 10 kg.

 

Da conversa entabulada entre CLAUDIOMIRO e Ballin, depreende-se que a pessoa de alcunha Pretinho agia em nome de CLAUDIOMIRO, prometendo combustível e encomendando ranchinhos, conforme trecho a seguir:

Mas viu Ballin, tu vai tê que (inaudível) com o Pretinho, (inaudível). BALLIN: Pezzetta... PEZZETTA: Ele quer três mil litro de gasolina, onde que eu vô arrumá três mil litros? Mas imagina, doze mil real (R$ 12.000,00), home! Ele diz que tem duzentos e noventa (inaudível). Eu não mandei ele (inaudível), prometê gasolina pra duzentos e oitenta... BALLIN: Não, então coloca aí um limite Pezzetta, (inaudível) PEZZETTA: Aí ele chegou aqui no Fritz, ele encomendou oitenta rancho home, e disse que qué mais oitenta. Ballin, dá oito mil real (R$ 8.000,00) home! BALLIN: Pezzetta! Olha aqui ó... PEZZETTA: Eu não posso me individá! (Grifei)

 

Ainda, diferentemente do que apregoa o recorrente, o valor de R$ 2.000,00 anotado num canhoto de cheque apreendido no Mercado Feira da Fruta, com a anotação “Pizzetta”, não embasou a condenação. O juiz apenas relata o depoimento da testemunha Jorge Rodrigues que disse ser esse o pagamento efetuado ao irmão de CLAUDIOMIRO pela compra de um cavalo.

No mais, ainda que grande parte dos cheques relativos a pagamentos realizados aos supermercados já referidos tenha sido emitida em data anterior ao período eleitoral, como mencionado pela defesa, o certo é que não há nas razões recursais, tampouco na defesa inicial, uma linha sequer demonstrando o motivo pelo qual o bloco de compra de números 501 a 550, emitido pelo Mercado Santo Antônio, pertencente a Paulo Rogério Assmann, cabo eleitoral do então candidato CLAUDOMIRO, se encontrava na residência do recorrente.

Da análise conjunta dos elementos constantes nos autos, extrai-se a firme convicção de que CLAUDIOMIRO utilizou-se de vales-combustíveis e de gêneros alimentícios – em geral ranchos e galetos – para captação ilícita de sufrágio, corrompendo a vontade do eleitor.

Todavia, no que tange ao tópico relativo à realização de jantares com finalidade eleitoreira, entendo não haver prova suficiente para um juízo condenatório.

Com efeito, das pessoas ouvidas, em geral, colaboradores da campanha, nenhuma confirmou que CLAUDIOMIRO teria patrocinado a realização de eventos, com distribuição gratuita de refeições a eleitores. Ao contrário, as testemunhas que sabiam algo a respeito foram uníssonas em dizer que participaram de alguns jantares, mas que as respectivas despesas foram rateadas entre os participantes.

Vejamos:

MARCEL FERNANDES – Era cargo em comissão na época dos fatos, por indicação do prefeito Vallin. Ajudava na campanha depois do seu expediente de trabalho, sem remuneração, entregando panfletos e auxiliando nas caminhadas. Não recebeu vales-combustíveis. Conhece Paulo de vista. Participou de um jantar organizado pelo pessoal que trabalhava na campanha, pago pelos próprios participantes, no qual CLAUDIOMIRO não estava presente. Nada sabe a respeito de oferecimento de bens em troca de votos. Não sabe quantas pessoas trabalharam na campanha. Quando faziam algum jantar ou almoço os próprios participantes compravam e pagavam os ingredientes. Ninguém recebeu recursos para trabalhar na campanha. Pretinho e Paulo trabalharam na campanha de CLAUDIOMIRO.

SIDINEI BRZEZINSKI GUSE – Não sabem se teriam entregue ranchos ou vales-combustíveis. Participou de jantares no comitê durante a campanha, os quais eram pagos pelos próprios participantes, mediante rateio que dava em torno R$ 10,00 ou 15,00 para cada um. Nunca viu CLAUDIOMIRO nesses jantares. Não sabe se Paulo trabalhou na campanha. Atribuiu a votação de CLAUDIOMIRO ao trabalho por ele realizado na área da saúde, quando foi secretário dessa pasta. Fez campanha voluntariamente para CLAUDIOMIRO, depois do seu horário de expediente.

EDSON RIVELINO DE OLIVEIRA – Ajudou CLAUDIOMIRO na campanha, por meio do Airton, sem receber nada em troca, fazendo contato com os amigos. Não presenciou nem acompanhou entrega de ranchos em troca de votos. Participou de quatro ou cinco jantas a convite de Airton (churrascos e galinhadas), mas nunca viu CLAUDIOMIRO pagar por elas, tendo ele mesmo, depoente, ajudado nas despesas. CLAUDIOMIRO compareceu num desses jantares e pediu votos para o pessoal. Não trabalhou na campanha, apenas “dava uma mão” de maneira informal.

