RE - 3102 - Sessão: 09/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos eleitorais interpostos por ALEXSANDER ALMEIDA DE MEDEIROS, DANIEL LUIZ BORDIGNON, ROSANE MASSULO DA SILVA BORDIGNON e CLÁUDIO ROBERTO PEREIRA ÁVILA contra sentença de procedência parcial de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pela COLIGAÇÃO GRAVATAÍ NÃO PODE PARAR, que declarou a inelegibilidade dos recorrentes para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes ao pleito de 2016, com fulcro no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90.

A inicial da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) relatou que, na eleição municipal de 2016, Daniel Bordignon obteve a maioria dos votos nominais dos eleitores de Gravataí. Entretanto, ao ter sua candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral, em virtude da perda dos seus direitos políticos, determinou-se a realização de novas eleições em março de 2017, ocasião em que foi lançada a candidatura de Rosane Bordignon, esposa de Daniel, e Alex Peixe, como candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito. Alegou que a candidatura de Rosane estava viciada e eivada de irregularidades, porquanto se utilizava de propaganda que visava confundir os eleitores, colocando em destaque a figura de Daniel Bordignon e reduzindo Rosane a mera figura decorativa, que emprestava seu nome para legitimar candidatura rejeitada pela Justiça Eleitoral. Mencionou que o patrimônio eleitoral de Rosane é insignificante e que a propaganda veiculada ofende o princípio da igualdade, revelando desvio dos meios de comunicação social e abuso do poder político e econômico. Salientou que a prática adotada configurou-se em uma espécie de fraude eleitoral, que buscava criar junto aos eleitores a falsa impressão de que poderiam votar em Daniel Bordignon e de que este governaria.

A sentença recorrida considerou comprovada a utilização indevida dos meios de comunicação social com o objetivo de beneficiar a candidatura da chapa integrada por Rosane e Alexsander, diante da utilização, em destaque, do sobrenome do candidato Daniel Bordignon no material publicitário de campanha e nas redes sociais, induzindo o eleitorado a acreditar que poderia votar em candidato impedido de concorrer.

Em suas razões recursais, CLÁUDIO ROBERTO PEREIRA ÁVILA, ex-candidato a vice-prefeito nas eleições majoritárias de 2016, integrante da chapa do então candidato a prefeito, Daniel Bordignon, alega que a prova trazida aos autos não demonstra potencial de interferência no direcionamento do pleito. Sustenta que o eleitor de Gravataí estava plenamente ciente da impugnação da candidatura de Daniel Bordignon e de que sua esposa Rosane passaria a ocupar a candidatura ao cargo de prefeito. Defende que sua manifestação através das redes sociais jamais teve o intuito de ludibriar os eleitores. Aduz que não participava da coordenação de campanha da então candidata Rosane nem autorizava a confecção de qualquer material de publicidade, e que sua participação se dava apenas como eleitor entusiasta e divulgador da candidatura posta, por ter tido participação direta na eleição anterior, quando foi candidato a vice-prefeito.

DANIEL LUIZ BORDIGNON e ROSANE MASSULO DA SILVA BORDIGNON, em suas razões recursais, alegam que, para o eleitor de Gravataí, o nome BORDIGNON  é símbolo de trabalho, e que chamar Rosane de “laranja” é menosprezar, de forma preconceituosa e inaceitável, a sua trajetória na vida política do município. Sustentam que Rosane tem seu espaço próprio ao lado do marido, Daniel Bordignon, que também é político conhecido por sua capacidade. Alegam que é indissociável a vida política de Rosane e Daniel Bordignon e que não houve uso abusivo dos meios de comunicação. Sustentam, ainda, que, se admissível o uso abusivo dos meios de comunicação, não teria sido demonstrada a gravidade das circunstâncias exigida pelo inc. XVI do art. 22 da LC n. 64/90. Aduzem que as fotos transmitidas pelo Facebook não tiveram qualquer potencialidade para afetar o pleito ou capacidade de macular a lisura das eleições. Argumentam que não há ilicitude em Daniel Bordignon manifestar apoio à candidatura de sua mulher Rosane.

