RC - 8076 - Sessão: 30/08/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos em processo-crime eleitoral interpostos por LUIZ VARASCHINI e CARLA CRISTIANE WATTHIER contra decisão do Juízo Eleitoral da 23ª Zona, que julgou parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral, em razão dos seguintes fatos, assim descritos na denúncia:

1ºFATO: 

Em data não precisada nos autos, mas entre os dias 06 de julho a 05 de outubro de 2012, durante a campanha das eleições municipais ocorridas no ano de 2012, no município de Ijuí, RS, o denunciado LUIZ VARASCHINI (vulgo Tito) prometeu vantagem à denunciada CARLA CRISTIANE WATTHIER, para obter voto e, assim, conseguir reeleger-se para o cargo de vereador.

Na oportunidade, o denunciado Luiz prometeu a Carla que se esta fizesse campanha eleitoral para ele, a indicaria para o quadro de funcionários do município de Ijuí, caso se elegesse para o cargo de vereador.

2º FATO:

No dia 05 de maio de 2013, nas dependências da Prefeitura Municipal de Ijuí, na Rua Benjamin Constante, n. 695, Centro, na cidade de Ijuí/RS, a denunciada CARLA CRISTIANE WATTHIER recebeu, para si, vantagem, para votar no candidato Luiz e participar da campanha deste (arregimentando votos de outros eleitores).

Na oportunidade, a denunciada aceitou a vantagem oferecida pelo candidato a vereador Luiz Varaschini, para nele votar e participar de sua campanha eleitoral. Em troca, a denunciada Carla teve acesso a um cargo público no município de Ijuí, tendo efetivamente exercido a respectiva função por tempo considerável.

Depois de ter aceitado a promessa de vantagem, a denunciada Carla de fato realizou campanha eleitoral para o denunciado Luiz Varaschini, sendo que seu veículo foi emblemado com a propaganda desse candidato, tendo ainda recebido, do denunciado Luiz, R$ 500,00 (quinhentos reais) e diversos valores de gasolina, a título de cobertura de despesas e pagamento para fazer campanha eleitoral em favor do referido candidato.

Após a reeleição do denunciado Luiz, a promessa foi cumprida, tendo a denunciada Carla sido nomeada no dia 05 de maio de 2013, para exercer o cargo em comissão de Coordenadora de Atenção Básica, código CC-6, da Secretaria Municipal de Saúde de Ijuí/RS, e exonerada no dia 09 de setembro de 2013, data na qual foi nomeada para o cargo em comissão de Projetos, código CC/3, e exonerada em junho de 2014.

A denúncia foi recebida em 29.9.2015 (fl. 700) e citados os denunciados recorrentes (fls. 738-745 e 838), os quais apresentaram defesa (fls. 729-735 e 773-782).

Designada audiência para oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo à acusada Carla Watthier e ao acusado Carlos Somavila, este recusou a oferta e aquela se ausentou, tendo por prejudicada a proposta (fl. 836).

Foram realizadas audiências de instrução, ouvindo-se os acusados Luiz Varaschini e Carlos Somavila ao final (fls. 908, 983, 1034, 1057 e 1079).

Apresentadas alegações finais (fls. 1083-1091, 1093-1098, 1101-1111 e 1116-1121).

Adveio sentença de parcial procedência dos pedidos da denúncia (fls. 1123-1133). O juízo sentenciante considerou comprovado que a acusada Carla aceitou promessa de vantagem, consistente na nomeação em cargo em comissão em troca de voto e trabalho na campanha do candidato Luiz Varaschini. Fundamentou serem coerentes e lineares todos os depoimentos extraprocessuais da acusada Carla no sentido de que foi nomeada para o cargo público em razão de sua atuação na campanha. Consignou estarem demonstrados o dolo específico de Luiz obter ilicitamente o voto de Carla e o exercício de cargo público por Carla após a sua participação como “cabo eleitoral” de Luiz. Absolveu o réu Luiz Varaschini e Carlos Somavilla das imputações dos fatos 3 e 4 da denúncia, por restarem dúvidas razoáveis se a promoção conquistada por Carlos deu-se em razão de seu trabalho na campanha ou por merecimento, tendo em vista o exercício anterior de ofício na Prefeitura. Condenou Luiz Varaschini à pena privativa de liberdade de 01 ano e 08 meses de reclusão em regime aberto – substituída por prestação de serviço à comunidade e pecuniária – e multa de 10 dias-multa, à razão de 1/5 do salário mínimo e Carla Watthier a 1 ano de reclusão em regime aberto – substituída por prestação pecuniária – e multa de 05 dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo.