ROSÉLIA BRUM DE ALMEIDA – Fez campanha para CLAUDIOMIRO, fora do horário de trabalho, porque ele, como secretário de saúde, ajudou a categoria a fazer transposição do sistema trabalhista CLT para o estatutário. Realizou um jantar na sua residência, cujos custos foram divididos entre ela e os agentes de saúde Ricardo e Edson. CLAUDIOMIRO não participou desse jantar, no qual não houve pedido de votos para o candidato. Seguiu abonando a conduta de CLAUDIOMIRO. Indagada pela promotora, respondeu que fez campanha para CLAUDIOMIRO pedindo para familiares e conhecidos votarem nele. Referiu que não fez campanha na sua área de trabalho. Sobre o jantar, mencionou que “o Ricardo comprou as coisas e depois nós dividimos”.

No momento 08'56'' do áudio de oitiva dessa testemunha, a promotora reproduz conversa que estava gravada no computador apreendido na casa de CLAUDIOMIRO, na qual ele relata para o prefeito Balin que teria estado num jantar nas proximidades da casa da Cema, e que os agentes de saúde iriam todos votar nele, CLAUDIOMIRO. Rosélia reiterou que CLAUDIOMIRO não esteve na sua casa e diz não saber se houve outros jantares dos agentes de saúde. Que perto da casa da Cema tem outra agente de saúde que é irmã do CLAUDIOMIRO, a qual não foi no jantar.

EVANDRO CARLOS RODRIGUES BARBOSA – Foi cargo em Comissão da Secretaria da Saúde, onde trabalhava na distribuição de medicamentos. Fez campanha espontânea para CLAUDIOMIRO e outro candidato consistente em visitas no bairro, de cuja associação é presidente. Não ajudou entregar rancho nem presenciou promessa de entrega nesse sentido por parte do candidato. Não sabe de jantar organizado para captação de voto. Eventualmente faziam jantas com a turma que caminhava fazendo campanha, mas os custos eram divididos entre os participantes. Tirou vinte dias de férias para trabalhar na campanha eleitoral. Houve algumas jantas no comitê nas quais CLAUDIOMIRO aparecia “de vez em quando”. O pedido para colocação da pracinha no bairro em que ele, depoente, reside, foi feito pela comunidade a partir de tratativas feitas há quatro anos, quando ele assumiu a presidência do bairro e encaminhado para CLAUDIOMIRO e outro vereador e ainda, para o prefeito e para o secretário de obras.

Como se observa, embora suspeita a fala de CLAUDIOMIRO sobre ter desistido de participar de um jantar porque, segundo ouviu dizer, vinte e cinco agentes da Polícia Federal estariam “arrodiando” o local (fl. 1517), não há maiores elementos de prova de que teria pago jantares para eleitores.

Da utilização da máquina pública

O juízo sentenciante, com base nas anotações apreendidas na casa de CLAUDIOMIRO e interceptação de conversas telefônicas, fundamentou a decisão de procedência também na utilização, pelo representado, da estrutura administrativa do Município de Ijuí com finalidade eleitoral.

Mencionado uso da máquina pública, para fins eleitorais, consistiria nos seguintes fatos: marcação de cirurgia para a eleitora Catarina Cirlei Rodrigues, fornecimento de materiais e serviços e promessa de emprego à filha de eleitora.

Sobre a cirurgia da Sra. Catarina, entendeu o juízo que “claramente houve intervenção do candidato e de seu cabo eleitoral a fim de agilizar o andamento, cuja contrapartida era a entrega do voto”.

Quanto a esse tópico, a meu ver, não existem elementos nos autos a corroborar a tese do autor.

O fato veio à tona com a interceptação de uma conversa ocorrida entre CLAUDIOMIRO e seu cabo eleitoral, Edemar Alves Feller, no dia 12 de outubro, depois das eleições, na qual trataram a respeito do agendamento de uma cirurgia (fl. 543). Nessa conversa, o interlocutor lembra CLAUDIOMIRO que ainda não falaram com a Dona Catarina, ao que esse responde que falou com o Doutor, o qual teria ficado de agendar a cirurgia.

O fato de a conversa ter sido gravada depois das eleições, por si só, não comprova a ausência de ilícito, uma vez que a promessa de auxílio em troca do voto poderia ter ocorrido antes do pleito, lembrando que o ato de prometer também caracteriza a conduta de captação ilícita de sufrágio.

