RC - 6578 - Sessão: 20/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a decisão que não recebeu a denúncia oferecida contra DARCI SCHWEIG RECKZIEGEL, candidato a vereador nas eleições 2008, na qual foi requerida a condenação do denunciado por prática do delito disposto no art. 350 do Código Eleitoral (falsidade ideológica para fins eleitorais), mediante inserção de informação falsa, consistente em rasuras em recibo eleitoral juntado na prestação de contas de campanha apresentada à Justiça Eleitoral (fls. 72-73).

Ao não receber a denúncia, foi declarada a extinção da punibilidade pela juíza a quo, com fundamento no implemento da prescrição de 8 anos estabelecida nos arts. 107, inc. IV, e 109, inc. V, ambos do Código Penal, na inteligência de que o recibo eleitoral, acostado em prestação de contas rejeitada pela Justiça Eleitoral, deve ser considerado um documento particular, relativamente ao qual os tipos dos arts. 299 do Código Penal (falsidade ideológica) e 350 do Código Eleitoral estabelecem pena máxima de 3 anos de reclusão em caso de falsificação (fls. 75-76).

Em suas razões, sustenta que o recibo eleitoral é um documento público oficial, confeccionado pela Justiça Eleitoral para viabilizar e tornar legítima a arrecadação de recursos para a campanha, considerado imprescindível para a instrução da prestação de contas dos candidatos. Defende a aplicação da pena máxima de 5 anos de reclusão prevista para o crime de falsidade ideológica para fins eleitorais (art. 350 do Código Eleitoral). Requer o provimento do apelo e o consequente recebimento da denúncia (fls. 79-80).

Em contrarrazões, DARCI SCHWEIG RECKZIEGEL alega que embora o recibo eleitoral possa se revestir de interesse público, não pode ser considerado um documento público, uma vez que não é preenchido por funcionário público. Invoca o § 2º do art. 297 do Código Penal (falsificação de documento público), o § 2º do art. 350 (falsidade ideológica para fins eleitorais) e o art. 348 (falsificação de documento público para fins eleitorais), ambos do Código Eleitoral, para fundamentar a tese de que o documento é particular, consignando que os partidos políticos não se equiparam a entidades paraestatais por expressa previsão contida no art. 1º da Lei n. 9.096/95. Assevera que o recibo eleitoral em questão deve ser considerado um documento privado. Colaciona doutrina e jusrisprudência. Postula a manutenção da decisão recorrida (fls. 93-98).

A Procuradoria Regional Eleitoral opina, preliminarmente, pelo recebimento do apelo como recurso criminal e, no mérito, pela capitulação do fato no tipo do art. 349 do Código Eleitoral (falsificação de documento público para fins eleitorais), o qual atribui a pena privativa de liberdade de até 5 anos de reclusão, e consequente aplicação do prazo de prescrição de 12 anos para o caso concreto. Ressalta, contudo, a impossibilidade de recebimento da denúncia nesta instância, diante da ausência de juntada ao feito do recibo original. Pondera, por fim, pela aparente falta de relevância jurídica no fato narrado em virtude de se tratar de falsificação grosseira, visível a olho nu pelo servidor da Justiça Eleitoral (fls. 106-107391v.).

É o relatório.

 

VOTO

Inicialmente, conforme bem apontado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser aplicado o princípio da fungibilidade para que o presente recurso em sentido estrito seja recebido como recurso criminal, em atenção ao art. 362 do Código Eleitoral e à jurisprudência deste Tribunal, que cumpre transcrever:

Recurso criminal. Irresignação contra sentença que rejeitou a denúncia, extinguindo a punibilidade do réu. Alegada prática da conduta tipificada no art. 39, § 5º, incisos II e III, e art. 39-A, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Descumprimento das condições estabelecidas em transação penal.