Em seu recurso, LUIZ VARASCHINI (fls. 1159-1179), preliminarmente, alegou preclusão do direito de ação do Ministério Público, pois passaram-se mais de 10 dias entre a conclusão do inquérito e o oferecimento da denúncia. Suscita ainda a nulidade do feito, por cerceamento de defesa, tendo em vista o indeferimento de perícia técnica sobre as gravações telefônicas. No mérito, alegou ser atípico o fato imputado ao acusado, por ausência de dolo específico de obter o voto da eleitora Carla. Argumentou que foi absolvido no julgamento da acusação de promessa de emprego para a eleitora Carla, em CPI instaurada na Câmara de Vereadores. Alegou que o Vereador recebeu vários eleitores em seu gabinete com pedidos de trabalho e os orientava a distribuir currículos, como atestam testemunhos prestados perante a comissão da Câmara de Vereadores. Requer a absolvição de Luiz Varaschini.

CARLA CRISTIANE WATTHIER (fls. 1190-1197) afirma não ter recebido vantagem em troca de voto, explicando que foi convidada a trabalhar na campanha de Luiz Varaschini, com a oportunidade de obter um cargo em comissão, tal como procedeu com todos os apoiadores de campanha. Aduz ter votado em Luiz por causa de sua vinculação político-partidária, e não por causa da oferta de cargo. Requer a absolvição e, subsidiariamente, a redução da pena pecuniária para meio salário mínimo.

Com as contrarrazões, nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento dos recursos (fls. 1240-1249).

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR

Preclusão do direito de ação

Luiz Varaschini aduz que o direito de ação do Ministério Público Eleitoral teria precluído, pois a denúncia foi oferecida no dia 25.9.2015, após transcorridos 10 dias da conclusão do inquérito (10.9.2015 – fl. 695), contrariando assim o art. 357 do Código Eleitoral, segundo o qual “verificada a infração penal, o Ministério Público oferecerá a denúncia dentro do prazo de 10 (dez) dias.”

A preliminar não prospera, pois pacífica a jurisprudência no sentido de que o aludido artigo se refere a prazo impróprio, cuja inobservância não gera consequências ao processo, como se verifica pela seguinte ementa:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DO PRAZO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O eventual descumprimento do prazo para o oferecimento da denúncia não gera nulidade do processo, cuida-se de mera irregularidade. Precedentes.

2. Recurso desprovido.

(TSE, Recurso em Habeas Corpus n. 12781, Acórdão, Relatora Min. Laurita Hilário Vaz, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 19.4.2013)

Rejeita-se, portanto, a presente preliminar.

Cerceamento de defesa

Luiz Varaschini suscita, ainda, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa em razão do indeferimento dos requerimentos de quebra de sigilo e perícias técnicas sobre o áudio alusivo à gravação da conversa telefônica entre Luiz e Carla, gravada por esta última.

A preliminar não prospera.

A defesa do acusado Luiz requereu a quebra do sigilo do sítio eletrônico Ijuinews, onde divulgada parte da gravação, quebra do sigilo telefônico de Abel e Carla, perícia sobre o celular de Abel, onde foram copiadas as gravações posteriormente divulgadas pela internet, perícia sobre os arquivos com gravações originais e localização da ERB (estação de rádio base), os aparelhos telefônicos durante as ligações gravadas.

Ocorre que, em suas razões de defesa, não apresenta nenhum argumento capaz de justificar a necessidade das quebras de sigilo e perícias requeridas. Embora Abel tenha admitido que a gravação original foi reduzida para ser divulgada no site Ijuinews, a defesa de Luiz não afirmou se tal redução distorceu o sentido da conversa ou se suprimiu ponto relevante para a devida compreensão do diálogo. Sendo Luiz um dos interlocutores, a defesa teria plenas condições de apontar alguma dessas circunstâncias para justificar a necessidade da prova.

O art. 184 do Código de Processo Penal, parte final, estabelece que o juiz “[…] negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade”.

É a situação verificada na hipótese dos autos, em que não se vislumbra a necessidade da prova requerida, tampouco a parte se desincumbiu do ônus de justificar tal necessidade.

Assim, não há que se falar em cerceamento de defesa, pois devidamente indeferida a prova requerida.

MÉRITO

No mérito, o juízo sentenciante condenou a eleitora Carla Watthier e o candidato Luiz Varaschini pelo crime de corrupção eleitoral, tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, em razão da oferta de nomeação em cargo público pelo trabalho da eleitora em prol da campanha de Luiz.

Os fatos objetivamente considerados estão comprovados, e nem existe controvérsia nos autos a seu respeito: o candidato Luiz Varaschini efetivamente ofereceu à eleitora Carla Watthier um cargo na Prefeitura em troca de seu trabalho na campanha eleitoral, nomeação que veio a ser efetivada após as eleições, conforme Portaria de nomeação (fl. 25).

A eleitora não chegou a ser ouvida em juízo, pois não compareceu à audiência de instrução, mas confirmou esse fato extraprocessualmente em diferentes oportunidades. A eleitora foi diversas vezes ouvida, na delegacia, no MP, em Comissão Parlamentar de Inquérito e em processo administrativo, por causa da notícia de que Luiz Varaschini, eleito Vereador, assediava funcionário e impunha a repartição de suas remunerações com ele e outros funcionários.

Perante a Promotoria de Justiça, Carla afirmou (fl. 19):

[…] na época da campanha eleitoral foi procurada por uma pessoa que não lembra o nome para fazer campanha eleitoral do Vereador Tito, ocasião em que referiu não ter problema em fazer campanha, visto que estava precisando de um trabalho. Em razão dessa fala lhe foi prometido um emprego no município caso o candidato se reelegesse […]

A mesma versão foi sustentada em outras oportunidades. Em sindicância instaurada no âmbito do Poder Executivo, afirmou ter sido nomeada, “pois fez campanha política para o mesmo [Tito], ocasião em que estava desempregada, recebendo então o convite para trabalhar caso ele se elegesse” (fl. 116).

No inquérito policial instaurado na Polícia Civil, afirmou “que Tito prometeu para a declarante que caso ele se elegesse iria arrumar um trabalho para ela na Prefeitura” (fl. 162).

Perante a CPI, a eleitora afirmou “que houve a indicação do Vereador Tito Veraschini para seu ingresso ao quadro de funcionários do Município de Ijuí, promessa essa efetuada durante o período eleitoral” (fl. 507).

Todavia, não se encontra demonstrado, nem mesmo por indícios, o necessário elemento subjetivo do tipo, consistente na finalidade específica de obter o voto do eleitor corrompido em troca do benefício ofertado.

A finalidade específica da oferta é expressamente prevista no tipo legal:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

O bem tutelado pela norma é a liberdade de escolha do eleitor, por isso o crime pressupõe que a vantagem seja ofertada em troca de seu voto, maculando, prejudicando a livre opção política da pessoa corrompida.