Todavia, as provas produzidas nos autos não se apresentam como aptas a embasar um juízo condenatório, devendo a sentença ser reformada, nesse ponto.

Em seu depoimento, a eleitora CATARINA CIRLEI RODRIGUES disse que: Fez uma cirurgia no olho, a qual, inicialmente, deveria ser feita em Porto Alegre, pelo SUS, cuja marcação estava muito demorada. Certo dia, recebeu um telefonema da Rosane, funcionária da Secretaria da Saúde de Ijuí, com a informação de que deveria comparecer ao Hospital Bom Pastor que o médico estaria lá para realizar a cirurgia. Não conversou com CLAUDIOMIRO nem Feller a respeito da cirurgia. Não tem conhecimento se Feller auxiliou na campanha de CLAUDIOMIRO. Aguardava pela cirurgia há quatro meses. Ninguém lhe prometeu a realização da cirurgia em troca de voto e se isso ocorreu teria sido com o seu marido, mas não sabe dizer.

Pelo teor da conversa interceptada, percebe-se que, no momento da escuta, era o marido de Catarina que estava na casa de Feller, tratando do assunto, mas ele não foi ouvido nestes autos para esclarecer os fatos. Dessa forma, com a negativa de Catarina e à míngua de outros elementos probatórios, resta apenas a conversa telefônica, inconclusiva sobre eventual finalidade eleitoreira da intermediação da cirurgia e, portanto, frágil para um juízo de condenação.

O mesmo ocorre em relação às anotações apreendidas na residência de CLAUDIOMIRO, que teriam, no entender do juízo monocrático, demonstrado a utilização da máquina pública na campanha eleitoral.

As notas faziam referência à entrega de areia, tijolos, terra, pedra, cimento e continham, ainda, as observações “ver máquinas”, “ver iluminação pública”, “ver estágio para filha Gilberto”, encascalhamento, tubos e patrolamento.

Da prova testemunhal produzida, colhe-se o seguinte:

SIDINEI BRZEZINSKI GUSE, dirigente distrital à época dos fatos, relatou que acompanhava e encaminhava as demandas da comunidade à administração para atendimento. Sobre a anotação referente à entrega de duas cargas de pedra na “linha 6” e retirada de terra (fl. 738), afirmou que as demandas da comunidade, depois de reunião no conselho distrital, eram encaminhadas ao legislativo e posteriormente ao executivo, pedindo providências. Negou que tenha pedido ajuda, durante o período eleitoral, para CLAUDIOMIRO, para atender as demandas, as quais eram encaminhadas para todos os vereadores, uma vez que o conselho é formado por diversas pessoas as quais acabam levando para parlamentares diferentes, de modo que geralmente todos tomam conhecimento dos problemas que acontecem nos distritos. Disse que CLAUDIOMIRO não esteve no distrito prometendo solução dos problemas em troca de voto, nem mandou retirar terra. Afirmou que pedia votos para os conhecidos e amigos em favor de CLAUDIOMIRO, porque ele teria exercido um bom trabalho quando foi secretário de saúde. Asseverou que os serviços de entrega de pedra e retirada de terra não foram realizados. Referiu que a anotação de fl. 17 foi encaminhada bem antes da campanha eleitoral, provavelmente um ano antes, para CLAUDIOMIRO dada a sua condição de vereador, não de candidato, as quais não foram atendidas até o dia do depoimento. Não viu as pessoas de Airton, Edemar e Feller pedindo voto na comunidade.

Chama a atenção o fato de que Guse, embora trabalhasse como cargo em comissão do executivo, a convite do prefeito, ao qual era subordinado direto, conforme deduzido em audiência, ao receber as demandas da comunidade, encaminhava-as, primeiro, para o legislativo, depois para o executivo.

Entretanto, a meu ver, isso apenas demonstra a falta de clareza não só dos eleitores como dos próprios agentes públicos acerca da necessária separação dos poderes, fato que acarreta, não raras vezes, confusão entre as atribuições e obrigações dos poderes executivo e legislativo e favorece a utilização indevida da máquina pública.

Desse modo, entendo que a mera apreensão de anotações a respeito de serviços solicitados por pessoas da comunidade, muito embora tais demandas, em tese, desbordem da atividade parlamentar, não é suficiente para provar o uso da máquina administrativa com finalidade eleitoreira.