Aplicação do princípio da fungibilidade para conhecimento da irresignação interposta como recurso em sentido estrito. Subsidiariedade do Código de Processo Penal, apesar da prevalência da regra estabelecida no art. 362 do Código Eleitoral. Cabimento admitido pela doutrina e jurisprudência desde que observados os prazos de interposição.

Reconhecimento, em sede de repercussão geral, do entendimento no sentido da viabilidade da persecução penal quando do não atendimento das condições homologadas em transação. Inexistência de ofensa ao devido processo, à ampla defesa e ao contraditório.

Provimento.

(Recurso Criminal n. 840741, Acórdão de 04.7.2013, Relator Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 123, Data 08.7.2013, Página 10.) (Grifei.)

O art. 362 do Código Eleitoral estabelece que “das decisões finais de condenação ou absolvição cabe recurso para o Tribunal Regional, a ser interposto no prazo de 10 (dez) dias”.

Na hipótese em tela, considerando que o Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 17.1.2018 (fl. 77), e que o recurso foi interposto em 22.1.2018, no prazo de cinco dias, o apelo deve ser conhecido em consideração à fungibilidade recursal.

Assim, recebo o presente recurso em sentido estrito como recurso criminal.

No mérito, assiste razão ao recorrido ao sustentar que os recibos eleitorais são documentos particulares.

A divergência quanto à natureza jurídica do recibo eleitoral e sua classificação como documento público ou particular foi definida por este Tribunal em 24.9.2013, no julgamento do RC n. 635038, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, assentando-se a conclusão de que os recibos eleitorais são considerados documentos privados na esfera penal porque não são preenchidos por funcionário público.

Confira-se o precedente:

Recurso criminal. Crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso. Arts. 350 e 353 do Código Eleitoral. Princípio da Consunção.

Procedência da denúncia no juízo originário.

(...)

Comprovada a falsidade ideológica das declarações contidas nos recibos eleitorais, assim como a autoria dos delitos. Aplicável o princípio da consunção, restando configurado um único crime, porquanto o uso do documento falso representa mero exaurimento do delito de falsidade ideológica.

Redução da multa imposta ao valor mínimo legal, dada a natureza dos recibos eleitorais, considerados documentos privados na esfera penal, já que despiciendo o seu preenchimento por funcionário público.

Provimento parcial.

(Recurso Criminal n. 635038, Acórdão de 24.9.2013, Relator Dr. Leonardo Tricot Saldanha, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 178, Data 26.9.2013, Página 4.) (Grifei.)

O referido julgado considerou a posição doutrinária sobre o tema, que define o documento público “como sendo o escrito, revestido de certa forma, destinado a comprovar um fato, desde que emanado de funcionário público” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, RT, 8ª ed., 2008, p. 1009), e o entendimento jurisprudencial aplicado às notas fiscais, que as compreende como documentos particulares:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. NOTA FISCAL. DOCUMENTO PARTICULAR. CONDENAÇÃO. SENTENÇA. OBSCURIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DO CRIME PRATICADO. NÃO INDICAÇÃO DO TIPO PENAL ESPECÍFICO. NULIDADE ABSOLUTA. PREJUÍZO CARACTERIZADO. SENTENÇA ANULADA. ORDEM CONCEDIDA.

A nota fiscal, para fins de direito penal, é considerada pela doutrina e jurisprudência como documento particular.

(...)

(STJ, HC n. 27.122/MG, Relator Min. Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 09.11.2006, DJ 12.02.2007, p. 300.) (Grifei.)

Estabelecida a natureza particular do documento, passo ao exame da tipificação penal de acordo com o fato narrado na denúncia (fls. 72-73):

No dia 30 de setembro de 2008, nesta Circunscrição Eleitoral, o denunciado inseriu no recibo eleitoral acostado aos autos (fl. 38) declaração falsa, para fins eleitorais.

O denunciado, após vista do relatório conclusivo de prestação de contas, inseriu no recibo informação inverídica, animada a conduta de forma livre e com potencial consciência da ilicitude, como também com um especial fim de agiar.