ALEXSANDER ALMEIDA DE MEDEIROS, o ALEX PEIXE, candidato ao cargo de vice-prefeito nas eleições suplementares realizadas em março de 2017, em conjunto com a candidata ao cargo majoritário Rosane Bordignon, em suas razões recursais aduz que a inelegibilidade é personalíssima e que somente pode ser decretada em relação a fatos concretos de sua responsabilidade. Sustenta que não há fato específico atribuído a sua pessoa capaz de sofrer a referida sanção. Aduz que as propagandas objeto da presente representação não ofendem qualquer um dos ditames legais e que o fato de a propaganda eleitoral ter a figura de uma pessoa com os direitos políticos suspensos não pode, por si só, estabelecer a inelegibilidade ou ser declarada irregular.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são tempestivos.

No mérito, a discussão do presente feito versa sobre a caracterização do abuso dos meios de comunicação social diante da utilização, em destaque, do sobrenome do candidato Daniel Bordignon no material publicitário de campanha e nas redes sociais, induzindo o eleitorado a acreditar que poderia votar em candidato impedido de concorrer.

O uso indevido dos meios de comunicação social está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito. (Grifei.)

A respeito do tema, cite-se a doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 5ª ed., Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 542):

A utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre sempre que um veículo de comunicação social (v.g., rádio, jornal, televisão) não observar a legislação de regência, causando benefício eleitoral a determinado candidato, partido ou coligação.

Em reforço, a respeito do que se entende por abuso do poder, a lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 12 ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 310-311):

No Direito Eleitoral, por abuso de poder compreende-se o mau uso de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a se exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de se influir indevidamente em determinado pleito eleitoral.

 

Dessarte, o reconhecimento do abuso ou do uso indevido dos meios de comunicação social não resulta da subsunção das condutas a tipos legais fechados, mas da verificação da gravidade dos fatos, direcionados a influenciar o eleitorado e capazes de interferir na normalidade e na legitimidade do pleito.

Nesse sentido é a jurisprudência, como se verifica pela seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ENTIDADE SINDICAL. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO.

1. Com base na compreensão da reserva legal proporcional, compete à Justiça Eleitoral verificar, baseada em provas robustas admitidas em Direito, a ocorrência de abuso de poder, suficiente para ensejar as severas sanções previstas na LC nº 64/1990. Essa compreensão jurídica, com a edição da LC nº 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento desse ilícito poderá afastar o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alíneas d, h e j, da LC nº 64/1990).

2. A normalidade e a legitimidade do pleito, referidas no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, decorrem da ideia de igualdade de chances entre os competidores, entendida assim como a necessária concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, sem a qual se compromete a própria essência do processo democrático.

3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, "o abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. Já o uso indevido dos meios de comunicação se dá no momento em que há um desequilíbrio de forças decorrente da exposição massiva de um candidato nos meios de comunicação em detrimento de outros" (REspe nº 4709-68/RN, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10.5.2012).

4. Conquanto algumas das publicidades realizadas pelo sindicato tenham sido julgadas regulares pela Justiça Eleitoral, outras extrapolaram os limites da liberdade de expressão e revelaram propaganda eleitoral negativa. Contudo, não há, na hipótese dos autos, fato grave a ensejar condenação, pois, nos termos da nova redação do art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/1990, não se analisa mais a potencialidade de a conduta influenciar no pleito (prova indiciária da interferência no resultado), mas "a gravidade das circunstâncias que o caracterizam". Entendimento que não exclui a possibilidade de eventuais publicidades irregulares serem analisadas em outra ação e em conjunto com outros possíveis ilícitos eleitorais. Conforme a jurisprudência deste Tribunal, "a caracterização do abuso do poder econômico não pode ser fundamentada em meras presunções e deve ser demonstrada, acima de qualquer dúvida razoável, por meio de provas robustas que demonstrem a gravidade dos fatos. Precedentes" (REspe nº 518-96/SP, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 22.10.2015).

5. Recurso ordinário desprovido.

(Recurso Ordinário n. 457327, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário Justiça Eletrônico, Volume, Tomo 185, Data 26.9.2016, Página 138/139.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o uso indevido dos meios de comunicação social caracteriza-se pela exposição desproporcional de um candidato em detrimento dos demais, ocasionando desequilíbrio na disputa eleitoral.

2. Ainda segundo o Tribunal Superior Eleitoral, o abuso do poder econômico configura-se mediante o uso desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura.