A mesma compreensão aplica-se ao diálogo entabulado por telefone entre Maria Lenice e CLAUDIOMIRO, cuja conversa foi interceptada, em que aquela pede a intervenção desse para conseguir um emprego para a filha (degravação às fls. 546/547). O depoimento de Maria Lenice, em juízo, foi no seguinte sentido:

MARIA LENICE DOS SANTOS GOETTEMS: afirmou que fez o pedido em questão para diversas pessoas, inclusive para CLAUDIOMIRO, o qual conhece há bastante tempo, mas não teria sido em troca do seu voto. Disse que não chegou a levar o currículo da filha à Câmara, como mencionado na conversa, e que, no dia da audiência, a filha já estaria trabalhando como cuidadora de uma senhora, emprego esse não obtido por intermédio de CLAUDIOMIRO. Perguntada pela promotora se a intenção era de que CLAUDIOMIRO arrumasse um emprego para a filha, respondeu que não era bem isso e que queria orientação de como era o funcionamento do SINE. Disse que a “coisa decente” que pediu para CLAUDIOMIRO arrumar não seria um emprego bom e que na sua ideia, se levasse o currículo para CLAUDIOMIRO, ele, sendo uma pessoa influente, poderia levar no SINE. Acabou não levando o tal currículo por falta de tempo. Disse que conhece CLAUDIOMIRO “dentro da cidade, como ele é vereador e foi secretário de saúde e porque é de acompanhar os jornais e escutar rádio” e que conseguiu o número do telefone dele ligando para a Câmara.

O depoimento é confuso e contraditório, à medida que a testemunha refere que queria de CLAUDIOMIRO apenas orientação de como seria o funcionamento do SINE, depois menciona que, no seu entender, ele poderia levar o currículo àquele órgão e que a “coisa decente” não seria um emprego. De qualquer sorte, de concreto tem-se apenas a gravação de uma conversa de Maria Lenice pedindo para o vereador “arrumar uma coisa decente” para afilha Michele, ocorrida no dia 17.10.2016, depois das eleições.

Na própria conversa interceptada não há nenhuma menção a voto ou às eleições de forma que, não havendo outros elementos a confortar a tese do autor, inviável manter o juízo de condenação, também nesse ponto.

Logo, não havendo provas da utilização da máquina pública com finalidade eleitoreira que, em tese, poderia caracterizar o abuso de poder, entendo pela não condenação do recorrente nesse ponto.

Do ilícito previsto no art. 30-A da Lei n. 9.504/97

Além da captação ilícita de sufrágio, apura-se, na presente representação, irregularidades relativas à captação e gastos de recursos financeiros da campanha eleitoral de CLAUDIOMIRO.

Isso porque, não obstante tenha o candidato declarado, na sua prestação de contas, receita e despesa nos valores de R$ 10.060,18 e 9.185,08, respectivamente, os elementos apurados na investigação preparatória realizada pelo Ministério Público revelaram que a movimentação de recursos em prol da candidatura de CLAUDIOMIRO extrapolou, em muito, esse valor, fato que configuraria infração ao disposto no art. 30-A da Lei n.° 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar Justiça Eleitoral relatando fatos indicando provas pedir abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas arrecadação gastos de recursos.

§1°. Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n.° 64, de 18 de maio de 1990. no que couber.

§2°. Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato ou cassado, se já houver sido outorgado.

 

A regra tem por objetivo sancionar ilegalidades na captação de recursos de campanha, bem como realização de despesas ilícitas.

Segundo Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 5ª ed., Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, p. 644-645):

“o bem jurídico protegido pela norma prevista no art. 30-A da LE é a higidez das normas relativas à arrecadação e gastos eleitorais. O legislador se preocupa em elevar à proteção específica a matéria relativa ao aporte de recursos e os gastos de campanha, dado que as ilicitudes havidas na arrecadação e dispêndio de valores consistem em uma das maiores causas de interferência na normalidade do processo eleitoral, desvirtuando a vontade do eleitor. A previsão de um tipo específico de ação de direito material – captação e gastos ilícitos de recursos – demonstra o significativo apreço da tutela a ser dispensada às normas de arrecadação e gastos na campanha eleitorais previstas na Lei n. 9.504/97.

 

Considerando a gravidade da penalidade imposta ao infrator, qual seja, a cassação do mandato, exige-se, para a configuração do ilícito, que a conduta guarde relevância dentro do contexto da campanha, atingindo efetivamente bem jurídico tutelado, qual seja, a lisura do financiamento da campanha.

Nesse sentido, a realização de gastos não declarados na campanha, com a finalidade de influenciar no resultado do pleito, compromete a moralidade e a lisura da disputa, consoante entendimento desta Corte:

Recurso. Arrecadação e gastos ilícitos de recursos para a campanha eleitoral. Art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Candidato a vereador. Procedência. Cassação do diploma. Inelegibilidade. Eleições 2012.

