RE - 733 - Sessão: 23/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de Itaqui contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de doações advindas de ocupantes de cargo de vereador, caracterizados como fontes vedadas, determinando, ainda, o recolhimento de R$4.032,00 ao Tesouro Nacional e a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário por 1 ano (fls. 121-123).

Em sua irresignação (fls. 127-135), o recorrente sustenta que a vedação insculpida no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 não alcança os detentores de mandato eletivo. Alega, com base no princípio da retroatividade mais benéfica, que a Lei n. 13.488/17, no ponto em que permite a doação de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração desde que filiadas a partido, deve retroagir, aplicando-se às doações realizadas antes de sua vigência. Ao final, requer a reforma da sentença para que as contas sejam julgadas aprovadas.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 142-149).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no DEJERS em 09.11.2017 (fl. 125) e a interposição ocorreu em 13.11.2017 (fl. 127).

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, o recurso merece conhecimento.

Inicialmente, consigno que entendo pela aplicação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 em sua dicção original, ou seja, sem as modificações trazidas pela Lei n. 13.488/17, que facultou as doações de filiados a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta.

Acerca do tema, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC n. 96183/DF, Relator Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, deve ser aplicado à solução do caso concreto o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise, a qual vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Passando ao mérito, as contas da agremiação foram desaprovadas em razão do recebimento de um total de R$4.032,00 provenientes de dois doadores, Igor Bicca Aradais e Marcos Luciano Veppo Palma, ambos exercentes de mandato de vereador no Município de Itaqui durante o período financeiro em questão.

Entendeu o magistrado sentenciante que essas contribuições são oriundas de “autoridade pública”, nos termos do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, motivo pelo qual seriam vedadas.

Com efeito, o entendimento fixado pelo juízo de primeiro grau está em consonância com a posição adotada por este Tribunal a partir da Consulta n. 109-98, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, julgada no dia 23.9.2015, na qual se entendeu que a proibição prevista no art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos alcançava também os detentores de mandatos eletivos.

Todavia, em recente julgado, o Tribunal reviu seu entendimento, para concluir que os agentes políticos, dentre os quais se inserem os detentores de mandato eletivo, não estão incluídos no conceito de autoridade para os fins do dispositivo legal em comento. Extrai-se do acórdão a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de prefeito. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo prefeito. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.

Provimento.

(TRE/RS, RE n. 14-78, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 06.12.2017.) (Grifei.)

O Tribunal entendeu que o fundamento para vedar a doação de detentores de cargos de direção e de chefia, qual seja, a necessidade de evitar a distribuição de funções públicas com o intento de alimentar os cofres partidários, não está presente quando a doação advém de ocupantes de mandatos eletivos, pois são levados ao cargo pela vontade popular.

Nessa linha de raciocínio, considerar tais doadores como autoridade pública significa atribuir interpretação ampliativa a uma norma restritiva de direitos, o que não se coaduna com a ordem constitucional.

Cabe, aqui, o enfrentamento da questão trazida pela Procuradoria Regional Eleitoral que, em seu parecer escrito, pugna pela preservação do entendimento deste Tribunal manifestado na resposta à Consulta n. 109-98.

O órgão ministerial argumenta que a viragem jurisprudencial levada a efeito pelo Tribunal acarreta violação ao princípio da isonomia/paridade de armas no âmbito eleitoral entre os partidos políticos, tendo em vista que diversas agremiações tiveram as suas contas, relativas ao mesmo período de apuração, julgadas sob a perspectiva anterior. Salienta, ainda, a necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica e da anterioridade eleitoral, citando precedente do STF no qual as decisões que impliquem mudança de jurisprudência em uma dada eleição não são aplicáveis ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior (RE n. 637485-RJ, Relator Min. Gilmar Mendes, Julgamento em 01.8.2012, Tribunal Pleno).

Entretanto, tenho que a evolução no posicionamento deste Regional não representa afronta ao princípio da isonomia e da paridade de armas entre os partidos políticos.

Veja-se que os Tribunais Superiores não têm posição consolidada sobre a matéria. Inclusive, está pendente de julgamento, no Supremo Tribunal Federal, a ADin n. 5.494-DF, ajuizada pelo Partido da República (PR), tendo por objeto a constitucionalidade do art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos, em sua redação original. Desse modo, não há de se falar que o prestador de contas tenha legítima expectativa de continuidade das decisões em um ou outro sentido.

Ademais, a modulação dos efeitos da decisão que acarreta modificação da jurisprudência é possibilidade que o art. 927, § 3º, do CPC confere apenas ao Supremo Tribunal Federal e aos Tribunais Superiores nos casos de jurisprudência dominante ou julgamento de casos repetitivos.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, ao consagrar a aplicação do princípio da anterioridade eleitoral em relação às mudanças de linhas jurisprudenciais (RE n. 637485, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 01.8.2012), adotou-o em relação às decisões do Tribunal Superior Eleitoral que poderiam acarretar desequilíbrio atual no contexto de determinado pleito, e não de forma irrestrita, como se verifica na ementa julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REELEIÇÃO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA.[...]

II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. III. REPERCUSSÃO GERAL. Reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais atinentes à (1) elegibilidade para o cargo de Prefeito de cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos em cargo da mesma natureza em Município diverso (interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição) e (2) retroatividade ou aplicabilidade imediata no curso do período eleitoral da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que implica mudança de sua jurisprudência, de modo a permitir aos Tribunais a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada. IV. EFEITOS DO PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Recurso extraordinário provido para: [...]

(2) deixar assentados, sob o regime da repercussão geral, os seguintes entendimentos: (2.1) o art. 14, § 5º, da Constituição, deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso; (2.2) as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.

(RE n. 637485, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 01.8.2012, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-095, Divulgação em 20.5.2013, Publicação 21.5.2013.)

Assim, considerando que a única irregularidade apontada na sentença foi o recebimento de um total de R$4.032,00, proveniente de membros da Câmara Municipal de Itaqui, deve ser reformada a decisão recorrida, para, de acordo com o novo entendimento firmado por este Tribunal, considerar lícitas as referidas doações, aprovando-se as contas da agremiação.

 

Ante todo o exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso e, no mérito, por seu provimento, para aprovar as contas do Partido do Progressista (PP) de Itaqui relativas ao exercício financeiro de 2016.