O denunciado inseriu informação falsa no recibo eleitoral para fins de justificar os gastos apresentados na nota fiscal constante da fl. 42.

O documento da fl. 38 (recibo eleitoral) foi firmado pelo denunciado.

ASSIM AGINDO, o denunciado DARCI SCHWEIG RECKZIEGEL incorreu no art. 350 do Código Eleitoral, razão por que o Ministério Público Eleitoral oferece denúncia (…)

Como se vê, a Promotora Eleitoral com atribuição junto à origem considerou que o falto se amolda ao crime do art. 350 do Código Eleitoral:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

A Procuradoria Regional Eleitoral, por sua vez, sustenta que o fato se subsume ao delito previsto no art. 349 do Código Eleitoral:

Art. 349. Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa.

Ocorre que, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal e do Tribunal Superior Eleitoral, a falsificação de recibo eleitoral existente em autos de processo de prestação de contas se enquadra no delito do art. 350 do Código Eleitoral, pois o documento acostado ao processo constitui a declaração de valores apresentada pelo candidato à Justiça Eleitoral. Colaciono precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. ARTS. 350, 353 E 354 DO CÓDIGO ELEITORAL. COMPETÊNCIA. JULGAMENTO. JUSTIÇA ELEITORAL. CONSUMAÇÃO. PERÍODO ELEITORAL. DESNECESSIDADE. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO PELO STJ PARA DECLARAR COMPETENTE O TRE/SC.

Histórico da demanda

1. Contra acórdão do TRE/SC pelo qual determinada a remessa dos autos ao TRF da 4ª Região - ao entendimento de que ausente finalidade eleitoral, "visto que a conduta, em tese, não teve como objetivo exercer influência ou obter vantagem no processo eletivo" -, interpôs recurso especial o Ministério Público Eleitoral.

2. Na origem, o MPE ofereceu denúncia em desfavor do agravante e de outros, narrando a prática das condutas previstas nos arts. 350, 353 e 354 do Código Eleitoral ocorridas por meio da falsificação de recibo eleitoral, apresentado na prestação de contas do então candidato eleito ao cargo de Prefeito nas eleições de 2008, Edson Renato Dias.

3. O recurso especial foi provido pelo então Relator, Min. Gilmar Mendes, "para declarar a competência da Justiça Eleitoral e determinar o retorno dos autos à origem para prosseguimento da ação penal", assentado que: (i) "a finalidade eleitoral a que se referem os arts. 350 e 354 do Código Eleitoral não exige que o crime tenha sido cometido necessariamente durante o período eleitoral"; e (ii) "a falsidade ideológica perpetrada para uso em prestação de contas possui finalidade eleitoral, ainda que a utilização do falso ocorra em momento posterior à eleição".Da inviabilidade do agravo regimental.

4. O agravante não logrou êxito em infirmar quaisquer dos fundamentos da decisão agravada. De rigor a aplicação da Súmula nº 26/TSE.

5. Ademais, conhecido o conflito negativo de competência pelo STJ - suscitado pelo TRF da 4ª Região - para declarar a competência do TRE/SC para o julgamento da ação penal, na mesma linha da decisão agravada.

Agravo regimental não conhecido.</span>

(Recurso Especial Eleitoral n. 977348, Acórdão, Relatora Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 225, Data 21.11.2017, Página 47.) (Grifei.)

Recurso criminal. Crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso. Arts. 350 e 353 do Código Eleitoral. Princípio da Consunção.

Procedência da denúncia no juízo originário.

Afastadas as prefaciais de nulidade da denúncia. A não observância do prazo de 10 dias, previsto no art. 357 do Código Eleitoral, não enseja a nulidade do processo. Tampouco há falar em nulidade quando as investigações têm início em denúncia anônima a qual resta devidamente apurada em diligências posteriores.