Preliminares afastadas: 1. Decadência não configurada, haja vista o ajuizamento da ação no primeiro dia útil após decorrido o prazo do recesso forense; 2. Inocorrência da preclusão lógica e consumativa. A impetração do processo para apuração de irregularidades previstas no art. 30-A da Lei das Eleições independe do julgamento da prestação de contas do candidato; 3. Reconhecida a regularidade da inicial uma vez preenchidos os requisitos do art. 285 do Código de Processo Civil; 4. Conformidade da instrução probatória, amparada em procedimento administrativo investigatório lícito, não caracterizando nulidade.

Irregularidades na arrecadação e nas despesas da campanha eleitoral, evidenciando a existência do chamado "caixa dois". Ocorrência de gastos não declarados na prestação de contas, utilizados com a finalidade de influenciar eleitores, prática que compromete a moralidade e a lisura da disputa eleitoral.

Manutenção da cassação do diploma. Afastada a declaração de inelegibilidade. Reforma da sentença, de ofício, para reconhecer a nulidade da votação e determinar o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n 169, ACÓRDÃO de 18.3.2014, Relator(a) DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 49, Data 20.3.2014, Página 2)

 

Outra não é a posição do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ARRECADAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ABUSO DE PODER. "CAIXA DOIS". CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. O agravante, Vereador de Araçatuba/SP eleito em 2012, teve seu diploma cassado e foi considerado inelegível por arrecadação ilícita de recursos (art. 30-A da Lei 9.504/97) e abuso de poder econômico (art. 22 da LC 64/90) decorrente de "caixa dois", porquanto não declarou a origem de valores que, ademais, não transitaram pela conta de campanha, no importe de R$ 7.603,20, o que corresponde a quase 12% de receitas (R$ 64.250,15).

2. No regimental, pugna-se pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e alega-se que a conduta não é grave o suficiente (art. 22, XVI, da LC nº 64/90).

3. A prática de "caixa dois" constitui motivo bastante para incidência das sanções, eis que a fraude escritural de omissão de valores recebidos e de falta de esclarecimento de sua origem inviabiliza o controle, por esta Justiça Especializada, de aporte financeiro em favor de candidatos, partidos políticos e coligações. Precedentes, em especial o AgR-REspe 235-54/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15.10.2015.

4. Não se cuida, na espécie, de simples falha de natureza estritamente contábil, mas sim de uso de recursos financeiros não declarados, sem trânsito por conta bancária específica e sem comprovação de sua origem, sendo inequívoco o "caixa dois".

5. Abuso de poder também reconhecido ante a proporção de recursos ilícitos (11,83% de R$ 64.250,15) e, ainda, a vantagem de apenas 60 votos para o primeiro suplente em colégio que conta com quase 140 mil eleitores.

6. Os julgados trazidos não possuem similitude fática com o caso: a) no REspe 392-22/AM (Rel. Min. Dias Toffoli), inexistiu "caixa dois"; b) no REspe 1610-80/MS (Rel. Min. Laurita Vaz), a falha equivaleu a apenas 4% de receitas; c)

no REspe 863-48/MG (Rel. Min. Luiz Fux), cuida-se de processo de contas e a falha foi de 7% (R$ 5.053,60); d) no AgR-AI 540-39/RJ (Rel. Min. Luiz Fux), o vício nas contas totalizou apenas R$ 300,00.

7. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 76064, Acórdão, Relator(a) Min. Antônio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 188, Data 29/09/2016, Página 77-78)

 

Feitas essas premissas, destaco que as contas de campanha de CLAUDIOMIRO receberam sentença de desaprovação, a qual foi mantida por esta Corte em julgado que restou assim ementado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINARES AFASTADAS. MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL EXTEMPORÂNEA. DOCUMENTAÇÃO ESTRANHA À LIDE. PROVA EMPRESTADA. VIOLAÇÃO AO ROL DE ATOS PROCESSUAIS. MÉRITO. OMISSÃO DE GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. ART. 22, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

As questões preliminares foram afastadas. Os prazos conferidos ao Ministério Público Eleitoral, quando atuando como fiscal da lei, não são preclusivos. Possível anexar documentos como prova emprestada quando, em prestígio ao contraditório, é permitido à parte manifestar-se.

O surgimento de indícios de omissão de dados na prestação de contas permite novo parecer ministerial pela desaprovação da contabilidade, visto que o prestador teve o ensejo de apresentar esclarecimentos sobre a prova acostada.

O candidato adquiriu quantidade expressiva de combustível, distribuído em forma de vales durante a campanha eleitoral. Não há registro da despesa na prestação de contas, em desacordo com as disposições legais de regência. Desaprovação.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 393-33, ACÓRDÃO de 17.9.2017, Relator DR. DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação)

 

Muito embora a desaprovação das contas não conduza, por si só, à configuração do ilícito descrito no art. 30-A da Lei das Eleições, tenho que, no caso concreto, o conjunto probatório não só demonstra a ilicitude na captação e nos gastos dos recursos movimentados na campanha, como revela a gravidade da conduta de modo a atrair a sanção de cassação do mandato.

