RE - 24695 - Sessão: 12/11/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CIRILO JOÃO FAÉ, candidato ao cargo de Vereador, em Porto Alegre, nas Eleições 2016, contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 5.000,00, em virtude da identificação das seguintes irregularidades: a) recebimento de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 5.000,00; b) inconsistências entre as doações informadas pelo prestador e aquelas declaradas pelo candidato Maurício Alexandre Dziedricki; c) omissão de doações realizadas por outro prestador e registradas na sua respectiva conta; e d) divergências entre a movimentação financeira constante na prestação de contas e a verificada nos extratos bancários (fls. 36-37).

Em suas razões, o recorrente sustenta a regularidade do lançamento contábil e aduz que as divergências e omissões apontadas referem-se a falhas no registro das informações na prestação de contas do doador, que foram posteriormente retificadas. Alega que não pode ser responsabilizado por erro de terceiro. A respeito da determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, argumenta ter demonstrado toda a movimentação contábil e financeira da quantia respectiva, embora não tenha procedido à abertura de conta bancária específica para o recebimento de recursos do Fundo Partidário. Requer a reforma da sentença para que sejam aprovadas as contas (fls. 42-43).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 50-52v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença combatida desaprovou as contas com base na existência das seguintes irregularidades: a) recebimento de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 5.000,00; b) divergências entre as doações informadas pelo prestador e aquelas declaradas pelo candidato Maurício Alexandre Dziedricki; c) omissão de doações realizadas por outro prestador e declaradas na sua respectiva conta; e d) divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e a verificada nos extratos bancários.

Passo à análise das falhas identificadas.

A respeito do recebimento de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 5.000,00, o prestador sustenta que, por equívoco, deixou de abrir conta bancária específica para a arrecadação de verbas do Fundo Partidário, alegando, todavia, ter demonstrado a movimentação financeira e contábil do valor correspondente.

Analisando os autos, observo que a quantia de R$ 5.000,00 foi considerada, pelo juízo a quo, como proveniente de origem não identificada, em virtude de sua arrecadação por meio de cheque, e não de transferência entre contas bancárias, conforme disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que exige a referida formalidade para doações acima de R$ 1.064,10.

Entretanto, verifico que o descumprimento da disposição normativa não impediu a identificação do recurso, uma vez que a utilização da cártula possibilitou o atendimento da finalidade preconizada pela determinação.

Ocorre que a quantia, embora proveniente do Fundo Partidário, foi arrecadada na conta destinada à movimentação de valores relativos a outros recursos, em infringência tanto ao disposto no art. 8º da Resolução TSE n. 23.463/15, que regulamenta o recebimento de verbas dessa natureza, quanto ao determinado no art. 17 do referido diploma, que disciplina a realização de gastos eleitorais.

Reproduzo os dispositivos:

Art. 8º Os partidos políticos e os candidatos devem abrir conta bancária distinta e específica para o recebimento e a utilização de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), na hipótese de repasse de recursos dessa espécie.

Parágrafo único. O partido político que aplicar recursos do Fundo Partidário na campanha eleitoral deve fazer a movimentação financeira diretamente na conta bancária estabelecida no art. 43 da Lei nº 9.096/1995, vedada a transferência desses recursos para a conta “Doações para Campanha”. (Grifei.)

Art. 17. Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores.

§ 1º A aplicação dos recursos provenientes do Fundo Partidário, nas campanhas eleitorais, pode ser realizada mediante:

I - transferência para conta bancária do candidato aberta nos termos do art. 8º;

II - transferência dos recursos de que tratam o § 5°-A do art. 44 da Lei n° 9.096/1995 e o art. 9° da Lei n° 13.165/2015 para a conta bancária de campanha de candidata aberta na forma do art. 8º desta resolução;

III - pagamento dos custos e despesas diretamente relacionados às campanhas eleitorais dos candidatos e dos partidos políticos, procedendo-se à sua individualização.

Conforme se observa do teor dos textos normativos, a utilização dos recursos do Fundo Partidário, por representar verba que ostenta natureza pública, deve seguir diretrizes específicas, a fim de permitir o controle e a fiscalização do gerenciamento dessas receitas.

Por isso, a abertura de conta bancária é formalidade essencial para o recebimento de verbas dessa natureza, motivo pelo qual não é possível relevar a irregularidade, mormente se considerada a expressiva representação da quantia (35,32%) em relação ao total de recursos movimentados na campanha.

Destaco que, além do recebimento indevido da verba proveniente do Fundo Partidário na conta destinada à movimentação de outros recursos, o prestador não logrou apresentar documentação relativa aos gastos realizados com a referida quantia, como as notas fiscais dos produtos adquiridos e/ou recibos dos serviços que tenham porventura sido realizados, conforme determinam os arts. 59, § 5º, e 60, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 59.

[...]

§ 5º Na hipótese de utilização de recursos provenientes do Fundo Partidário, além das informações transmitidas pelo SPCE, na forma do caput, o prestador de contas deverá apresentar fisicamente os respectivos comprovantes dos recursos utilizados.

Art. 60.

[...]

Parágrafo único. Na hipótese de recebimento de recursos do Fundo Partidário, além da verificação informatizada da prestação de contas simplificada, a análise dos documentos de que trata o § 5º do art. 59 deve ser feita de forma manual, mediante o exame da respectiva documentação que comprove a correta utilização dos valores.

Frisa-se que a aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário acarreta, como consequência, o dever de recolhimento da respectiva quantia ao Tesouro Nacional, à luz da disposição contida no § 1º do art. 72 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Ademais, considerando a gravidade da falha, não há maneira de reputá-la como uma ressalva na escrituração, a partir da aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo imperativa a desaprovação das contas, porquanto comprometida a confiabilidade e a transparência do exame como um todo.

Além disso, as contas foram desaprovadas em virtude da identificação de omissões e divergências entre as informações declaradas pelo recorrente e as prestadas pelo candidato Maurício Alexandre Dziedricki em sua própria contabilidade.

O recorrente, em defesa, sustenta que as informações foram devidamente prestadas, não podendo ser responsabilizado por erro de terceiro. Assevera, ainda, que o doador retificou a escrituração, eliminando as incompatibilidades identificadas.

Diante desse cenário fático, consultei o sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral http://divulgacandcontas.tse.jus.br/, que concentra, para acesso público, as prestações de contas dos candidatos e dos partidos, e observei a perfeita correspondência entre os valores declarados como recebidos pelo prestador e os constantes no balanço contábil do doador Maurício Alexandre Dziedricki.

Em razão disso, restam superados os apontamentos.

Por fim, a sentença assinalou a existência de inconsistências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e a observada nos extratos bancários.

A respeito do apontamento, o prestador não se manifestou.

Com efeito, consigno que a correspondência entre a movimentação de recursos financeiros na conta bancária e as informações atinentes às receitas e às despesas registradas na contabilidade reflete diretamente na confiabilidade das declarações prestadas, sendo circunstância imprescindível para aferição da transparência que deve revestir todo o procedimento.

Logo, remanescendo irregularidades que interferem na lisura do balanço contábil, impõe-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas, bem como a determinação de recolhimento da quantia de R$ 5.000,00 ao Tesouro Nacional, devido à aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar as irregularidades no tocante à omissão e às divergências entre os registros das doações recebidas do candidato Maurício Alexandre Dziedricki, mantendo o juízo de desaprovação das contas em razão das demais irregularidades, bem como a determinação de recolhimento da quantia de R$ 5.000,00 ao Tesouro Nacional, em decorrência da aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário.