RE - 18768 - Sessão: 20/06/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por EDSON LUIZ PORTILHO em face da sentença que desaprovou as contas relativas às eleições de 2016 no Município de Sapucaia do Sul, nos termos do art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, em virtude do recebimento de doações empresariais indiretas e de depósito em espécie acima de R$1.064,10 diretamente na conta de campanha, e determinou, ainda, o recolhimento de R$12.500,00 e R$535,90 ao Tesouro Nacional (fls. 110-111v.).

Em seu apelo (fls. 117-122), o recorrente aduz que as doações recebidas estão em conformidade com a legislação pertinente. Sustenta que as divergências e omissões de informações apontadas pela unidade técnica resultam de erros materiais cometidos no momento da elaboração das contas, os quais podem ser saneados e superados. Ao final, requer o conhecimento e  o provimento do recurso para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Com vista dos autos, o Ministério Público Eleitoral com atuação em primeiro grau ofereceu contrarrazões, manifestando-se pelo desprovimento do recurso (fls. 124-126v.)

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a irregularidade atinente às supostas doações empresariais indiretas (fls. 129-133).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Houve a publicação da decisão no DEJERS em 11.12.2017 (fl. 113) e a interposição ocorreu em 13.12.2017 (fl. 117), de forma que foi obedecido o prazo de três dias indicado no art. 77 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, as contas do candidato foram desaprovadas em razão do reconhecimento das seguintes irregularidades:

a) recebimento de doações empresariais por meio de pessoas físicas que integram o quadro de funcionários da mesma entidade, no valor de R$12.500,00, em infringência ao art. 60, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15; 

b) obtenção e utilização de depósito no montante de R$1.600,00 diretamente em sua conta-corrente de campanha, em afronta ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual exige transferência eletrônica bancária para doações financeiras superiores a R$1.064,10.

Em relação ao primeiro apontamento, crucial anotar que o vínculo funcional a unir as pessoas físicas doadoras, em realidade, é estabelecido com a Prefeitura Municipal de Sapucaia do Sul e com a Câmara Municipal da mesma localidade (fls. 10-11, 16-21 e 23-35), e não com alguma entidade empresarial.

Outrossim, os documentos encartados aos autos (fls. 23-35) revelam a compatibilidade entre os ganhos pessoais de cada contribuinte e os aportes financeiros em prol da candidatura.

De fato, os maiores doadores, com liberalidades individuais de R$2.500,00, R$1.000,00 e R$700,00, recebem vencimentos médios de aproximadamente R$8.500,00, R$7.800,00 e R$4.000,00, respectivamente. As demais doações, de R$400,00 e R$500,00, foram realizadas por agentes públicos com vencimentos variáveis entre R$1.500,00 e R$8.000,00, não revelando flagrante incongruência entre os valores oferecidos e a capacidade econômica dos contribuintes.

Nesse contexto, ausentes elementos probatórios complementares, o fato de os servidores apoiadores serem ligados ao mesmo órgão público não conduz à irrefutável conclusão de que tenham sido utilizados para realizar as doações de forma indireta pela correspondente pessoa jurídica de direito público.

Não há outros elementos de prova de que os servidores serviram de intermediários entre a doação da pessoa jurídica e o candidato, ou mesmo de que sofreram alguma espécie de coação para a entrega dos valores.

Assim, meros indícios, desprovidos de corroboração probatória, não podem conduzir ao juízo de desaprovação das contas, o qual exige prova plena da irregularidade, não podendo se basear em presunções ou ilações.

Na mesma linha, colaciono o seguinte precedente deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. RECURSO ORIUNDO DE FONTE VEDADA. PESSOA JURÍDICA. POTENCIAL INCIDÊNCIA DE DOAÇÃO EMPRESARIAL INDIRETA. FUNCIONÁRIAS DE UMA MESMA COOPERATIVA. AUSÊNCIA DE PROVAS. PROVIMENTO. APROVAÇÃO.

O art. 25, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15, veda o recebimento de doações, ainda que indiretas, de pessoas jurídicas. No caso, a sentença de primeiro grau desaprovou as contas em razão de potencial incidência de doação empresarial indireta, isto é, diante da existência de doações de funcionárias de uma mesma cooperativa – pessoa jurídica. Contudo, o conjunto probatório não demonstra de forma inequívoca a doação de fonte vedada. Compatibilidade dos valores doados com as ocupações dos doadores. Aprovação.

Provimento.

(TRE-RS; RE n. 205-37; Relator Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 14.12.2017.)

Ademais, como bem observado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer escrito, no tocante à caracterização das doações oriundas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, há tratamento normativo diverso entre as prestações de contas partidárias e as de campanhas eleitorais.

A Resolução TSE n. 23.463/15 não veicula proscrição expressa das doações de campanha a partidos e candidatos quando realizadas por servidores públicos detentores de funções de chefia ou direção, de forma que, durante o período eleitoral, tais operações devem ser consideradas lícitas.

Com esse entendimento, trago a seguinte ementa deste Regional:

Consulta. Art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral. Eleições 2016. Indagações propostas por diretório regional de partido político. Questionamentos acerca da caracterização de fonte vedada na arrecadação e doação para campanha eleitoral. Art. 31,II, da Lei n. 9.096/95 e art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14. Atendimento do requisito legal de admissibilidade pertinente à legitimidade do consulente. Entretanto, com relação às perguntas, apenas a primeira comporta conhecimento e resposta.

Fora do período eleitoral, são consideradas oriundas de fontes vedadas as doações para as contas dos partidos, realizadas por detentores de cargos eletivos e ocupantes de cargos de chefia e direção na administração pública, uma vez que estão sujeitas às vedações do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15. Todavia, no interregno do período eleitoral, não são proibidas as doações para as contas dos partidos e dos candidatos, realizadas por detentores de cargos eletivos e ocupantes de cargos de chefia e direção na administração pública, desde que respeitadas as disposições atinentes às doações para campanhas eleitorais previstas na Resolução TSE n. 23.463/15.

Conhecimento parcial.

(Consulta n. 8973, Acórdão de 06.7.2016, Relator Dr. Silvio Ronaldo Santos De Moraes, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 123, Data 11.7.2016, Página 2.) (Grifei.)

Consequentemente, na ausência de provas em sentido contrário, as aludidas receitas são lícitas e regulares, devendo o recurso ser provido nesse ponto.

No que se refere à segunda irregularidade, houve o incontroverso recebimento de doação via depósito direto na conta-corrente de campanha, no valor de R$1.600,00, em inobservância ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, verbis:

Art. 18. (...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

Registre-se que esta Casa vem, com frequência, sendo bastante tolerante quando o prestador de contas, malgrado não tenha seguido à risca os ditames legais e regulamentares, consegue, ao menos, demonstrar a origem imediata dos valores, circunstância que tem eximido os jurisdicionados do recolhimento dos valores.

Contudo, não é esse o caso dos autos.

O candidato tão somente alegou que a transação financeira foi realizada com recursos próprios. No entanto, não ofereceu, nos autos, explicação ou justificativa sobre as razões que o levaram a efetuar a operação em desconformidade com os preceitos normativos.

Nesse contexto, a mera indicação do CPF do candidato no extrato bancário ao lado do movimento de depósito em dinheiro - o mais das vezes, mediante mera declaração do suposto depositante - não comprova a origem mediata dos valores.

Da mesma forma, o recibo eleitoral de fl. 84, desamparado da corroboração por outros elementos nos autos, não faz prova segura de que o valor repassado à campanha integrava o patrimônio do candidato. Adicionalmente, consoante bem pontuou o magistrado sentenciante, no documento consta a data de 06.9.2016, sendo a doação em tela realizada somente em 28.9.2016.

Portanto, o candidato não logrou acostar elementos aptos a demonstrar a procedência lícita dos recursos, conforme determina o art. 56, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 56. No caso de utilização de recursos financeiros próprios, a Justiça Eleitoral pode exigir do candidato a apresentação de documentos comprobatórios da respectiva origem e disponibilidade.

Parágrafo único. A comprovação de origem e disponibilidade de que trata este artigo deve ser instruída com documentos e elementos que demonstrem a procedência lícita dos recursos e a sua não caracterização como fonte vedada.

A exigência normativa de que as doações de campanha, mesmo que provenientes dos próprios candidatos, sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e de transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, o que não pode ser confirmado na espécie.

Outrossim, não se discute a boa-fé ou a má-fé do recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas.

Trata-se de falha grave, que compreende montante significativo, efetivamente utilizado pelo prestador, tornando inviável a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

Dessa forma, a confiabilidade e a transparência das contas de campanha do candidato restaram severamente comprometidas pela irregularidade não esclarecida, sendo acertado o juízo de desaprovação das contas.

Tratando-se de recurso de origem não identificada, igualmente correta a determinação de recolhimento da importância ilícita ao Tesouro Nacional, na forma prevista no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Sobre essa questão, a sentença entendeu por determinar a transferência, ao Tesouro Nacional, do valor de R$535,90, equivalente apenas ao montante que excede o valor referencial de R$1.064,10, presente no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, como já frisado.

A solução adotada é diversa do posicionamento sedimentado na jurisprudência deste Regional, no sentido de que deve ser determinado o recolhimento do valor integral irregularmente movimentado, que, na espécie, corresponderia ao total de R$1.600,00.

Todavia, note-se que apenas o candidato recorreu. Desse modo, sob pena de ocorrência de reformatio in pejus no caso concreto, há de ser mantido o valor de transferência ao Tesouro Nacional determinado pelo juízo de origem.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto, apenas para afastar a ordem de recolhimento de R$12.500,00 ao Tesouro Nacional, mantidos o juízo de desaprovação e a determinação de recolhimento de R$535,90 ao Tesouro Nacional.