RE - 920 - Sessão: 20/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de MARAU e por seus dirigentes - LUCIVANDRO SCORTEGAGNA, ALVERI JOSÉ ANDREIS e KELEN ELIANE BORGES DA ROSA-, contra sentença da 62ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas partidária referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude da arrecadação de recursos provenientes de fontes vedadas, determinando o recolhimento da importância de R$19.582,21 ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do recebimento dos recursos do Fundo Partidário pelo período de 10 (dez) meses (fls. 131-137).

Em suas razões (fls. 140-144), os recorrentes alegam que, com o advento da Lei n. 13.488/17, houve a modificação da disposição contida no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, afastando a vedação de aporte de recursos oriundos de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados a partido político. Sustentam que os valores foram recebidos quando não estava consolidado o entendimento acerca do conceito de autoridade pública, assentado no Tribunal a partir do julgamento da Consulta n. 109-98, cujo acórdão foi publicado em 23.9.2015. Afirmam a ausência de pronunciamento do TSE a respeito do tema. Asseveram que tanto o art. 12, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, quanto o art. 25 da Resolução TSE n. 23.463/15 não mencionam os detentores de mandato eletivo como autoridades públicas. Invocam a autonomia partidária prevista no art. 17 da CF/88. Informam que o estatuto do PDT prevê, de forma obrigatória, a contribuição dos filiados. Requerem a reforma da decisão para que as contas sejam aprovadas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 149-159v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

No mérito, as contas foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos de fontes vedadas no exercício de 2015, proveniente de autoridades públicas, no valor total de R$19.582,21.

A fim de evitar tautologia, transcrevo trecho da decisão (fl. 132):

Não obstante, consoante se observa do parecer conclusivo, o Partido recebeu recursos financeiros cuja origem é de fonte vedada, eis que o recurso é oriundo de ocupantes de cargos de direção ou chefia na Prefeitura Municipal de Marau e, portanto, incluídos no conceito de autoridade pública. O valor total corresponde a R$19.582,21 (dezenove mil, quinhentos e oitenta e dois reais e vinte e um centavos), de um total arrecadado de R$19.800,59 (diferença de R$218,38).

É de se observar que, da relação constante na fl. 49 dos autos, apenas dois contribuintes não estão abarcados pela vedação legal para doação. (Grifei.)

Inicialmente, registro que esta Corte, em 12.12.2017, definiu que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. 6. Provimento parcialArt. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(TRE-RS – RE n. 1497 Novo Hamburgo - RS, Relator: Dr. Luciano André Losekann, Data de Julgamento: 04.12.2017, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 225, Data 15.12.2017, Página 6.) (Grifei.)

Anoto, por pertinente, que as doações aqui debatidas foram realizadas por detentores de cargos na administração municipal que integram a listagem anexada às fls. 90-95, dentre os quais não estão incluídos detentores de mandato eletivo, razão pela qual desconsidero os argumentos defensivos a respeito dessa discussão.

Relativamente às fontes vedadas, o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 proíbe o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II -autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38; (Grifei.)

O conceito de autoridade pública abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE na Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. (Grifei.)

Reproduzo, por oportuno, trechos da referida consulta:

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

[...]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção. (Grifei.)

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, tendo em vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos, com aptidão de desigualar os partidos que não contam com tal privilégio.

O Ministro Cezar Peluso, redator da consulta, ao examinar o elemento finalístico da norma, que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Nesse sentido, sobreveio a Resolução TSE n. 23.432/14, que, em seu art. 12, inc. XII e § 2º, disciplinou o assunto:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

XII – autoridades públicas; (…)

§2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta. 

Dessarte, a vedação imposta pela referida Resolução do TSE não tem outro objetivo senão o de obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Como se percebe, a citada interpretação dada ao termo “autoridade” é anterior ao exercício financeiro de 2015, o que aniquila a argumentação dos recorrentes no particular.

E a jurisprudência deste Tribunal segue o mesmo entendimento, consoante colacionado no julgado de relatoria do meu antecessor nessa Corte, Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. (...)

Caracterizado o ingresso de recurso de fonte vedada, em face do recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis "ad nutum", da administração direta e indireta, que detém a condição de autoridade, em contrariedade ao art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Determinação de transferência do montante recebido de fonte vedada ao Fundo partidário. Recebimento de recursos do Fundo Partidário durante o período em que a distribuição de quotas se encontrava suspensa por decisão judicial transitada em julgado. Determinação de restituição do valor ao Erário. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que deram nova redação ao art. 37 da Lei 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas contas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes de sua vigência.

(...) Desaprovação.

(Prestação de Contas n. 7412, Acórdão de 17.12.2015, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 232, Data 18.12.2015, Página 3-4.)

Frisa-se que a previsão estatutária da agremiação deve se adequar à lei e às normas da Justiça Eleitoral, sem que isso acarrete violação à autonomia partidária, tendo em vista a proeminência do interesse público subjacente às disposições.

Na espécie, ao confrontar a listagem dos detentores de cargos demissíveis ad nutum (fls. 90-95) com a relação de contribuintes no demonstrativo à fl. 49, observo que, ressalvados os valores ofertados por Ladislau Busnello (R$230,00) e Tamiris Triches (R$413,60), ambos ocupantes do cargo de assessor geral e, portanto, exercentes de funções de assessoramento, os demais recursos foram arrecadados por titulares de cargo de direção e chefia, emoldurando-se na vedação normativa.

Assim, deduzida a quantia proveniente dos titulares de cargo de assessoramento (R$643,60), ainda assim o montante arrecadado de fontes vedadas permanece expressivo (R$18.938,61), representando o percentual de 95,64% das receitas do partido, razão pela qual deve ser mantida a desaprovação das contas, não sendo possível relevar a irregularidade, a partir da aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, e tampouco afastar a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor reconhecido como oriundo de fonte vedada.

Entrementes, quanto ao prazo da suspensão das quotas do Fundo Partidário, a jurisprudência firmou-se no sentido da fixação proporcional da sanção:

Prestação de contas de campanha. Partido político. Exercício financeiro de 2008.

1. A ausência de comprovação de verbas originárias do Fundo Partidário e a existência de recurso de origem não identificada configuram irregularidades capazes de ensejar a desaprovação das contas.

2. O agravante recebeu do Fundo Partidário o montante de R$ 222.808,17 e as irregularidades das receitas oriundas deste totalizaram R$ 29.885,94, o que equivale a 13,41% do montante total dos recursos arrecadados, além de ter sido registrada a existência de falha, no valor de R$ 15.240,39, referente a recursos de origem não identificada, o que revela que a suspensão do repasse das quotas do Fundo pelo período de seis meses é razoável e não contraria o art. 30, § 2º, da Lei 9.096/95.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 378116, Acórdão de 07/11/2013, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 228, Data 29/11/2013, Página 15)

 

Recurso. Prestação de contas de partido. Diretório Municipal. Artigos 10 e 11 da Res. TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. Desaprovam-se as contas quando verificada a utilização de recursos com origem não identificada e não apresentados os livros contábeis obrigatórios, impedindo a fiscalização da escrituração pela Justiça Eleitoral.

Redução da fixação da suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 3489, Acórdão de 10.7.2014, Relator Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 123, Data 16.07.2014, Página 2.)

No caso, considerando o valor recebido a título de fonte vedada e o porte da agremiação, o período de suspensão deve ser reduzido para o prazo de 04 (quatro) meses.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para diminuir o período de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário para 04 (quatro) meses e reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$18.938,61, mantendo os demais termos da sentença.