A presença dessa finalidade específica é exigida pela jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL.
1. Se o Tribunal de origem, soberano na análise de fatos e provas, entendeu que não estava comprovada a intenção de obter o voto, a análise do elemento subjetivo do crime de corrupção eleitoral demandaria o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada em sede extraordinária.
2. Segundo a jurisprudência do TSE, a caracterização do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral depende da demonstração, por meio de provas robustas, do dolo específico. Agravo regimental a que se nega provimento.
(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 428243230, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 31, Data 09.02.2018, Páginas 132/133)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES 2012. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. CANDIDATO. PREFEITO. PROMESSA. CARGO. VOTO. CABO ELEITORAL. CORRELIGIONÁRIO. COMUNHÃO DE MESMO PROJETO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONEXÃO ENTRE CRIME ELEITORAL E COMUM. AUSÊNCIA. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. DECISÃO MANTIDA. DESPROVIMENTO.
1. O tratamento penal dispensado à prática do delito de corrupção eleitoral exige que se evidencie o dolo específico de obter o voto mediante oferecimento de vantagem indevida.
2. A promessa de cargo a correligionário em troca de voto não configura a hipótese do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, ante a falta de elemento subjetivo do tipo. Precedente: HC nº 812-19/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 20.3.2013.
3. In casu, não é possível presumir que a nomeação do Agravado em cargo na Prefeitura implique, necessariamente, oferta de benefícios aos seus familiares.
4. A pretensa inversão do decisum regional, que concluiu pela atipicidade da conduta delitiva, demandaria o reexame de fatos e provas, óbice plasmado no Enunciado de Súmula nº 24 do TSE.
5. Ausente a conexão entre o crime eleitoral e o crime de concussão imputado (art. 316 do Código Penal), compete ao Tribunal de Justiça do Estado o julgamento do crime comum. Precedente: RHC nº 653/RJ, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJe de 16.8.2012.
6. Agravo regimental desprovido.
(TSE, Agravo de Instrumento n. 3748, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 237, Data 15.12.2016, Páginas 24/25.)

Na hipótese, o elemento subjetivo não está caracterizado, pois extrai-se dos autos que a oferta do cargo público no caso de eventual vitória tinha a finalidade de motivar o trabalho da eleitora Carla Watthier, inclusive porque a atividade não foi remunerada, como asseverou Carla em todas as oportunidades.

Ao ser interrogada pela autoridade policial no inquérito que instruiu esta ação, Carla negou expressamente que a oferta envolvesse pedido de voto (fl. 675):

“QUE, com relação a promessa de cargo na Câmara de Vereadores, reitera que houve essa proposta, mas não como compra de seu voto, mas como pedido que colaborasse na campanha política do mesmo, ou seja, não houve compra de seu voto; QUE, expressamente nunca houve oferta de vantagem para que votasse no mesmo, mas a possibilidade de conseguir um emprego se auxiliasse na sua campanha eleitoral; […] QUE, nunca fez proposta de vender seu voto por emprego, mas que se trabalhasse em sua campanha deveria receber um cargo, o que é normal dentro das campanhas eleitorais”.

As provas produzidas nos autos somente demonstram que houve a nomeação de Carla por causa de seu trabalho em prol da campanha de Luiz Varaschini. Em nenhuma das declarações realizadas pela eleitora extrai-se informação em sentido diverso.

O douto Procurador Regional Eleitoral menciona que a eleitora teria negado a venda do voto apenas para escapar à ação da Justiça, mas o contexto não permite essa conclusão. Em todas as oportunidades nas quais Carla foi ouvida, sua declaração centrava-se em informações voltadas a esclarecer investigações de assédio e exigência de divisão da sua remuneração. Nessas oportunidades, o motivo de sua nomeação – trabalho na campanha – era mencionado de passagem, como uma informação paralela. Somente quando a Polícia Federal instaurou inquérito para apurar eventual compra de votos, Carla foi indagada especificamente sobre a finalidade de obter-se o voto. Nesse único momento a eleitora foi firme ao negar que a oferta envolvia seu voto.

As demais provas nada esclarecem sobre os fatos imputados aos recorrentes.

Luiz Varaschini, interrogado, negou os fatos a ele imputados. Abel Oliveira, responsável pelo site “Ijuinews”, apenas afirmou que era exigido um percentual da remuneração de Carla porque ela foi indicada para o cargo pelo Vereador Luiz. Andrei Cosseti e César Busnello afirmaram que Carla era servidora porque fora indicada pelo Vereador Luiz, assim como afirmou desconfiar da testemunha Edmilson Dias.

Embora as testemunhas confirmem que Carla obteve a nomeação no cargo em razão da indicação do Vereador Luiz Varaschini, nenhuma confirma que a oferta tenha sido condicionada à obtenção de seu voto.

Assim, o conjunto probatório colhido não comprova que a nomeação de Carla como funcionária municipal tenha ocorrido em troca de seu voto. Ao contrário, a prova apenas indica que tal benefício lhe foi alcançado em troca de seu trabalho na campanha.