Comprovada a falsidade ideológica das declarações contidas nos recibos eleitorais, assim como a autoria dos delitos. Aplicável o princípio da consunção, restando configurado um único crime, porquanto o uso do documento falso representa mero exaurimento do delito de falsidade ideológica.

Redução da multa imposta ao valor mínimo legal, dada a natureza dos recibos eleitorais, considerados documentos privados na esfera penal, já que despiciendo o seu preenchimento por funcionário público.

Provimento parcial.

(Recurso Criminal n. 635038, Acórdão de 24.9.2013, Relator Dr. Leonardo Tricot Saldanha, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 178, Data 26.9.2013, Página 4.) (Grifei.)

Assim, tratando-se os autos de prestação de contas de campanha de um processo público, tem-se que a falsificação de recibo nela acostado caracteriza inserção de declaração falsa em documento público, para fins eleitorais.

Dessa forma, correta tanto a tipificação contida na denúncia como o raciocínio recursal de que o prazo prescricional para o crime em questão é de 12 anos, pois regulado pelo art. 109, inc. III, do Código Penal:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010). (Grifei.)

Logo, o prazo prescricional pela pena em abstrato é de doze anos, período que somente se verificará em 2020, devendo ser afastada a prescrição decretada pela juíza singular.

Entretanto, nos termos da conclusão exarada pela Procuradoria Regional Eleitoral, não é possível a esta Casa examinar desde logo o pedido de recebimento da denúncia, uma vez que a acusação de falsificação demanda análise do original do recibo supostamente rasurado, documento que não foi acostado aos autos.

Nesse sentido, colho no referido parecer:

(…) não se mostra viável o recebimento da denúncia por essa Corte Regional. A falsidade material apontada na inicial acusatória foi identificada em razão da existência de rasuras no recibo eleitoral (fl. 45).

Ocorre que não tendo sido juntada à inicial o recibo eleitoral original, mas apenas sua cópia (fl. 39) não é possível, neste momento, a constatação da materialidade do delito. Ainda que seja possível a vinda aos autos do aludido documento original, já que se encontra encartado no processo de prestação de contas do denunciado, parece-nos não ter ele potencialidade suficiente para iludir, enganar.

Isso porque, as rasuras – meio usado para falsificação – foram percebidas a “olho nu”, de plano, pelo Analista Judiciário subscritor do Relatório Conclusivo de Prestação de Contas de Candidato (fl. 45), o que induz à conclusão de se tratar de falsificação grosseira.

Embora seja inviável verificar a possibilidade de recebimento da denúncia na presente decisão, são importantes as considerações lançadas na manifestação do órgão ministerial que oficia nesta instância, no sentido de que a falsificação perceptível de plano quando do exame técnico da prestação de contas não caracterizaria violação ao tipo penal imputado.

Esse raciocínio foi realizado no seguinte acórdão do TRE de Goiás:

RECURSO CRIMINAL. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA FINS ELEITORAIS. RECIBO ELEITORAL EM BRANCO. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. CONDUTA ATÍPICA.

1. A conduta do tipo especificado no art. 353 do Código Eleitoral exige, para a configuração do tipo, a comprovação da ofensa à fé pública.

2. A constatação de um recibo eleitoral em branco e grosseiramente falsificado na prestação de contas do candidato não viola o bem jurídico tutelado.

3. Recurso desprovido. Sentença mantida.

(RC n. 922, Acórdão n. 891/2017 de 31.8.2017, Relator Luciano Mtanios Hanna, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Tomo 165, Data 13.9.2017, Página 44/46.)

Nada obstante essa diretriz jurisprudencial, o presente julgamento deve cingir-se ao provimento parcial do recurso, tão somente para que seja afastado o reconhecimento da prescrição e a declaração da extinção da punibilidade do recorrido.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento parcial do recurso para afastar o reconhecimento da prescrição e a declaração da extinção da punibilidade do recorrido, nos termos da fundamentação.