Com efeito, os blocos de compra e vales-combustíveis apreendidos, analisados em cotejo com a conversa gravada entre CLAUDIOMIRO e o então prefeito Ballin, a qual, repito, tratava da campanha eleitoral, demonstra que houve um grande incremento de recursos financeiros na campanha eleitoral do recorrente, não declarados na prestação de contas. O cheque de R$ 8.184,00 apreendido, sozinho, já equivale a 89,10% de todo o valor declarado como despesa pelo então prestador de contas.

Como era de se esperar, os recursos financeiros utilizados para a prática de captação ilícita de sufrágio – distribuição de combustíveis e ranchos – não foram declarados na prestação de contas. Em decorrência, não há notícias referentes à fonte e à forma de captação desses recursos.

Segundo leciona José Jairo Gomes, (Direito Eleitoral, 12a ed. - São Paulo: Atlas, 2016, p. 714), "O termo captação ilícita remete tanto à fonte quanto à forma de obtenção de recursos. Assim, abrange não só o recebimento de recursos de fontes ilícitas e vedadas (vide art. 24 da LE), como também sua obtenção de modo ilícito, embora aqui a fonte seja legal".

À luz dessa doutrina, no caso concreto, a omissão de receita na prestação de contas impediu a fiscalização, por esta justiça especializada, tanto em relação à licitude da fonte, quanto à identificação dos doadores e respectivos limites legais.

Quantos aos gastos, a seu turno, despiciendo tecer maiores considerações, uma vez que a prática de captação ilícita de sufrágio, por exemplo, já reconhecida nestes autos, nada mais é do que gasto ilícito de recursos para fins eleitorais, havendo perfeita subsunção do fato à norma.

Do abuso do poder econômico

Conforme relatado, as representações em exame foram cumuladas com Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE para apurar a ocorrência de abuso do poder econômico cuja procedência pode acarretar a declaração de inelegibilidade, pelo período de oito anos e a cassação do registro ou diploma dos candidatos beneficiados.

A legislação de regência encontra-se no art. 14, § 9º, da CF e arts. 19, 22, inc. XIV, e 23 da LC n. 64/90, abaixo transcritos:

Art. 14. [...]

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

[...]

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

[...]

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

[...]

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Art. 23

O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral. (Grifei)

 

O requisito da gravidade das circunstâncias, estampado no inc. XVI do art. 22 da LC n. 64/90, relaciona-se à ideia de preservação da normalidade e legitimidade do processo eleitoral, entendido como o bem jurídico em sua magnitude ampla. Para sua aferição, as diretrizes usualmente utilizadas são a conduta do agente, a forma, a natureza e a finalidade do ato, bem como os seus efeitos e a extensão do dano causado.

A seu turno, também se infere que o legislador desvinculou o conceito de potencialidade lesiva do resultado do pleito, na sua acepção estritamente aritmética, adotando, como balizamento, a valoração conjunta dos elementos conformadores da conduta ilícita, até porque é possível o juízo de procedência da ação eleitoral antes mesmo da realização das eleições.

Relativamente ao abuso de poder econômico, Rodrigo Lopez Zilio (Direito Eleitoral, 5ª ed., Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, p. 542) preleciona que: “caracteriza-se o abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito”

Ao apreciar demandas dessa natureza, o TSE vem reiteradamente decidindo que a aplicação das sanções previstas no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90 requer a existência “ex ante” de prova inconteste e contundente da ocorrência do abuso, não podendo estar ancorada em conjecturas ou presunções da ocorrência do ilícito (AgR-REspE n. 85587, Relatora Min. Luciana Lóssio, DJE de 12.5.2017, p. 32).

Na hipótese dos autos, não resta dúvida de que os valores movimentados por CLAUDIOMIRO na sua campanha eleitoral constituem flagrante abuso de poder econômico com violação ao princípio da paridade de armas entre os candidatos.

A conduta envolveu valores excessivos e desproporcionais, haja vista a demonstração dos fatos até aqui examinados, como o relativo ao cheque apreendido no Posto Burmann, no valor de R$ 8.184,00, para pagamento de vales-combustíveis, especialmente se considerado o tamanho do Município de Ijuí, de médio porte.

Nesse mesmo sentido, colaciono a jurisprudência desta Casa:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Prefeito e vice não eleitos. Abuso de poder econômico. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Inelegibilidade. Eleições 2012.