O parecer ministerial menciona que, ao condicionar o benefício à eleição do Vereador, houve a inevitável vinculação do voto da eleitora. Talvez a conduta tenha realmente causado esse efeito, mas somente como consequência secundária. A intenção primeira, ao menos pelo que se extrai dos autos, foi garantir o empenho gratuito da eleitora Carla na campanha, e não o seu voto. Ademais, a prevalecer o raciocínio ministerial, teríamos caracterizada a compra automática dos votos de todos os detentores de cargos em comissão ou função comissionada, que perderiam suas funções com a derrota do grupo político para o qual trabalham.

De qualquer sorte, não se pode aceitar como crime o fato, de todo evidente, de que pessoas que trabalhem em campanhas eleitorais para determinado candidato recebam ofertas ou promessas até como incentivo a tais labores e que, obviamente, tais pessoas estarão inclinadas a votar naquele candidato; é muito tênue, e a tipificação penal não permite essa flexibilidade, a linha divisória entre a livre escolha do eleitor e a vinculação do voto a um interesse determinado. Por isso o tipo penal não abre mão do dolo específico.  

Não se duvida que esta é uma prática indevida e até ofensiva ao princípio da impessoalidade, pois é voltada a preencher cargos públicos não com base no mérito, mas tão somente como retribuição ao empenho empregado na campanha do candidato. A conduta pode caracterizar improbidade administrativa ou até mesmo alguma espécie de delito contra a Administração Pública, mas não é tipificada como crime eleitoral por lhe faltar o elemento subjetivo do voto. Entendimento em sentido contrário resultaria em ofensa ao princípio da tipicidade penal.

A jurisprudência já se manifestou no sentido de que oferta de benefícios em troca do trabalho na campanha não caracteriza corrupção eleitoral:

EMENTA - RECURSOS ELEITORAIS. ELEIÇÕES 2016. CERCEAMENTO DE DEFESA E VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. MÉRITO FAVORÁVEL AO RECORRENTE. NULIDADES NÃO PRONUNCIADAS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONDUTAS VEDADAS. ABUSO DE PODER POLÍTICO. BASE PROBATÓRIA FRÁGIL. AIJE IMPROCEDENTE. SANÇÕES AFASTADAS. RECURSO DO INVESTIGADO PROVIDO E DA INVESTIGANTE DESPROVIDO.

1. Nos termos do § 2º do art. 282 do CPC, "quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta."

2. A procedência de Ação de Investigação Eleitoral ou Representação por captação ilícita de sufrágio ou conduta vedada reclama prova segura acerca do cometimento do ilícito eleitoral, ônus atribuído ao autor.

3. A promessa de pagamento ou favor em troca de trabalho na campanha não caracteriza, por si, captação ilícita de sufrágio, se ausentes elementos que comprovem a troca de voto por benefício.

4. A inexistência de provas quanto à utilização de veículo pertencente à municipalidade em atividade eleitoral afasta a configuração da conduta vedada.

(TRE/PR, RECURSO ELEITORAL n. 25198, ACÓRDÃO n. 53375 de 11.9.2017, Relator Roberto Ribas Tavarnaro, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 21.9.2017.)

Dessa forma, extraindo-se dos autos que a nomeação de Carla ocorreu em troca de seu trabalho na campanha, e inexistindo provas da finalidade específica de obter-lhe o voto, não resta caracterizada a pretendida corrupção eleitoral. Impõe-se, assim, a reforma da sentença para absolver os acusados com base no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.

Por fim, como já destacado antes, vislumbrei no caso uma possível prática de improbidade administrativa, motivo pelo qual determino a remessa de cópias da denúncia, com os respectivos documentos, termo de declarações de Carla Watthier (fl. 675), sentença e acórdão, ao Promotor de Justiça de Ijuí para que adote as providências que entender cabíveis.

Por todo o exposto, VOTO pelo provimento dos recursos, para julgar improcedentes os pedidos da denúncia e absolver Carla Watthier e Luiz Varaschini, com base no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal, determinando a remessa das cópias acima indicadas para a Promotoria de Justiça de Ijuí.