3. No caso dos autos, ambos os ilícitos não foram comprovados, notadamente porque as matérias divulgadas no jornal O Grito tiveram cunho meramente jornalístico e não privilegiaram exclusivamente uma candidatura em detrimento da outra. Ademais, não se comprovou o liame entre o jornal e os agravados ou a anuência destes com a divulgação da matéria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 73.014, acórdão de 24.10.2014, Relator Min. João Otávio de Noronha, Diário da Justiça Eletrônico - DJE de 2.12.2014, tomo 227, p. 30.)

Cumpre repisar, ainda, que nos termos do entendimento consagrado no âmbito do TSE, “a aplicação das sanções previstas no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 impõe a existência ex ante de prova inconteste e contundente da ocorrência do abuso, não podendo estar ancorada em conjecturas e presunções” (REspE n. 85587, Acórdão, Relatora Min. Luciana Lóssio, DJE, Tomo 92, Data 12.5.2017, Página 32).

Com essas premissas, cumpre examinar o caso.

Ainda que não haja prévio rol dos fatos que podem dar ensejo à configuração do uso indevido dos meios de comunicação, não há controvérsia de que esses fatos devem ser cometidos por veículo de comunicação social, rádio, jornal e que sejam suficientemente graves a causar benefício indevido a candidato, partido ou coligação.

Essa compreensão decorre da semântica do texto e da interpretação dada pela doutrina e jurisprudência.

No caso, não há sequer a participação de veículo de comunicação social ao qual pudesse ser imputada a conduta.

Ao que se verifica da narração dos fatos na exordial, há narrativa de realização de propaganda irregular e não de circunstâncias de abuso de poder.

Portanto, a descrição dos fatos não se amolda ao objeto da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, que tem por hipóteses de cabimento a prática de abuso do poder econômico, abuso de poder de autoridade (ou político), utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social e transgressão de valores pecuniários.

A propósito, registro que esses mesmos fatos já foram objeto de análise nesta Casa, sob a perspectiva de propaganda eleitoral.

Colaciono a ementa:

RECURSOS. JUGALMENTO CONJUNTO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. ART. 242 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÃO SUPLEMENTAR. 

O art. 242 do Código Eleitoral proíbe o emprego de recursos publicitários destinados a criar de modo artificial estados mentais, emocionais ou passionais na opinião pública. Participação de ex-candidato - o qual teve a candidatura indeferida por encontrar-se com os direitos políticos suspensos - em campanha eleitoral de cônjuge, candidata ao cargo majoritário em eleição suplementar. O uso inadequado da imagem do ex-candidato em todo o material de campanha, aparecendo em destaque e como protagonista do pleito, cria artificialmente a ideia da possibilidade de exercício do comando do cargo de prefeito. Situação diversa daquela caracterizadora de mero apoio à candidatura, permitida pelo art. 54 da Lei n. 9.504/97.

Perda do objeto do recurso aviado contra a decisão liminar que determinou o recolhimento do material e aplicou multa. Apeloprejudicado.

Provimento negado ao recurso impetrado contra sentença.

(RE n. 6-04.2017.6.21.0071, julgado em 09.3.2017, Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz.) (Grifei.)

Naquele julgamento, sob o ângulo da propaganda eleitoral, os anúncios publicitários foram reconhecidos como irregulares, mas não se pode transpor essa esfera de cognição para a configuração de uso indevido dos meios de comunicação.

Nesses autos, em que pese sequer haja a presença de veículo de comunicação social para que se possa analisar a caracterização do seu uso indevido, não se verifica a necessária gravidade dos fatos a ensejar o reconhecimento de ofensa à normalidade e à legitimidade do pleito.

Com efeito, inequívoco que a publicidade veiculada durante a campanha eleitoral valeu-se da figura de Daniel Bordignon, mas essa circunstância não se amolda ao instituto jurídico do uso indevido dos meios de comunicação.

Portanto, a dimensão dos fatos demonstrados no processo, ainda que possam ter configurado propaganda irregular, não desbordaram da normalidade e do razoável, merecendo reforma a sentença.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo provimento dos recursos de ALEXSANDER ALMEIDA DE MEDEIROS, DANIEL LUIZ BORDIGNON, ROSANE MASSULO DA SILVA BORDIGNON e CLÁUDIO ROBERTO PEREIRA ÁVILA, ao efeito de julgar improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, absolvendo-os da sanção de inelegibilidade imposta no comando sentencial.