Preliminares de ilicitude da prova e de inovação recursal rejeitadas: a) a juntada de prova emprestada “realizada em processo criminal em que se apuraram os mesmos fatos”, antes da apresentação das alegações finais, não configura afronta ao devido processo legal. Oportunizado aos réus o contraditório, que dele se utilizaram e se manifestaram, inclusive sobre a prova cuja ilicitude se alega; b) pequena modificação à tese da defesa, nas razões recursais, não caracteriza inovação recursal.

1. Abuso de poder econômico. Existência de provas materiais e testemunhais demonstrando a distribuição de vales-combustível e a concomitante adesivação dos veículos dos eleitores com a propaganda dos recorrentes. Difusão massiva da candidatura no cenário de disputa política local, representando utilização de recursos financeiros de forma abusiva. Manutenção da condenação e da declaração da inelegibilidade dos recorrentes pela prática do abuso de poder econômico previsto no art. 22, caput, c/c inciso XIV, da Lei Complementar n. 64/90.

2. Captação ilícita de sufrágio. Entrega de dinheiro e vale-gás a eleitora em troca do voto. Ausência da prova robusta e incontroversa da ocorrência do especial fim de agir para a negociação do voto. Reforma da sentença no ponto. Afastada a pena de multa.

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n 46429, ACÓRDÃO de 08.10.2015, Relator(a) DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator(a) designado(a) DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 187, Data 13.10.2015, Página 4). (Grifei).

 

Por essas razões, reportando-me à análise do caderno probatório acima realizada, entendo que restou suficientemente comprovada a prática de abuso do poder econômico pelo recorrente, devendo ser mantida a sentença também nesse sentido.

Da inelegibilidade

Insurge-se o recorrente contra o que chamou de “condenação de inelegibilidade”, ao argumento de que, em não se tratando de pena, só poderia ser verificada em caso de futuro registro de candidatura.

Razão não lhe assiste, porque não se trata, no caso concreto, de inelegibilidade como efeito secundário de condenação, mas de sanção prevista no art. 22, inc. XIV da Lei Complementar n. 64/90 – inelegibilidade cominada, como consequência expressamente prevista no dispositivo legal em referência.

Portanto, diferentemente do pretendido pelo recorrente, não é o caso de apreciação da inelegibilidade apenas em sede de registro de candidatura, por se tratar, sim, de penalidade prescrita em lei para os ilícitos de abuso de poder.

 

Encaminhando o voto no sentido de manter a condenação de CLAUDIOMIRO pela prática dos ilícitos dos arts. 41-A e 30-A da Lei das Eleições e de abuso do poder econômico, resta apreciar o pedido de majoração da penalidade pecuniária que lhe foi imposta, formulado pelo MPE, o qual, a meu ver, não merece acolhida.

Das condutas praticadas – captação ilícita de sufrágio, captação e gastos ilícitos de recursos e abuso de poder econômico – apenas a primeira é sancionada com multa. Portanto, a análise quanto à adequação do valor arbitrado pelo juízo deve se limitar a essa conduta.

Pois bem. Delineados esses parâmetros, anoto que o valor da multa aplicada a CLAUDIOMIRO é de 5.000 UFIR, acima, portanto, do mínimo, que é de 1.000 UFIR.

Considerando que estou afastando dois dos fatos que embasaram a condenação, quais sejam, a realização de jantares para captação de votos e o uso da máquina pública, reputo adequado o valor fixado na origem, o qual está em conformidade, outrossim, com os valores fixados por este Tribunal em julgados semelhantes, nos quais levados em conta a forma como perpetrada a captação ilícita de sufrágio e a considerável quantidade dos montantes e eleitores envolvidos.

Ressalto que a multa fixada na sentença e mantida nesta decisão será convertida para moeda corrente nos termos da Resolução TSE n. 23.457/15, tendo em vista a extinção da UFIR desde o ano 2000, ocasião em que alcançou o valor de R$ 1,0641.

Por fim, reitero que as sanções impostas ao recorrente CLAUDIOMIRO afiguram-se adequadas aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ainda mais quando demonstrado que a vitória na eleição foi alcançada por seu agir ilícito, assim como de terceiros, dirigido a quebrar a isonomia e a legitimidade do pleito.

Ainda, impende readequar a parte dispositiva da sentença no que se refere à destinação dos votos recebidos por CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETTA.

Com efeito, assim dispôs o magistrado de primeira instância (fls. 2.250-2.269):

[...]

Determino, ainda, o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, nos termos dos arts. 106 e 107 do Código Eleitoral com exclusão dos votos conferidos ao ora requerido tendo em vista que nos termos da fundamentação resta nula a votação obtida pelo vereador eleito, com fundamento no artigo 222 do Código Eleitoral, com a decorrente exclusão do nome de CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETA da lista oficial de resultados das eleições proporcionais do Município de Ijuí.

Ao contrário, os votos conferidos ao recorrente, por via de consequência, devem ser computados para a legenda do partido pelo qual concorreu, devendo-se empossar o primeiro suplente desta, a teor do art. 175, § 4º do Código Eleitoral e na linha da jurisprudência desta Corte.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e pelo parcial provimento do recurso interposto por CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETTA, apenas para afastar a condenação no que diz respeito à realização de jantares e utilização da máquina pública, mantendo, nos termos da fundamentação, a cassação do seu diploma e a declaração de sua inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos oito anos subsequentes ao pleito de 2016, bem como a condenação à multa no valor de 5.000 UFIR - convertido para o valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos).

De ofício, procedo à readequação da parte dispositiva da sentença no que se refere à destinação dos votos recebidos por CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETTA, os quais devem ser computados para a legenda do partido pelo qual concorreu, devendo-se empossar o primeiro suplente desta, nos termos do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral.

Determino, após transcorrido o prazo para embargos de declaração ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, a comunicação desta decisão à respectiva Zona Eleitoral, para o devido registro e cumprimento.

 

Des. Eleitoral Luciano André Losekann:

Senhor Presidente, eminentes colegas. Não vou aguardar o voto-vista do Des. Silvio, já adiantando que estou acompanhando a eminente relatora.

É perfeitamente possível estabelecer um cotejo entre o que diz o art. 41-A da Lei n. 9.506/97 com o art. 299 do Código Eleitoral, que prevê o crime de corrupção eleitoral. A descrição é muito assemelhada nos dois tipos, tanto no art. 41-A como no art. 299, que refere justamente o crime de corrupção eleitoral. E hoje, casualmente, é o dia dos vales-combustível, porque o próximo processo pautado trata do mesmo problema. E neste feito relatado pela Desembargadora Marilene temos dois grandes problemas: os vales-combustível e os vales-rancho destinados à aquisição de gêneros alimentícios. Estou absolutamente convencido, na esteira do voto da eminente relatora, da ocorrência de captação ilícita de sufrágio, justamente porque, ao estabelecer este cotejo entre o art. 41-A da Lei das Eleições e o art. 299 do Código Eleitoral, percebe-se que as condutas de pessoas, de candidatos que pretendem fazer, ou fazem, esta compra de votos, não são praticadas de modo escancarado. Como já disse, num feliz acórdão do Tribunal Superior Eleitoral, a ministra Nancy Andrighi, analisando especialmente o tipo do art. 299 do Código Eleitoral, para a verificação do crime de corrupção eleitoral é necessária a comprovação do chamado dolo específico. Como se prova esse dolo específico ou, em outras palavras, como se prova a captação ilícita de sufrágio? É óbvio que nenhum candidato e nenhum eleitor envolvido nessa compra de voto vai dizer: “Eu comprei votos” ou “eu fui corrompido pelo candidato”. A verificação do dolo específico - disse a Ministra Nancy Andrighi, nos autos do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento AgR-AI 7758 SE, publicado em 2012, quando ela ainda integrava o Tribunal Superior Eleitoral - é feita em cada caso, de forma indireta, por meio da análise das circunstâncias do fato, tais como: a conduta do agente, a forma de execução do delito e o meio empregado. No presente voto da eminente relatora, isso ficou bem demonstrado, ou seja, no momento em que houve a busca e apreensão no posto de gasolina e foram recolhidos quarenta e tantos vales-combustível, é óbvio que esses vales estavam sendo distribuídos à medida que os eleitores lá chegavam, ainda que não se tenha identificado - e a jurisprudência do TSE robora esta circunstância - nenhum eleitor específico. Por quê? Porque basta a mera intenção de tentar comprar o voto do eleitor para que já se caracterize a captação ilícita de sufrágio, assim como também se tem a consumação do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Então, estou acompanhando a eminente relatora em todos os seus termos. E é como voto, senhor Presidente.

 

(Após o voto da relatora, Desa. Eleitoral Marilene Bonzanini, proferiu voto o Des. Eleitoral Losekann. Pediu vista dos autos o Des. Eleitoral Silvio Ronaldo. Os demais aguardam o voto-vista.)

Composição: Desembargadores Jorge Luís Dall'Agnol, presidente, Marilene Bonzanini, Luciano André Losekann, Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Eduardo Augusto Dias Bainy, João Batista Pinto Silveira, Gerson Fischmann e o Procurador Regional Eleitoral Substituto, Fábio Nesi Venzon.